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Relato de caso

Linfoma cutâneo difuso de grandes células B, tipo perna: sobre um caso típico

Flávia Regina Ferreira1,2; Mariana Oliveira Fernandes1; Marina Thereza Fogo Pereira1; Fernanda da Rocha Gonçalves3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140065

Data de submissão: 24/06/2021
Decisão Final: 30/09/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Ferreira FR, Fernandes MO, Pereira MTF, Gonçalves FR. Linfoma cutâneo difuso de grandes células B, tipo perna: sobre um caso típico. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220065


Abstract

O linfoma cutâneo difuso de grandes células B, tipo perna, compreende uma neoplasia rara, agressiva e de mau prognóstico. Corresponde a 10-20% dos linfomas cutâneos de células B e afeta principalmente membros inferiores de mulheres idosas. Relatamos o caso de mulher de 81 anos, com nódulos e tumorações dolorosos, de crescimento rápido na perna esquerda. Os achados histopatológicos e a imuno-histoquímica, associados à ausência de comprometimento extracutâneo no estadiamento, concluíram o diagnóstico de linfoma cutâneo difuso de grandes células B, tipo perna. A raridade, a clínica e a epidemiologia típicas e a excelente resposta ao tratamento motivaram este relato.


Keywords: Imuno-histoquímica; Linfoma difuso de grandes células B; Linfoma não Hodgkin; Neoplasias; Terapêutica


INTRODUÇÃO

Linfomas cutâneos primários são definidos como um grupo heterogêneo de neoplasias malignas linfoproliferativas que acometem a pele, sem evidência de envolvimento extracutâneo no momento do diagnóstico.1

Os linfomas cutâneos de células B (LCCBs) representam de 20 a 25% de todos os linfomas cutâneos primários e são mais comuns no sexo feminino.1,2

Segundo critérios clínicos, histopatológicos, imuno-histoquímicos e moleculares, os LCCBs encontram-se classificados pela World Health Organization-European Organization for Research and Treatment of Cancer (WHO-EORTC) - 2018, em: centrofolicular e difuso de grandes células B, tipo perna; sendo que este último representa apenas 4% de todos os linfomas cutâneos.1

A raridade deste tipo de linfoma, a clínica e a epidemiologia típicas e a excelente resposta obtida ao tratamento motivaram este relato.

 

RELATO DO CASO

Paciente feminina, caucasiana, 81 anos, procurou Ambulatório de Dermatologia queixando-se de “caroços” na perna esquerda, de crescimento rápido, com evolução de um mês. Ao exame dermatológico, observavam-se nódulos e tumorações vegetantes, com superfície eritêmato-amarelada fibrinóide e também presença de crostas enegrecidas (Figura 1). Constatou-se ausência de linfonodomegalias ou visceromegalias. As lesões eram dolorosas, e a paciente negava qualquer sintomatologia sistêmica. Referia trauma prévio como fator desencadeante. Possuía insuficiência venosa periférica e diabetes mellitus tipo II como comorbidades. As hipóteses aventadas foram: carcinoma espinocelular, melanoma amelanótico, metástases cutâneas e linfoma cutâneo. Foram realizadas biópsias incisionais em dois pontos, cujo estudo histopatológico evidenciou: epiderme ulcerada e com áreas de necrose e, na derme superficial e profunda, presença de denso infiltrado linfocitário difuso constituído por células grandes, por vezes com núcleos de contornos irregulares e abundantes figuras de mitose (Figura 2). O painel imuno-histoquímico mostrou positividade para Bcl-2, CD20 e MUM1 (Figura 3) e foi negativo para CD3, CD10 e ciclina D1 (Figura 4), concluindo-se por um linfoma não Hodgkin de células B. O Bcl-6 não foi realizado. O índice proliferativo pelo Ki-67 foi de 90%, e o C-MYC mostrou-se positivo em cerca de 30% das células (Figura 5).

A paciente foi encaminhada à Rede Hebe Camargo de Combate ao Câncer, onde foi estadiada e o diagnóstico final foi de linfoma cutâneo difuso de grandes células B do tipo perna, T2bN0M0 (Tabela 1). Foi instituída a terapêutica com esquema R-CHOP (rituximabe, ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona) e programada intervenção cirúrgica, que não foi realizada frente à excelente evolução da paciente (Figura 6). Atualmente, apresenta apenas áreas discrômicas cicatriciais, encontrando-se em acompanhamento conjunto com a Dermatologia e a Oncologia.

 

DISCUSSÃO

O linfoma cutâneo difuso de grandes células B, tipo perna, compreende uma neoplasia rara, agressiva e de mau prognóstico.1,3

Corresponde a 10-20% dos LCCBs e apresenta uma expectativa de sobrevida de 50% em 5 anos.1,3,4 Afeta principalmente mulheres em idade avançada (70-82 anos).1,3,5 Clinicamente, manifesta-se como lesões nodulares, infiltrativas, únicas ou múltiplas, que podem estar localizadas em diversos sítios (membros inferiores é o mais comum) e de rápida progressão, em concordância com o observado neste caso. Sinais flogísticos e prurido podem estar presentes.1,3

O desenvolvimento de lesões extracutâneas é comum, principalmente entre os pacientes que têm acometimento em membros inferiores, sendo os locais mais acometidos medula óssea, linfonodos e sistema nervoso central.1,5,6

O diagnóstico se faz pelos achados clínicos, histopatológicos e de imuno-histoquímica.1,2

Na histopatologia, caracteriza-se por um infiltrado denso de grandes células na derme e no tecido subcutâneo, separado da epiderme por uma estreita faixa de colágeno denominada zona grenz (não observada no presente caso).2,5 Muitas vezes, esse infiltrado tende a ser mais intenso na derme profunda, chamado padrão bottom-heavy.2

A positividade dos marcadores Bcl-2, Bcl-6, MUM1 e FOXP1 é característica desse tipo de linfoma.1,5 A positividade do C-MYC parece estar relacionada a pior prognóstico.7,8

Outros indicadores de mau prognóstico incluem: a localização em membros inferiores, múltiplas lesões e idade superior a 75 anos.6

O tratamento dos tipos mais agressivos de LCCB, principalmente do tipo perna, inclui quimioterapia com esquema CHOP (ciclofosfamida, doxorrubicina, vincristina e prednisona). A associação do rituximabe (R-CHOP) pode levar a melhores resultados, conforme observado nesta paciente, e a aumento da sobrevida.1,2,9 A excisão cirúrgica e a radioterapia encontram-se entre as terapias de primeira linha para lesões solitárias. Entretanto, devido às altas taxas de recidiva, mais recentemente, a literatura recomenda que mesmo lesões solitárias e localizadas sejam tratadas com o esquema R-CHOP como primeira linha seguindo-se a radioterapia com margem de segurança e/ou a cirurgia como terapias adjuvantes.9

Considerando o crescimento rápido, o alto índice proliferativo e o prognóstico reservado do linfoma cutâneo difuso de grandes células B, tipo perna, ressaltamos a importância do conhecimento das suas múltiplas manifestações clínicas, em especial de sua forma clássica no membro inferior, que permite o diagnóstico precoce, o tratamento adequado e impacta positivamente a sobrevida destes pacientes.

 

AUTHORS' CONTRIBUTION:

Flávia Regina Ferreira 0000 0001 5679 4282
Approval of the final version of the manuscript; preparation and writing of the manuscript; active participation in research orientation; intellectual participation in propaedeutic and/or therapeutic conduct of studied cases; critical literature review; critical revision of the manuscript.

Mariana Oliveira Fernandes 0000 0002 3134 7096
Approval of the final version of the manuscript; preparation and writing of the manuscript; critical literature review; critical revision of the manuscript.

Marina Thereza Fogo Pereira 0000 0002 3185 4653
Approval of the final version of the manuscript; intellectual participation in propaedeutic and/or therapeutic conduct of studied cases.

Fernanda da Rocha Gonçalves 0000 0003 2933 2845
Intellectual participation in propaedeutic and/or therapeutic conduct of studied cases.

 

REFERÊNCIAS:

1. Sousa NA, Buffara MO, Maia RL, Pessoa AS, Cassia FF, Brotas AM. Linfoma cutâneo primário de grandes células B. Revista SPDV. 2020;78(1):61-5.

2. Verde ASSL, Marques MVL, Jardim ACM, Damasceno JA, Soares IC. Linfoma cutâneo difuso de grandes células B, tipo perna: relato de caso. J Bras Patol Med Lab. 2021;57:1-5.

3. Rivitti EA. Dermatologia de Sampaio e Rivitti. São Paulo: Artes Médicas; 2018. p. 1282-83.

4. Senff NJ, Hoefnagel JJ, Jansen PM, Vermeer MH, van Baarlen J, Blokx WA, et al. Reclassification of 300 primary cutaneous B-Cell lymphomas according to the new WHO-EORTC classification for cutaneous lymphomas: comparison with previous classifications and identification of prognostic markers. J Clin Oncol. 2007;25(12):1581-7.

5. Hristov AC. Primary cutaneous diffuse large B-cell lymphoma, leg type: diagnostic considerations. Arch Pathol Lab Med. 2012;136(8):876-81.

6. Goyal A, LeBlanc RE, Carter JB. Cutaneous B-Cell Lymphoma. Hematol Oncol Clin North Am. 2019;33(1):149-61.

7. Valera A, López-Guillermo A, Cardesa-Salzmann T, Climent F, González-Barca E, Mercadal S, et al. MYC protein expression and genetic alterations have prognostic impact in patients with diffuse large B-cell lymphoma treated with immunochemotherapy. Haematologica. 2013;98(10):1554-62.

8. Zhou K, Xu D, Cao Y, Wang J, Yang Y, Huang M. C-MYC aberrations as prognostic factors in diffuse large B-cell lymphoma: a meta-analysis of epidemiological studies. PloS one. 2014;9(4):e95020.

9. Lang CCV, Ramelyte E, Dummer R. Innovative therapeutic approaches in primary cutaneous B-Cell lymphoma. Front Oncol. 2020;10:1163.


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