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Relato de caso

Nevo azul agminado sobre cicatrizes de acne: coincidência ou relação fisiopatológica?

Deborah Heloisa Cezar Dourado1; Nathália Bacni Garcia1; Marilda Aparecida Milanez Morgado de Abreu1; Vinícius de Souza2; Ana Claudia Cavalcante Esposito1,2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140088

Data de submissão: 19/08/2021
Decisão Final: 16/09/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Dourado DHC, Garcia NB, Abreu MAMM, Souza V, Esposito ACC. Nevo azul agminado sobre cicatrizes de acne: coincidência ou relação fisiopatológica? Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:e20210088


Abstract

Nevo azul é uma lesão benigna originada de melanócitos dérmicos contendo grande quantidade de melanina. A variante agminada apresenta-se como um agrupamento de lesões de nevo azul com distribuição linear ou blaschkoide. Relatamos dois casos de pacientes com nevo azul agminado que surgiu sobre cicatrizes prévias de acne, sendo a dermatoscopia de grande auxílio para diagnóstico diferencial. Esta é a primeira ocorrência relatada de nevo azul agminado sobre cicatrizes prévias, o que pode ter ocorrido ao acaso ou em decorrência do processo de remodelamento do colágeno, próprio do processo cicatricial.


Keywords: Cicatriz; Colágeno; Dermoscopia; Nevo Azul


INTRODUÇÃO

Nevo azul é uma lesão benigna, geralmente assintomática, originada a partir de melanócitos dérmicos que apresentam grande quantidade de pigmento melânico.1 Pode ser congênito ou adquirido, sendo que há diversas variantes histológicas já descritas.2-4 A forma clínica mais comum é a solitária (lesão única), mas também pode manifestar-se como um agrupamento de lesões com distribuição linear ou blaschkoide, geralmente com menos de 10cm de extensão, sendo então referido com nevo azul agminado.5

Relatamos dois casos raros de pacientes com nevo azul agminado que surgiu sobre cicatrizes prévias de acne na face.

 

RELATO DO CASO

Caso 1

Mulher, fototipo IV de Fitzpatrick, 39 anos, procurou atendimento dermatológico relatando acne na face entre 12 e 19 anos, com formação de pústulas e nódulos; na ocasião, não realizou tratamento e evoluiu com formação de múltiplas cicatrizes. Há 10 anos, referia surgimento de mancha enegrecida e assintomática na região bucinadora direita, o que causou preocupação na paciente. Negava crescimento recente da lesão. Negava comorbidades ou uso de quaisquer medicações.

Ao exame dermatológico, a paciente apresentava múltiplas cicatrizes de acne tipo ice picks e box scars nas regiões malares, bucinadoras, zigomáticas e mandibulares, bilateralmente. Na região bucinadora direita, havia mácula azul-enegrecida com 4cm por 3,5cm, com reforço da pigmentação ao fundo das cicatrizes de acne (Figura 1). Não havia linfonodos palpáveis nas cadeias da cabeça e do pescoço.

A dermatoscopia de luz não polarizada evidenciou lesões pigmentadas homogêneas com tonalidade azul-acinzentada e ausência de estruturas, entremeadas por áreas de pele sã, discretamente eritematosa e com telangiectasias de permeio (Figura 2). Na dermatoscopia de luz polarizada, eram visualizadas lesões pigmentadas azul-acinzentadas com áreas sem estruturas, além de linhas e borrões branco-brilhantes de padrão cicatricial, provavelmente decorrentes da reorganização cicatricial própria do processo cicatricial (Figura 3).

As hipóteses clínicas foram de nevo azul agminado, com diferencial para pigmentação extrínseca (tipo tatuagem), ocronose exógena, melanoma extensivo superficial e nevo de Reed. Foi realizada biópsia incisional sob anestesia local (punch 4mm) em duas áreas, sendo que o exame anatomopatológico evidenciou epiderme normal, com melanócitos alongados na derme, com quantidade variável de melanina citoplasmática, sem atipias nucleares ou mitoses. Os achados histológicos foram definidores para o diagnóstico de nevo azul, variante agminada, que se desenvolveu sobre cicatrizes prévias de acne.

Caso 2

Homem, 18 anos, referia acne desde os 12 anos. Há dois anos, notou surgimento de mancha azul-enegrecida na região bucinadora direita. Ao exame dermatológico, paciente apresentava comedos fechados, pápulas eritematosas, raras pústulas e cicatrizes tipo ice picks e box scars (em menor quantidade) na face, especialmente nas regiões zigomáticas, bucinadoras e mandibulares. Na região bucinadora direita, apresentava mácula azul-enegrecida com 4cm por 2cm (Figura 4a). À dermatoscopia (luz não polarizada), a lesão era composta por pigmentações homogêneas azul-acinzentadas, com ausência de estruturas, entremeadas por áreas de pele sã eritematosa (Figura 4b). A hipótese clínica e dermatoscópica foi de nevo azul agminado que se desenvolveu sobre pele acometida por acne (incluindo cicatrizes). Paciente está em seguimento clínico, sem qualquer abordagem cirúrgica da lesão pigmentada.

 

DISCUSSÃO

Os nevos azuis são máculas, pápulas, placas ou nódulos azulados, sendo que a forma agminada foi descrita pela primeira vez apenas em 1947. Deste então, a literatura reúne pouco mais de 30 casos desta variante, o que justifica a raridade do presente caso.5

As lesões agminadas têm uma distribuição linear ou blaschkoide e sua patogênese não é conhecida. Há diferentes teorias para justificar a distribuição segmentar, tais como o desenvolvimento das lesões a partir de nervos periféricos; melanócitos dérmicos resultantes de uma interrupção durante a migração da crista neural em direção à epiderme; e, por fim, crescimento clonal a partir de uma única célula.2,5,7

Enquanto o nevo azul comum tem predileção por membros e face, a forma agminada tem distribuição semelhante entre tronco, extremidades, cabeça e pescoço, além de acometer igualmente homens e mulheres.1,2,5,8 Uma hipótese é a de que a lesão agminada tenda a surgir em área de traumas cutâneos, com implantação de células melanocíticas na derme profunda, ou excessiva exposição solar.3 Nos pacientes relatados, a lesão desenvolveu-se em área fotoexposta e previamente submetida a processo inflamatório intenso decorrente da acne.

Há, na literatura, descrição de nevo azul agminado associado a nevus spilus, melanoma, dermatomiosite, doença de Darier e complexo Carney, entretanto estes são os primeiros relatos de surgimento da lesão sobre área cicatricial.3-5,8,12 O desenvolvimento da lesão sobre área prévia de cicatriz de acne pode ter ocorrido ao acaso ou a migração de melanócitos para a derme superior pode ter sido facilitada pelo processo inflamatório e remodelamento do colágeno, que são próprios da formação da cicatriz.

Histologicamente, o nevo azul agminado corresponde, mais comumente, à variante comum, na qual os melanócitos - bipolares ou estelares com longos dendritos – localizam-se na derme, podendo também se agregar ao redor dos anexos cutâneos e feixes neurovasculares.6,9

Mutações de ativação em GNAQ ou GNA11, cujos produtos proteicos sinalizam através da via MAPK, estão presentes em mais de 83% e 7%, respectivamente, dos casos de nevo azul.10,11 Já no nevo azul agminado, apenas um artigo avaliou mutações, tendo sido identificada em GNAQ.5 Nos dois presentes relatos, não foi realizada pesquisa de mutações.

O diagnóstico do nevo azul agminado, em geral, é um grande desafio clínico.6 Tendo em vista a complexidade das lesões, a dermatoscopia torna-se ferramenta de suma importância, especialmente na diferenciação com melanoma e ocronose.4,13 Os achados dermatoscópicos no nevo azul incluem lesão melanocítica de padrão homogêneo, com poucas estruturas, áreas amorfas cinza-azuladas, podendo haver glóbulos e pontos.14 A cor azul decorre do efeito Tyndall ocasionado pela luz incidente nos depósitos profundos de melanina (derme), que refrata e se espalha.15 Apesar da grande contribuição da dermatoscopia, o diagnóstico definitivo do nevo azul é histológico.

 

CONCLUSÃO

Tendo em vista a raridade do nevo azul agminado e sua similaridade com outras lesões dermatológicas, seu diagnóstico pode ser um desafio. Estes são os primeiros casos relatados de nevo azul agminado que se desenvolveu sobre área prévia de cicatriz. O processo inflamatório e remodelamento do colágeno, que são típicos do processo cicatricial, podem ter facilitado a migração dos melanócitos para a derme superior.

Agradecimentos

À Eliete Soares, fotógrafa da disciplina de Dermatologia da FMB-Unesp, pela documentação de um dos casos. Ao Dr. Hamilton Ometto Stolf, pela atenção médica compartilhada em um dos casos citados neste artigo e por seu empenho no estudo da Dermatologia Clínica e Cirúrgica.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Deborah Heloisa Cezar Dourado 0000-0003-3611-5048
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Nathália Bacni Garcia 0000-0002-2539-5163
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Marilda Aparecida Milanez Morgado de Abreu 0000-0001-9099-6013
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Vinícius de Souza 0000-0001-8819-6906
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Ana Claudia Cavalcante Esposito: 0000-0001-9283-2354
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

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