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Abordagem cirúrgica de retroníquia refratária a tratamentos clínicos

Iago Gonçalves Ferreira1,2; Livia Giacomet2; Ana Cristina Dornelles1; Renan Minotto1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140064

Data de submissão: 24/06/2021
Decisão Final: 18/08/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Ferreira IG, Giacomet L, Dornelles AC, Minotto R. Abordagem cirúrgica de retroníquia refratária a tratamentos clínicos. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220064


Abstract

Retroníquia é uma onicopatia inflamatória caracterizada pelo crescimento desordenado e empilhamento de lâminas ungueais, associados ao desequilíbrio na produção matricial de placas, que costumam se sobrepor. Este quadro pode estar associado a trauma, evoluindo com reação inflamatória junto à dobra ungueal proximal e formação de tecido de granulação. Relatamos o caso de um paciente com retroníquia no hálux esquerdo, submetido a tratamento cirúrgico após falhas de respostas terapêuticas a tratamentos clínicos prévios. A abordagem cirúrgica levou à avulsão das lâminas ungueais sobrepostas e à exérese de volumosos tecidos de granulação, com adequada evolução no pós-operatório.


Keywords: Doenças da unha; Unhas; Unhas encravadas


INTRODUÇÃO

Retroníquia é uma onicopatia inflamatória de etiopatogenia ainda pouco conhecida, caracterizada pelo crescimento desordenado e empilhamento de lâminas ungueais, associados ao desequilíbrio na produção matricial de placas e inflamação na região da dobra ungueal proximal.1–3 O termo ‘retroníquia’ origina-se do latim ‘retro’ (‘para trás’) e do grego ‘oníquia’ (‘unha’), sendo descrito pela primeira vez por De Berker e Renall, em 1999, durante o 8º Congresso da Academia Europeia de Dermatologia e Venereologia.4,5

A retroníquia tem como principal mecanismo desencadeante o microtraumatismo ungueal, que provoca a perda da fixação da lâmina ungueal à matriz, acarretando nova produção matricial de placas e crescimento de uma nova lâmina sob a anterior. Esta rara condição afeta principalmente os háluces, sendo precipitada por fatores como: uso de calçados apertados e não maleáveis e atividades associadas a traumas repetitivos (corrida, montanhismo, dança, entre outros).2,3,6–8

Nos casos refratários a tratamentos clínicos, a abordagem cirúrgica pode ser adotada com finalidades diagnóstica e curativa, sendo realizada por meio da avulsão das lâminas ungueais sobrepostas e excisão do tecido de granulação.3,6,9 Este estudo teve como objetivo a descrição de técnica cirúrgica adotada em caso de retroníquia em hálux.

 

MÉTODOS

Trata-se de relato de caso de paciente masculino, 35 anos, sem comorbidades, apresentando quadro de dor, edema e rubor na dobra ungueal proximal e cutícula do hálux esquerdo, com evolução há cerca de quatro meses. Fez uso de antibióticos (cefalexina e amoxicilina) e anti-inflamatórios, além de uso tópico de clobetasol, incluindo o modo oclusivo, ácido fusídico, mupirocina e gentamicina, sem melhora do quadro. Os sinais e sintomas surgiram pelo hábito de apoiar as extremidades distais dos háluces no chão enquanto trabalhava em frente ao computador em home office devido à pandemia de Covid-19. Negava quadro prévio semelhante e uso de calçados apertados, referindo inclusive uso de chinelos, meias ou mesmo estar descalço.

Ao exame, o aparelho ungueal do hálux esquerdo demonstrava eritema e aspecto inflamatório das dobras ungueais, edema e aparente hipertrofia da região do hiponíquio, onicólise, cromoníquia branco-amarelada e tecido de granulação emergindo sob a cutícula (Figuras 1 e 2).

A ultrassonografia evidenciou espessamento importante da dobra ungueal proximal e halo hipoecogênico ao redor da matriz ungueal, associados ao rompimento da porção proximal da lâmina ungueal ventral, sugestiva de fragmento. Não foi identificada remodelação óssea. Ao doppler, notou-se aumento do fluxo próximo à prega ungueal proximal e à matriz (Figura 3).

O procedimento cirúrgico foi iniciado com o posicionamento do paciente em decúbito dorsal, apoiando-se o membro afetado, fletido, sobre suporte acolchoado, com a planta do pé sobre a superfície da maca. Em seguida, procedeu-se à organização da mesa cirúrgica, à antissepsia local e à colocação dos campos cirúrgicos.

A anestesia local foi realizada por meio de bloqueio anestésico (digital, distal, bilateral do hálux afetado) com lidocaína a 2% sem vasoconstritor. Posteriormente, efetuou-se a hemostasia com dreno de Penrose número 2, em torniquete, seguido do descolamento da primeira placa ungueal e rebatimento da dobra ungueal proximal (DUP) com auxílio de ponteira de eletrocautério (Figura 4). A partir do descolamento da placa, evidenciou-se e excisou-se volumoso tecido de granulação, prosseguindo-se com o descolamento da segunda e terceira placas ungueais, em sequência.

Em seguida, realizou-se a exérese do tecido de granulação e debris inflamatórios em profundidade, com limpeza total da cavidade com soro fisiológico. Reposicionou-se a DUP com colocação de dreno de látex de lúmen largo, com extremidade distal avançando sobre o leito para drenagem de secreções pós-operatórias (Figuras 5 e 6). Procedeu-se então à sutura bilateral com fio mononylon 5-0 e aplicação de curativo volumoso de contenção, com mupirocina, gaze e atadura de crepom. O paciente foi orientado a realizar curativos diários, além do uso de antibióticos, anti-inflamatórios e analgésicos.

 

RESULTADOS

O paciente evoluiu com boa recuperação no pós- operatório, apresentando melhora clínica do quadro (Figura 7). O exame anatomopatológico evidenciou inflamação crônica ulcerada com formação de tecido de granulação exuberante em leito ungueal (Figura 8).

 

DISCUSSÃO

Apresenta-se relato de caso de retroníquia com reação inflamatória extensa em paciente jovem, evoluindo com paroníquia e dor no hálux esquerdo. O diagnóstico da retroníquia é baseado nas manifestações clínicas, que incluem: paroníquia, onicomadese, cromoníquia, diminuição e interrupção do crescimento ungueal e formação de novas placas em conglomerados, além da produção de tecido de granulação, emergindo sob a prega ungueal.1–3,6 Além disso, podem ser observadas outras alterações ungueais, como xantoníquia, onicólise e hematoma subungueal.2,6 A despeito do quadro clínico característico, casos de retroníquia são frequentemente subdiagnosticados, tornando a ultrassonografia um importante recurso diagnóstico.2

Nesse sentido, Fernández et al. estabeleceram critérios ultrassonográficos diagnósticos para retroníquia: presença de halo hipoecoico ou banda em torno da origem; distância entre a origem da lâmina ungueal e da base da falange distal (≥5,1mm nos hálux e/ou diferença ≥0,5mm em relação ao hálux contralateral); espessura da prega ungueal proximal (≥2,2mm para homens ou ≥1,9mm para mulheres e/ou ≥0,3mm em relação ao hálux contralateral). Dessa forma, a presença simultânea destes três critérios pode indicar o diagnóstico de retroníquia unilateral, sendo que, nos casos bilaterais, a presença de ao menos dois critérios, sendo um deles a presença de um halo hipoecoico, pode favorecer o diagnóstico.10

No caso reportado, a ultrassonografia evidencia os três critérios ultrassonográficos diagnósticos (aumento da distância entre a origem da lâmina ungueal e da base da falange distal; aumento da espessura da prega ungueal proximal e halo hipoecoico abaixo da origem da placa). Observa-se ainda o aumento do fluxo sanguíneo na derme da prega ungueal posterior ao doppler.

Em relação ao tratamento de retroníquia, nas formas leves, pode-se adotar abordagem conservadora, tendo em vista que algumas dessas formas podem involuir espontaneamente. O tratamento conservador inclui o uso de fita adesiva e órteses para fixação da lâmina ungueal ‘solta’ na região proximal ou a aplicação de corticoides tópicos na borda ungueal proximal. A terapia tópica pode atuar reduzindo a inflamação e o edema na prega ungueal proximal, como observado por Lencastre et al. em que esteroides tópicos, associados ou não à oclusão, apresentaram resposta clínica completa ou parcial em 41,1% e 28,5% dos casos de retroníquia, respectivamente.11 Todavia, apesar da melhora clínica, as recorrências nestas situações são frequentes.3,6,7,9

Assim, em casos avançados e/ou de recorrência, a abordagem cirúrgica demonstra-se mais indicada, promovendo a resolução do quadro a partir da avulsão das lâminas ungueais sobrepostas e excisão de tecido de granulação,1,3,6,7 como realizado no caso reportado. O exame histopatológico não é essencial para diagnóstico, contudo recomenda-se que o material excisado seja encaminhado para análise histopatológica a fim de se excluir o diagnóstico de neoplasias da prega ungueal proximal, conforme realizado no caso.

No que concerne às complicações pós-operatórias, estas envolvem onicocriptose, microníquia, onicodistrofia e hipertrofia dos tecidos periungueais.1,3,6,7 A recorrência pós-cirúrgica é rara, mas pode ocorrer. Portanto, deve-se orientar os pacientes acerca de medidas preventivas para evitar fatores desencadeantes como: uso de calçados de tamanho adequado, correção de desordens ortopédicas dos pés e desvios de crescimento ungueal.3,6,9

 

CONCLUSÃO

Descreve-se técnica cirúrgica adotada em caso de retroníquia de manifestação exuberante, sem resposta clínica prévia, observando-se, no transoperatório, quantidade abundante de tecido de granulação, inclusive sob as placas, ressaltando a gravidade e peculiaridade do caso, raramente reportado na literatura. Cabe ressaltar que a técnica descrita consiste em uma das opções possíveis para o tratamento cirúrgico desses casos.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Iago Gonçalves Ferreira 0000-0002-4695-1982
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Livia Giacomet 0000-0001-8474-7002
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Ana Cristina Dornelles 0000-0001-8597-117X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Renan Minotto 0000-0002-1451-0461
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

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8. Alonso-Pacheco ML, Miguel-Mendieta E, Maseda-Pedrero R, Mayor-Arenal M. Retronychia: a case report including ultrasound imaging and surgical treatment. Actas Dermosifiliogr. 2016;107(5):e33-7.

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10. Fernández J, Reyes-Baraona F, Wortsman X. Ultrasonographic criteria for diagnosing unilateral and bilateral retronychia. J Ultrasound Med. 2018;37(5):1201-9.

11. Lencastre A, Iorizzo M, Caucanas M, Cunha N, Trakatelli MG, Zaraa I, et al. Topical steroids for the treatment of retronychia. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2019;33(9):e320-22.


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