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Artigo de revisão

Enxerto de Gordura Prévio e Transplante pela Técnica FUE em Cicatrizes do Couro Cabeludo: Atualização

Estele Yumi Odo Toledo de Barros1; Letícia Megumi Odo1,2; Marina Emiko Yagima Odo1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140034

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Agradecimentos: Aos funcionários das Clínicas Odo
Como citar este artigo: Barros EYOT, Odo LM, Odo MEY. Enxerto de Gordura Prévio e Transplante pela Técnica FUE em Cicatrizes do Couro Cabeludo: Atualização. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220034.


Abstract

Foi realizada uma revisão de literatura narrativa, sobre a associação de enxerto de gordura e transplante de cabelos com a técnica FUE (Follicular Unit Extraction) em cicatrizes do couro cabeludo. Os dados foram coletados a partir de estudos encontrados nas bases Medline, Lilacs e IBECS. Foram citados registros bibliográficos de vários autores que pesquisaram as células mesenquimais do tecido gorduroso, com descrição das técnicas utilizadas. A conclusão foi de que a técnica de transplante capilar em duas etapas, com transplante prévio de gordura é eficaz, segundo os artigos revisados.


Keywords: Células-tronco; Células-tronco mesenquimais; Folículo piloso; Tecido adiposo; Transplante autólogo


INTRODUÇÃO

“The fascinating History of fat Grafting”, de Mazzola e Mazzola1, relatam a origem dos enxertos de gordura, que começaram em 1893, quando o médico Neuber transplantou tecido adiposo de um braço para a órbita, a fim de corrigir uma cicatriz deprimida e aderente, sequela de osteomielite. Logo depois, outro cirurgião retirou um lipoma e preencheu o espaço vazio após remover nódulos de mastite fibrocística. Ainda no século 19, começou a ser feito o preenchimento com parafina, que foi descoberto por um químico alemão. O preenchimento era misturado com vaselina ou óleo de oliva. As consequências desastrosas logo apareceram: formavam-se grandes edemas, difíceis de remover, e o parafinoma se infiltrava até resultar em embolia pulmonar e outras infecções. Em 1926, outro cirurgião, Hollander, viu que a gordura enxertada resultava em alto índice de reabsorção. Assim, misturava a gordura do paciente com gordura de carneiro; aquecia até ficar um ponto fluido e injetava com seringa. No início, durante 2 ou 3 dias o paciente apresentava uma dor intensa. Em Chicago, Miller, usava guta percha, borracha moída e recomendava o uso de gordura para lábios e nariz em sela.

A história do transplante capilar se iniciou em 1822, quando Dieffenbach2 descreveu o transplante em pássaros. Sómente em 1959 Norman Orentreich3, considerado o “pai do transplante de cabelos”, iniciou a técnica em humanos, com punchs de 4mm. Em 1998, é descrita por Barrera4 a tentativa de enxerto de gordura em cicatrizes após queimaduras. Seguiram-se o tratamento da esclerodermia, cicatrizes pós-traumáticas e as pós-cirúrgicas. Barrera interpreta que os micro e mini-enxertos de cabelo, precisam de menores necessidades metabólicas, e que as células-tronco mesenquimais derivadas do tecido adiposo são comparáveis às células da medula óssea.

O objetivo desta revisão é estudar os conhecimentos atuais sobre o enxerto de gordura nas cicatrizes do couro cabeludo e descrever o transplante de cabelo utilizando a técnica FUE (Follicular Unit Extraction), desde que o enxerto de gordura realizado antes do transplante capilar pode proporcionar melhor sobrevida aos enxertos. Os participantes do WCHR (World Congress for Hair Research) já preveem o grande progresso desta técnica, que se encontra no campo de células-tronco e clonagem de cabelo, partindo-se do princípio que o transplante de capilar oferece resultados previsíveis e de longa duração. Alguns autores, como Epstein5, utilizam esse enxerto até mesmo em couro cabeludo sem sinais de cicatrizes, como no caso da alopecia androgenética precoce.

Foram consultados trabalhos existentes sobre enxerto de gordura na Medline, com 8294 trabalhos publicados; na Lilacs, com 42; e no IBECS, com 40. Sobre transplante de cabelo, foram consultadas 1202 publicações na Medline, 24 na Lilacs e 19 na IBECS.

 

CÉLULAS-TRONCO

As células-tronco que Kinnaird e col localizaram entre as células adiposas foram equiparadas às da medula óssea6. Em 2019, Obara7 descreveu células pluripotentes com potencial de diferenciação para multilinhagens no folículo piloso.

Em 2004, Kinnaird et al demonstraram que a medula óssea tem células do estroma que liberam citocinas tais como VEGF (Fator de crescimento endotelial vascular) e bFGF (Fator de crescimento fibroblástico básico), as quais estimulam novos vasos ou remodelam os existentes. As células mesenquimais normais de humanos foram cultivadas sob condições normais de O2 e hipóxia por 72 horas. A ampla gama genética foi confirmada usando-se os ensaios Elisa e Imunoblot. As células MSC-CM (Mesenquimal Stem Cells-Conditioned Media) agora são chamadas de ADSC-CM (Adipose Derived Stem Cells-Conditioned Media), promovendo, ”in vitro”, a proliferação e a migração de células endoteliais. Os anticorpos anti-VEGF e anti-FGF atenuam esses efeitos.

Pesce e Scholer8 descreveram em 2001 a origem das células-tronco Oct4 e Nanog (fatores de transcrição), que estão no interior das células do bulge, além de estarem presentes nas células-tronco embrionárias. O bulge produz citocinas que são fatores de crescimento necessários à atividade das células-tronco, tais como FGF, PDGF (Fator de crescimento derivado de plaquetas), BMP (Proteína Morfogênica Óssea) e VEGF. Todos necessitam de uma citocina originária da crista neural descrita por Tanimura9. Também estão presentes na região sub bulge as células-tronco epidérmicas para completar a diferenciação em folículo piloso.

Autores como Fukuoka et al10,11 e Shin12 fizeram uso da solução proteica de ADSC no couro cabeludo. Fukuoka a aplicou com a técnica de mesoterapia (napage), observando resultado satisfatório em 12 mulheres e 13 homens. Todos tiveram aumento do número de fios e de espessura. Após 4 meses de tratamento, as células ADSC secretaram citocinas, -fator de crescimento dos queratinócitos, fator de crescimento vascular endotelial, fator de crescimento derivado das plaquetas e fator de crescimento dos hepatócitos-.

Hoje se sabe que o tecido adiposo normal, que pode ser obtido por lipossucção, tem características similares às células tronco da medula óssea. O ADSC tem efeitos parácrinos com secreção, além de VEGF, HGF, bFGF, PDGF, KGF, TGF-beta1 (Transforming Grow Factor), insulin like IgF-Bp, precursores de fibronectina e superóxido dismutase. Essas proteínas têm efeito rejuvenescedor com estímulo da síntese do colágeno e da migração dos fibroblastos durante a cicatrização. Notou-se que quando se submetem as células-tronco ao regime de hipóxia, induz-se o aumento de concentração de VEGF-A, PDGF e TGF-beta1 devido à injúria.

O AAPE (adipose derived stem cell protein extract), é um produto pronto para uso da Korean Research Team, at Prostemics Co, Ltd (Seoul Korea), com numerosos fatores de crescimento. Para tratamento do cabelo, foram adicionados vitB, buflomedil, Vit H, C, E , CoQ10 e cisteína. Injetaram-se no couro cabeludo 0,02 a 0,05ml, no total de 3 a 4 ml por tratamento, efetuado em 4 sessões com duração de 3 a 5 semanas, até a regeneração do cabelo.

Zhu13 descreveu que a suplementação com tecido gorduroso faz diferença nos transplantes capilares, devido à presença de Células-Tronco Embrionária Mesenquimais no tecido adiposo, e constatou melhora não só na retenção do tecido gorduroso como na densidade capilar com angiogênese.

Na revisão de literatura por Amirkhani em 201614, existem muitos relatos de que em humanos há tecido de gordura similar à função das células mesenquimais da medula óssea, observando que as células do cordão umbilical derivam de células-tronco mesenquimais embrionárias, e têm funções similares às células mesenquimais derivadas do tecido gorduroso.

Epstein15, em trabalho de 2018, fala sobre as células do estroma mesenquimal, que são indiferenciadas, e depois se diferenciam em especializadas. As células do estroma mesenquimal são encontradas na medula óssea, e também em outros tecidos, tais como cordão umbilical, placenta, tecido adiposo, polpa dentária e fígado. As ADSC são facilmente isoláveis e secretam várias citocinas, que são os fatores de crescimento com efeitos parácrinos, tais como o VEGF, HGF , IGF , PDGF . Esses fatores têm função na neovascularização. A autora defende ainda que o enxerto de gordura pré-transplante de cabelo tem auxiliado na pega dos enxertos. Afirma também que o efeito antiandrógeno da gordura vem da enzima Aldo-ceto redutase (AKR1C2), que converte o DHT em 3-Alfa Diol através da 3-alfa redutase, sem efeito sistêmico quando injetada na área de alopecia.

 

TÉCNICA DO ENXERTO DE GORDURA

O papel do enxerto de gordura para melhorar o contorno facial iniciou-se com Coleman16.

O modo como se obtém o tecido gorduroso com menos trauma das células adiposas, bem como o processamento, é muito importante, conforme descrito por Coleman, Zhu, Benemond e Gentile17,18.

O protocolo da lipoenxertia autóloga compreende algumas fases.

- Assepsia da região doadora que pode ser o abdômen, coxa interna, joelho, quadris, flancos e/ou glúteos

- Infiltração de anestesia tumescente com solução contendo SF, Lidocaína 2% sem vasoconstritor, bicarbonato de sódio 8,4% e epinefrina 1:1000. A maioria dos pesquisadores cita que não há influência dessas substâncias na sobrevida das células gordurosas, e que seu uso reduz as complicações da lipossucção.

- Segue-se a coleta manual com seringas de 10ml, fato que preserva a integridade dos adipócitos, assim como o uso de cânulas rombas de 3 a 4 mm de diâmetro. Pode-se até usar cânula de 1 mm, mas as cânulas mais grossas fazem menos pressão negativa, mantem íntegros os adipócitos e asseguram viabilidade satisfatória. A maioria dos autores estão de acordo em vque a manipulação da gordura, deve ser a mínima possível.

- A extração do óleo e sangue do lipoaspirado pode ser feita por meio de várias técnicas: decantação da gordura e lavagem 2 a 3 vezes com SF seguindo-se centrifugação por 30 a 60 segundos com o emprego de velocidades diferentes, filtragem através de malhas ou o sistema fechado Puregraft 50® (Bimini Health Tech- TX, USA-ANVISA 8058839), onde se injeta a gordura aspirada em um saco estéril.

- Após infiltração com solução anestésica em anel na área a ser reconstruída, segue-se a injeção da gordura com seringas de 3mL e cânulas rombas de 1 a 2 mm e 1 orifício na ponta.

Klinger19 implantou 1cm3 desse tecido com reservas de células-tronco mesenquimais de gordura aspirada em um superfície de 3 cm2 demonstrando que isto aumenta a pega do enxerto de gordura, bem como a densidade capilar e a angiogênese. A regeneração tecidual foi descrita por Tesauro20, que mostrou a importância da transferência de gordura em 21 casos de alopecia. Comprovou que o melhor resultado do transplante capilar ocorreu na região da alopecia cicatricial, após a enxertia de gordura com regeneração tecidual. Sugere-se fazer o transplante dos folículos pela técnica FUE, 3 meses após a lipoenxertia.

Reabsorção da gordura enxertada

Na contramão de Tesauro, Doornaert21 contesta a sobrevivência da gordura, declarando que a sua reabsorção é calculada entre 20 e 90%, ocorrendo substituição do tecido adiposo por fibrose e cistos.

A teoria da substituição do enxerto tem ganhado importância em inúmeros estudos. Eto22 em 2012, colheu gordura inguinal de rato e a transplantou para o couro cabeludo. Observaram-se as zonas da periferia e do centro do enxerto: a área que sobreviveu seria a de regeneração e nesse processo, adipócitos morrem e células do estroma mesenquimal sobrevivem. São produzidos pré-adipócitos, 20 vezes menores do que os adipócitos adultos e com maior tolerância a isquemias. Concluiu-se que muito poucos adipócitos sobrevivem à enxertia, porem são substituídos por “adipose derived estromal cells”. Essa hipótese foi corroborada por Fu et al23, que encontrou evidências convincentes de que a fração vascular doadora participa na adipogênese e na angiogênese.

Outros acreditam que a substituição do material enxertado seria feita por células hospedeiras mesenquimais.

Enxerto de gordura em processos cicatriciais pós traumáticos

É conhecido por Barrera o fato de que, em cicatrizes após queimaduras de 3º grau no couro cabeludo, quando se realizam inúmeros procedimentos para melhorar o aspecto estético e fisiológico, cada procedimento cirúrgico provoca mais cicatrizes. Para os folículos pilosos que necessitam de anastomoses microvasculares, haveria diminuição do fluxo sanguíneo e consequente diminuição dos nutrientes. Concluiu-se porem, que devido ao seu tamanho, os micro e minienxertos , não tem muitas necessidades metabólicas.

Jung24 estudou, em 2013, 25 casos de alopecia após queimaduras, traumas e cirurgias. A área doadora foi a região occipital. Os locais receptores foram: couro cabeludo, supercílios, lábios e pálpebras. Os resultados mostraram-se excelentes em 44,4%; bons em 38,9%; regulares em 11,1% e ruins em 5,6%. O transplante em tecido cicatricial é mais difícil devido à circulação sanguínea comprometida e à rigidez tecidual. Jung também notou que se existem cicatrizes cirúrgicas profundas, os resultados revelam-se insatisfatórios. Moreno Arias25 fez 4 sessões de 6500 microtransplantes em placa inelástica.

Enxerto de gordura em couro cabeludo calvo e atrófico

Hori26, há 50 anos (em 1972) observou que nos casos de pós-morte com menos de 24 horas, de homens por acidentes, à medida que a idade aumentava havia diminuição de todas as camadas do couro cabeludo com exceção da gálea aponeurótica (padrão masculino de alopecia). Já na mulher de 70 anos, a derme e a hipoderme eram mais abundantes do que nos homens (que têm entre 24 e 44% a menos). A dúvida gerada, foi se a camada adiposa teria algum significado para a saúde dos folículos capilares.

Enxerto de gordura em cicatriz e esclerodermia

A técnica de camuflagem27 que foi utilizada na cicatriz de cirurgia de lábio leporino foi cosmética e esteticamente aceitável. Três meses após o enxerto de gordura, aplicou-se o transplante de pelos pela técnica FUE, continuando-se o acompanhamento durante 12 meses. Entre 2008 e 2016, Riyat28 fez 746 estudos em 1158 pacientes usando enxerto de gordura, tendo havido melhora da cicatriz (cor, espessura e volume), da dor, além da restauração das funções em áreas afetadas após o tratamento. Houve melhora da dor em 567 pacientes entre 966 pessoas.

Roh29 descreveu 20 pacientes com esclerodermia: com 2 sessões de enxertos e 12 meses de seguimento controlado, obteve 51% a 75% de melhora. Em 2013, Zhu30 observou que técnicas diferentes de preparo da gordura faziam diferença: separação por gravidade, centrifugação, ou lavagem e filtragem simultâneas em sistema fechado. Ele optou por este último procedimento devido à reprodutibilidade. O enxerto com a eliminação do óleo sobrenadante, dos debris e principalmente dos glóbulos vermelhos supera os outros métodos.

Cho31 mostrou que a gordura autóloga melhora a esclerodermia localizada, com falha no couro cabeludo em golpe de sabre, inclusive havendo repilação.

Farjo32 analisa quais pacientes têm áreas doadoras boas ou não, principalmente para implantes em supercilios, cílios, barba e couro cabeludo. A maior parte depende do estado da área doadora, como boa nutrição e vascularização. Quanto à área receptora de pelos, atrofia e cicatrizes pós-queimaduras são indicações para lipoenxertia prévia. O preparatório é realizado 3 meses antes do transplante de cabelo. Farjo cita também outros recursos não cirúrgicos, como tintas para couro cabeludo, spray colorido, microfibras de queratina, make-up para supercílios e cílios, micropigmentação por tatuagem, perucas parciais ou completas, próteses adesivas com cabelos, falsos cílios, supercílios e perucas combinadas com prótese de orelha (indicadas quando há perda de cabelo atrás da orelha). Acrescenta que múltiplos transplantes de folículos pilosos por técnicas FUE ou FUT demandam vários anos até que se notem resultados satisfatórios.

Transplante em 2 etapas

Moreno e Akidag conseguiram fazer transplantes de cabelos com FUE, acompanhando-os por 12 meses. Os procedimentos foram realizados em 2 etapas: 1- enxerto de gordura; 2- após 3 meses, transplante capilar. Epstein33 defende 2 estágios de procedimento para corrigir o couro cabeludo: o enxerto de gordura, para melhorar cicatrizes, atrofias, hipertrofias e depois, o transplante capilar. Matsumura34 observou que o processo de envelhecimento do cabelo é devido à eliminação de células tronco, via proteólise.

Lee conseguiu, em 202035, fazer uma cultura de organoide a partir de uma célula-tronco TGFbeta e FGF. Obteve um cisto organoide com epiderme estratificada, derme rica em gordura e folículos pilosos e pigmentados com glândula sebácea completa e neoformação de 1 folículo.

TÉCNICA DE FUE (FOLLICULAR UNIT EXTRACTION) DESCRITA POR SHARMA36

O paciente terá sua cabeça raspada pelo próprio cirurgião imediatamente antes da cirurgia. Apenas o cabelo da área doadora deverá ser deixado ao redor de 1mm para visualização e orientação da direção do fio. Este autor menciona o piloscópio (endoscópio) para prever quantas UFs existem em cada orifício, e recomenda o plasma rico em plaquetas (PRP) 1 a 2 meses após o transplante para evitar eflúvio anágeno.

O autor de Hair Transplant and Local Anesthetics, Lam37 cita que muitos cirurgiões não querem entrar nesse campo porque é taxativamente tedioso, o que representa um erro de percepção. Quando se domina a técnica, esta cirurgia é muito gratificante, tanto para o cirurgião quanto para o paciente. Mas é um processo que leva muito tempo. A descrição de bloqueio em anel é para demarcar a área a ser anestesiada, nas regiões occipital e frontal. Não se deve utilizar soluções tamponadas para evitar edema palpebral. Não é aconselhável atingir a gálea a fim de evitar lesões nos nervos e vasos que correm junto à mesma.

Na primeira consulta, os pacientes são avaliados em relação à extensão do procedimento, ao tipo de alopecia e à área doadora. Exames laboratoriais são solicitados para descartar alterações hormonais, doenças autoimunes, sorologia para Hepatite B, C e HIV. Solicitam-se ainda exames cardíacos como ECG, Ecocardiograma e RX de tórax, além de fotografia e consentimento informado para FUT e FUE. Eventualmente, pode ser necessário passar de FUE para FUT.

Medicação prévia

O protocolo inclui antibióticos (cefalosporina, azitromicina etc.), esteroide (metilprednisolona 8 mg) e um antiemético por via oral 30 minutos antes da cirurgia. A área receptora é cuidadosamente marcada levando em consideração a região comprometida, as áreas suscetíveis e as expectativas do paciente. A anestesia tópica ajuda a reduzir a dor da injeção das injeções, mas deve ser aplicada cerca de duas horas antes da cirurgia, com curativo oclusivo para uma ação adequada.

Na técnica FUE, raspa-se todo o cabelo, deixando 1 mm de comprimento para possibilitar a visualização da orientação dos fios. Após a raspagem, lava-se o couro cabeludo com clorexidina degermante. Depois da monitorização dos controles vitais e do posicionamento do paciente, é realizada a assepsia com clorexidina alcoólica; em seguida, é feita a colocação de campos estéreis.

A veia é puncionada e são administrados os medicamentos anestésicos venosos. A dosagem de medicações psicotrópicas varia de acordo com peso, sexo e tempo: Fentanil 1 a 3 mcg/kg, Midazolam 0,1 a 0,5mg/kg, Propofol 20 a 50mg/min em bomba de infusão contínua. As doses são distribuídas durante todo o procedimento para manter o paciente tranquilo, responsivo e sem perder o controle e os reflexos da via aérea.

Coleta dos enxertos – Área doadora

O transplante capilar se inicia com o paciente em decúbito ventral. Após a sedação, é realizada a infiltração tumescente no interior da marcação das áreas doadoras (occipital e temporal), com uma solução que contém 250ml de SF 0,9%, 1,25ml de epinefrina 1:1000 e 12,5ml de lidocaína 2% sem vasoconstritor. Em seguida, é feita a anestesia em anel. Para mitigar a dor da picada, pode ser aplicada a anestesia por vibração (Blaine Labs, Santa Fé Springs CA). A solução contém 10ml de lidocaína 1% com epinefrina 1:100.000, sendo infiltrada no plano subcutâneo ao longo da borda inferior da área doadora. Adicionam-se 10ml de lidocaína 1% com epinefrina 1:100.000, infiltrados para completar a parte anterior do anel. A anestesia é infiltrada lentamente, o que minimiza a dor. Quando a anestesia em anel já foi administrada, é necessário injetar rapidamente no plano subcutâneo da área doadora, 100 a 250ml de solução com 250ml de SF a 0,9% e 1,25ml de epinefrina 1:1000, até o tecido ficar rígido e esbranquiçado e alcançar uma boa tumescência, minimizando assim a transecção das estruturas neurovasculares que ficam abaixo dos folículos.

Nesse momento, o médico começa a coleta dos enxertos. A área doadora segura está situada ao redor da protuberância occipital na linha média occipital e se arqueia para cima até aproximadamente 2 dedos acima da hélice da orelha. A maneira de remover os enxertos pode ser manual, motorizada ou com braço robotizado.

Os punchs utilizados atualmente têm entre 0,8 e 1,15mm de diâmetro. O mais empregado é de 0,9mm.

No método manual, o cirurgião faz o corte com punch de 0,9mm ao redor do folículo piloso até a profundidade de 2,5 a 3mm. Em profundidades maiores, existe o risco de transecção. Os punchs rombos e híbridos, por seu maior efeito de dissecção e menor corte, podem ser introduzidos em maior profundidade - maior que 4mm - com menor risco de transecção (Figura 1).

Nos métodos a motor, o punch é fixado ao motor e faz o corte com a extremidade afiada, que gira até 20.000rpm. Pode-se começar com velocidade de até 10.000 rpm, e quando se atingir 2,5 a 3mm de profundidade, cessa-se o procedimento e puxa-se o folículo. Existem os seguintes aparelhos: o SAFE de Harris (HSCDevelopment, Colorado,EEUU), o Vortex de Cole (Cole Instruments, Georgia, EEUU), o Ertip FUE Micromotor Silver with Nsk (autoclavable Handle) e o Artas (Restoration Robotics) só para FUE. Para evitar demora, uma pessoa puxa o enxerto e o coloca na solução fisiológica gelada. É recomendável colocar um saco de gelo ou gelo reciclável embaixo da cuba. Coloca-se uma compressa para absorver o anestésico dos orifícios e vira-se o paciente.

O braço robótico do ARTAS emprega um punch de ponta romba que desliza dentro de um punch afiado. Sendo braço manual ou motorizado, recomenda-se colocar o pêlo no centro do punch afiado para colher. Vai-se até a profundidade de 2,5 a 3mm; em seguida, parte-se para outro ponto, e assim por diante. Cabe ressaltar que o instrumento é tão importante quanto a habilidade do cirurgião.

Após algumas colheitas de enxertos, deve-se fazer o teste FOX.

1. Todas as unidades foliculares estão intactas: excelente, Fox positivo.

2. Significativa perda de gordura em volta da parte inferior do folículo ou 20% de amputação: Fox bom.

3. Ângulo emergente difícil: Fox neutro.

4. Quantidade significativa de avulsão e amputação de gordura circundante: Fox negativo.

5. Danos significativos, principalmente em todos os enxertos com a porção superior dos folículos avulsionada do segmento inferior: Fox negativo.

Pode ser necessário passar da técnica FUE para a FUT (Follicular Unit Transplantation), mas uma não é superior à outra, pois ambas têm seus próprios méritos e deméritos. Cabe ao cirurgião decidir se continua com o FUE ou se passa para o FUT. A diferença é a cicatriz linear do FUT em comparação com o FUE. Vários cirurgiões preferem o fechamento tricofítico do FUT. No teste de FOX, os resultados 1 e 2 são o ideal para o FUE. A proporção de transecção é alta se for 3, 4 e 5. Muitas vezes é preciso passar para a técnica FUT.

Colocação dos enxertos – Área receptora

Uma vez colhidos os enxertos, segue-se a infiltração tumescente da área receptora, na região frontal, com 30 ml de lidocaína 2%, misturada a 5 ml de bupivacaína 0,5%, 30 ml de solução salina normal, 0,5 ml de adrenalina (1: 1000) e 1ml de triancinolona 40mg/ml em adulto normal.

Para as incisões na área receptora, utiliza-se lâmina 11 ou lâmina de safira com ponta cortante (ferramenta oftalmológica). Ao se utilizar agulhas para abrir o orifício do implante, calcula-se 20G para 1 fio, 19G para 2 fios e 18G para 3 fios. (Figura 2). Cada unidade folicular é delicadamente implantada em cada fenda.

Para introduzir o enxerto, isto é, colocar o folículo no orifício, usa-se uma pinça de joalheiro com ponta fina e delicada, podendo-se colocá-lo manualmente. Este processo necessita de 2 etapas: uma em que se abre e outra em que se implanta. Pode-se alternativamente usar o DHI (implanter de diversas marcas, como Choi implanter Pen e Lion implanter Pen). Acopla-se o folículo no aparelho e faz-se o orifício já deixando o folículo dentro. Essa técnica traumatiza menos o folículo. (Figura 3). Para alcançar uma densidade satisfatória, o ideal é usar 40 UFs (unidades foliculares) por cm2.

Evolução

O procedimento é bem tolerado pela maioria dos pacientes. A dor é controlada com analgésicos habituais. Edema facial e periorbital ocorre no 3º ou 4º dia após a cirurgia, e é esteticamente inaceitável para o paciente. Compressas geladas, postura para dormir, corticoides intra e pós operatório ajudam. As crostas podem ser removidas com shampoo com mínima pressão a partir do 2º ou 3º dia. Os enxertos podem ser lavados com shampoos antissépticos, pois pode surgir foliculite após algumas semanas, o que é previsível. A prescrição de antibióticos em foliculite é feita com pouca frequência. Resolve-se o pós-operatório espontaneamente sem agredir os enxertos. A área doadora cicatriza, mas deixa pontos hipopigmentados.

As complicações incluem: necrose na área doadora, clareamento do cabelo devido à água oxigenada, distúrbios sensoriais temporários da área doadora. Pode haver o eflúvio anágeno entre um e três meses após o implante.

Em um período que varia entre 6 e 12 meses, o cabelo começa a crescer.

Jimenez-Acosta38 recomenda os cursos do ISHRS (International Society of Hair Restoration Surgery) e define o cálculo para transplante: o ideal é ter 40 UFs/cm2 na área receptora, mas não se pode retirar 40 UFs onde há 60 UFs /cm2 ou menos na área doadora. O melhor é a extração homogênea de cerca de 15-20 UFs/cm2 . Não se deve esqueletonizar as UFs para haver uma pega boa. FUE é uma técnica lenta: para implantar 1000 UFs gastam-se aproximadamente 3 horas.

Conclusão

A técnica de transplante capilar em duas etapas, com transplante prévio de gordura é eficaz para áreas pilosas cicatriciais, segundo os artigos revisados.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Estele Yumi Odo Toledo de Barros 0000-0002-9339-2407
Obtenção, análise e interpretação dos dados.

Letícia Megumi Odo 0000-0002-5754-8857
Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Marina Emiko Yagima Odo 0000-0003-1982-8388
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

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