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Relato de casos

Enxertos de couro cabeludo para a correção de feridas cirúrgicas

Bruna Dal Bello1; Fabiola Azevedo Genovez de Lima Leme2; Ana Flávia Salai1; Fernanda Santana1; Natalia Roberta Castellen1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201794972

Data de recebimento: 07/02/2017
Data de aprovação: 28/08/2017
Suporte financeiro: Nenhum.
Conflito de interesse: Nenhum.

Abstract

Das diversas opções de reconstrução de feridas cirúrgicas, utilizam-se enxertos cutâneos quando o fechamento primário ou por segunda intenção é inviável ou devido a outros fatores que não recomendem o uso de retalhos. O reparo de ferida cirúrgica com enxerto de espessura parcial obtido do couro cabeludo com lâmina flexível é relatado em três casos de exérese convencional de dois casos de carcinoma basocelular na regão nasal e um caso de carcinoma espinocelular no dorso da mão. A técnica proporcionou bom resultado estético tanto na área receptora quanto na área doadora.


Keywords: procedimentos cirúrgicos dermatológicos; neoplasias cutâneas; couro cabeludo; carcinoma basocelular; carcinoma de células escamosas; enxertos cutaneos


INTRODUÇÃO

O câncer da pele não melanoma (CPNM) é a neoplasia mais frequente no homem.1 Estima-se que, em 2016, no Brasil ocorreram 175.760 novos casos.2 O grupo de CPNM engloba numerosos tipos de tumores, sendo os mais comuns o carcinoma basocelular (CBC) e o espinocelular (CEC), os quais compreendem em torno de 95% do total.1

O principal tratamento de CEC e CBC é a exérese cirúrgica, que evita o prejuízo funcional e diminui o risco de metástases nos casos de CEC. Existem diversas opções de reconstrução de feridas cirúrgicas após exérese de CPNM, e a escolha depende do tamanho e do local do defeito final.3 Os autores apresentam três casos de reconstrução de ferida cirúrgica com enxerto de espessura parcial obtidos do couro cabeludo com lâmina flexível após exérese convencional de CBC e CEC.

 

RELATO DOS CASOS

1. Paciente masculino, 80 anos, fototipo II, com placa hiperceratótica infiltrada, com centro ulcerado, de dois centímetros no dorso da mão direita, com diagnóstico histológico de CEC.

2. Paciente masculino, 93 anos, fototipo II, com pápula eritêmato-perlácea infiltrada, de meio centímetro, na ponta nasal, com diagnóstico histológico de CBC sólido, esclerodermiforme e ulcerado.

3. Paciente masculino, 81 anos, fototipo II, com mácula eritêmato-ulcerada infiltrada, de um centímetro, no dorso nasal, com diagnóstico histológico de CBC sólido e micronodular ulcerado.

Nos três casos, após marcação e exérese da lesão com margens-padrão, foi feita a opção de fechamento por enxerto. A área doadora escolhida, em todos os casos, foi a região retroauricular do couro cabeludo (no primeiro caso, retroauricular direita, e nos demais, retroauricular esquerda). Após medir e marcar o local doador, retirou-se o enxerto pela técnica de shaving com uma lâmina flexível wilkinson®, suturando-se em seguida na área receptora, e realizado realização do curativo de Brown. Na área doadora optou-se pelo fechamento por segunda intenção, utilizando-se curativos com Aquaphor® Eucerin, Brasil. Os pacientes foram orientados a usar cefalexina durante sete dias e analgésicos, e retornar para seguimento sete, 14 e 30 dias após a cirurgia. Os pontos de sutura e curativo de Brown foram retirados no sétimo dia de pós-operatório, evidenciando-se boa aderência do enxerto na área receptora e sem sinais de necrose. Nesse momento a área doadora do couro cabeludo já apresentava sinais de repilação em todos os casos. Após 14 dias a área receptora do enxerto já apresentava ótimo resultado estético e funcional com coloração similar à da área periférica. (Figuras 1, 3 e 5). Houve repilação total das áreas doadoras 30 dias após. (Figuras 2, 4 e 6). Em nenhum dos casos houve intercorrências durante o pós-operatório imediato ou tardio. O exame anatomopatológico do terceiro caso evidenciou margem lateral comprometida pela neoplasia, necessitando de reabordagem posterior.

 

DISCUSSÃO

Os enxertos cutâneos são utilizados quando o fechamento primário ou por segunda intenção é inviável e a distensibilidade local da pele ou outros fatores são proibitivos para uso de um retalho. No caso de fechamento de feridas após exérese tumoral em cirurgias convencionais, os enxertos são especialmente interessantes pelo fato de manter a conformidade das margens cirúrgicas que podem, se eventualmente comprometidas pela neoplasia, ser ampliadas com mais precisão,3 como no terceiro caso relatado.

Os enxertos cutâneos podem ser classificados de acordo com sua espessura. O de espessura parcial (ECEP) é composto pela epiderme e por porções variáveis da derme superficial. Por ser mais delgado, o ECEP tem mais chances de aderência do que o enxerto cutâneo de espessura total (que contém toda a derme).4 A técnica para a coleta da área doadora de ECEP pode ser comparada à técnica para exérese de lesões tumorais in situ. Por sua vez, na exérese de lesões tumorais in situ do couro cabeludo o uso de lâminas flexíveis mostrou benefício em comparação a outras técnicas por provocar menos sangramento e não necessitar de aproximação de bordas que poderiam levar a cicatrizes com alopecia.5 Outros autores também consideram a cicatrização por segunda intenção a mais apropriada em casos de ECEP devido a sua superficialidade.4

O couro cabeludo foi inicialmente descrito como área doadora em 1963. Inicialmente só era usado nos casos em que outros sítios doadores não estivessem disponíveis; entretanto, teve seu uso popularizado devido à baixa incidência de complicações, à possibilidade de a mesma área poder ser utilizada como doadora mais de uma vez, e à rápida cicatrização proporcionada pela rica vascularização e presença de anexos cutâneos. Também devido à abundante vascularização, o couro cabeludo pode sangrar mais durante a coleta de enxerto em comparação a outros sítios doadores, porém, o uso de adrenalina na anestesia local, compressas embebidas e curativos oclusivos facilmente previnem hemorragias.6

Além da área doadora tornar-se imperceptível após repilação local, o couro cabeludo proporciona bom resultado estético quando transferido para fechamento de feridas na face, pescoço e extremidades, por possuir boa compatibilidade de cor com esses locais.7 Recentemente, Hexsel et al. relataram o resultado estético na área receptora de 39 pacientes submetidos a Ecep obtidos da região retroauricular com lâmina flexível para fechamento de ferida operatória em cirurgia micrográfica de Mohs. Obteve-se boa compatibilidade de cores em defeitos nasais, torácicos e de extremidades, provavelmente pelo fato de a região doadora ser naturalmente protegida pelos cabelos e pelas orelhas e consequentemente apresentar dano actínico crônico menos intenso.4 Nos casos descritos, os resultados também foram esteticamente satisfatórios já no 30º dia de pós-operatório.

As taxas de complicações relacionadas ao couro cabeludo como sítio doador são baixas: embora existam relatos de alopecia, transferência de hastes capilares junto com a pele enxertada e cicatrização hipertrófica, essas ocorrências podem ser prevenidas ao não exceder a espessura correta do enxerto.8 Alguns instrumentos cirúrgicos elétricos são capazes de proporcionar espessuras uniformes e programadas de enxertos.9 Diminui-se, porém, o custo do procedimento utilizando-se a lâmina flexível, que deve ser manuseada da forma mais plana possível durante a remoção do enxerto para garantir a espessura fina e uniforme da peça.4

Hexsel et al. relataram que a complicação mais comum na área receptora de Ecep (provenientes do couro cabeludo) é o aparecimento de cistos de inclusão entre três semanas e três meses após o procedimento, o que não foi observado nos casos aqui relatados. Tais cistos devem ser drenados para evitar a progressão para pústulas, porém não costumam inviabilizar a aderência do enxerto.4 Khalid et al. investigaram o tempo para cicatrização do sítio doador e a as complicações de 30 pacientes submetidos a Ecep utilizando o couro cabeludo como doador. Verificaram que todos os pacientes apresentaram repilação do local doador, e 86% deles já no sexto dia do pós-operatório. As complicações verificadas foram foliculite em dois pacientes e formação de crostas em um. Nenhum dos pacientes desenvolveu alopecia, transplante capilar para a área receptora ou cicatriz hipertrófica.6 Outros estudos avaliaram o couro cabeludo como área doadora em crianças queimadas, tendo o couro cabeludo apresentado boa cicatrização entre sete e dez dias após o procedimento.8 Também encontramos tais características, com rápida repilação da área doadora e nenhuma complicação nos três casos.

O tempo necessário de curativos no pós-operatório, a praticidade de executá-los e a sua pouca interferência nas atividades cotidianas faz do couro cabeludo um sítio doador de Ecep conveniente principalmente em pacientes idosos e em crianças.10 Esses também foram motivos para a escolha desses tipos de enxerto.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Dr. Leonard H. Goldberg, que discutiu e demonstrou esta técnica para Dra. Fabiola Leme durante Observer fellowship em DermSurgery, Houston/Tx - USA.

 

PARTICIPAÇÃO DOS AUTORES:

Bruna Dal Bello:

Redação e levantamento bibliográfico. Cirurgiã auxiliar dos casos relatados.

Fabiola A. Genovez L. Leme:

Cirurgiã. Orientou a cirurgia dos três casos relatados.

Ana Flavia Salai:

Cirurgiã principal do 1º caso relatado.

Fernanda Santana:

Cirurgiã principal do 2º caso relatado.

Natalia Roberta Castellen:

Cirurgiã principal do 3º caso relatado.

 

REFERÊNCIAS

1. Madan V, Lear JT, Szeimies RM. Non-melanoma skin cancer. Lancet 2010; 375(9715): 673-85.

2. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Tipos de Câncer: Pele não Melanoma. [Internet] Rio de Janeiro: Ministério da Saúde; [cited 2016 Out 24] Available from: http:// www.inca.gov.br/wps/wcm/ connect/tiposdecancer/site/home/pele_nao_melanoma

3. Silva LRTE, Ribeiro AMQ, Fleury Junior LFF. Surgical management of high- risk squamous cell carcinoma of the scalp: series of cases. Surg Cosmet Dermatol 2015; 7(2):166-70

4. Hexsel CL, Loosemore M, Goldberg LH, Awadalla F, Morales-Burgos A. Postauricular Skin: an excellent donor site for split-thickness skin grafts for thee head, neck, and upper chest. Dermatol Surg 2015; 41(1):48-52

5. Vergilis-Kalner IJ, Goldberg LH, Firoz B, Landau JM, Kimyai-Asadi A, Marquez D, et al. Horizontal excision of in situ epidermal tumors using a flexible blade. Dermatol Surg 2011; 37(2):234-6

6. Khalid K, Tarar MN, Mahmood F, Malik FS, Mohrose MY, Ata-ul-Haq. Scalp as a donor site for split thickness skin grafts. J Ayub Med Coll Abbottabad 2008: 20(1); 66-9

7. Finucan T, Budo J, Clarke JA. Partial thickness scalp grafts: clinical experience of their use in resurfacing facial defects. Br J Plast Surg 1984; 37(4):468-71

8. MacLennan SE, Kitzmiller WJ, Mertens D, Warden GD, Neale HW. Scalp autografts and hair transfer to the face in the burned child. Plast Reconstr Surg 1998; 102(6):1865-8

9. Zingaro EA, Capozzi A, Pennisi VR. The scalp as a donor site in burns. Arch Surg 1988; 123(5):652-3

10. Liebau J, Arens A, Kasten, Schwipper V. The scalp as a favorable donor site for limited-sized split-thickness skin grafts in comparison to the thigh donor site. Eur J Plast Surg 2004; 27(5):238-40.

 

Trabalho realizado na faculdade de medicina de Jundiaí - Jundiaí (SP), Brasil.


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