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A importância da interação entre o ácido hialurônico e o receptor CD44

Carlos Roberto Antonio; Lívia Arroyo Trídico

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2021130006

Data de submissão: 25/03/2021
Decisão Final: 13/10/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Antonio CR, Trídico LA. A importância da interação entre o ácido hialurônico e o receptor CD44. Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:20210006.


Abstract

Ácido hialurônico é uma das substâncias mais utilizadas na Dermatologia. Apresenta tarefas estruturais na matriz extracelular, ligando-se às células e a componentes biológicos por interações específicas e inespecíficas. O ligante nativo para o ácido hialurônico é o receptor transmembrânico CD44, que interage não apenas com o ácido hialurônico, mas também com diferentes fatores de crescimento, citocinas e proteínas da matriz extracelular. Buscamos revisar a interação entre o receptor CD44 e as diversas formas de ácido hialurônico na pele, a fim de compreender melhor sua ação e explorar seu uso de forma mais completa na Dermatologia.


Keywords: Rejuvenescimento; Ácido hialurônico; Pele


INTRODUÇÃO

O ácido hialurônico (AH) é um polímero natural biodegradável. Trata-se de um glicosaminoglicano não sulfatado, não ramificado, composto por dissacarídeos repetidos (ácido b-1,4-D-glucurônico e b-1,3-N-acetil-D-glucosamida). O AH é um poliânion que pode ligar-se entre si e também ligar-se a moléculas de água, formando estrutura rígida e viscosa semelhante à gelatina. O AH é um dos principais elementos da matriz extracelular (MEC) dos tecidos vertebrados, disponível em quase todos os fluidos corporais e tecidos. Esse biopolímero tem função estrutural, ligando moléculas da matriz extracelular. Além disso, está envolvido em várias importantes funções biológicas, tais como regulação da adesão e motilidade celular, além de atuar na diferenciação e proliferação celular e na propriedade mecânica dos tecidos.1

As características do AH, tais como consistência, biocompatibilidade e hidrofilicidade, tornaram-no ideal para uso em Dermatologia Estética. Além disso, sua viscoelasticidade única e imunogenicidade limitada levaram ao uso em várias aplicações médicas, como no tratamento da osteoartrite (OA), auxílio na cirurgia ocular e para regeneração de feridas.2 A seguir, iremos abordar o uso do ácido hialurônico injetável como preenchedor dérmico e suas interações com seu principal receptor, o CD44, a fim de compreender como é possível promover o rejuvenescimento por meio de suas interações biológicas.

Metabolismo do ácido hialurônico na pele

Na epiderme, o conteúdo de AH é especialmente alto nas regiões basais em proliferação. Isso está de acordo com a manutenção do estado indiferenciado e proliferativo das células basais e com as observações correspondentes durante o desenvolvimento embriogênico.3 Os achados histológicos sugerem que os queratinócitos da camada basal também contêm AH intracelular, enquanto o AH extracelular prevalece nas camadas epidérmicas superiores.4 Acredita-se que o AH extracelular mantenha a difusão e abra espaços para facilitar a migração celular.5

A principal fonte de AH na derme são os fibroblastos, com maior atividade de síntese de AH na derme papilar. A alta flexibilidade das estruturas de AH e sua hidrofilicidade permitem que essas moléculas preencham quaisquer lacunas na MEC.6 O grande volume hidrodinâmico de AH é explicado principalmente por múltiplas ligações de hidrogênio entre dissacarídeos adjacentes, mas também pode depender da interação próxima de AH com proteoglicanos altamente glicosilados. As propriedades viscoelásticas resultantes do AH na derme são responsáveis pelo suporte da arquitetura tecidual dérmica. O AH dérmico tem acesso ao sistema linfático, provavelmente regulando o conteúdo de água na derme. Tanto o AH livre reticulado por proteínas ou proteoglicanos quanto o AH associado à membrana celular facilitam a migração celular, a proliferação e a comunicação celular pela interação com os receptores celulares, pelo agrupamento de receptores e subsequentes cascatas de sinalização.7

O AH é sintetizado por enzimas específicas chamadas HA-sintase (HAS). Estas são enzimas ligadas à membrana que sintetizam o AH na superfície interna da membrana plasmática, sendo que, depois, o eliminam através de estruturas semelhantes a poros para o espaço extracelular. Existem três enzimas responsáveis pela síntese de AH. São elas: HAS-1, -2 e -3, que exibem propriedades enzimáticas distintas e sintetizam cadeias de AH de vários comprimentos.7,8

A degradação do AH é um processo gradual que pode ocorrer por meio de reações enzimáticas ou não enzimáticas. Três tipos de enzimas (hialuronidase, b-D-glucuronidase e b-N-acetil-hexosaminidase) são envolvidas na degradação enzimática do AH. Essas enzimas são encontradas de várias formas, no espaço intercelular e no soro. A hialuronidase divide o AH de alto peso molecular em fragmentos menores, enquanto as outras duas enzimas degradam os fragmentos removendo açúcares terminais não redutores. Além dos mecanismos enzimáticos de degradação do AH, ele pode ser degradado por tensão de cisalhamento, calor e reações químicas, como hidrólise ácida/alcalina e degradação por oxidantes. Esses tipos de degradação ocorrem de maneira aleatória, geralmente resultando em fragmentos de dissacarídeos.1,9

Envelhecimento cutâneo e ácido hialurônico

A mudança histoquímica mais dramática observada com o envelhecimento da pele é o desaparecimento acentuado de ácido hialurônico na epiderme, enquanto o AH ainda está presente na derme.11 As razões para as alterações de homeostase do AH com o envelhecimento são desconhecidas, mas sabe-se que a síntese de AH epidérmica é influenciada pela derme subjacente. Redução progressiva do tamanho dos polímeros de AH na pele como resultado do envelhecimento também foi relatada. Assim, a epiderme perde a molécula principal responsável pela ligação e retenção das moléculas de água, resultando na perda de umidade da pele. Na derme, a principal mudança relacionada à idade é a crescente avidez do AH por estruturas teciduais e perda da capacidade de extração do AH. Além disso, ocorre reticulação progressiva do colágeno e perda da capacidade de extração do colágeno com a idade. Todos os fenômenos acima, relacionados à idade, contribuem para a aparente desidratação, atrofia e perda de elasticidade que caracteriza a pele envelhecida.10

O envelhecimento prematuro da pele, devido à exposição repetida e prolongada à radiação, resulta em conteúdo anormal de glicosaminoglicanos e distribuição comparada à encontrada nas cicatrizes, com diminuição de AH e aumento dos níveis de proteoglicanos do sulfato de condroitina.12 Nos fibroblastos dérmicos, essa redução na síntese do AH foi atribuída aos fragmentos de colágeno, que ativam as integrinas αvβ3, resultando na redução de expressão de AH sintase (enzimas responsáveis pela produção de AH).12

Ácido hialurônico injetável na Dermatologia

Os preenchimentos dérmicos à base de ácido hialurônico constituem um dos procedimentos estéticos mais realizados atualmente. As injeções de ácido hialurônico na pele promovem efeito de preenchimento de volume e induzem a síntese de colágeno, revertendo sinais da pele envelhecida.13

As composições das formulações de ácido hialurônico utilizadas para preenchimento tecidual são caracterizadas pelas propriedades de composição e propriedades reológicas. A composição dos preenchedores inclui concentração, tamanho e partículas de crosslinking (substâncias geradoras de ligações intermoleculares que aumentam a estabilidade e durabilidade clínica do preenchedor), enquanto as propriedades reológicas incluem elasticidade (G’) e viscosidade (N’). O ácido hialurônico com reticulação (partículas de crosslinking) pode ser feito com várias substâncias químicas (butanodiol diglicidil éter, divinil sulfona etc.). O aumento de partículas de crosslinking e a concentração fortalecem a resistência dos preenchedores à degradação enzimática. O tamanho da partícula é determinado pela polimerização das cadeias de glicosaminoglicanos e pela tensão, que otimiza a capacidade de lifting tecidual. Elasticidade e viscosidade garantem aos preenchedores a capacidade de resistir à compressão e à força de cisalhamento, respectivamente. Outra característica importante é a hidrofilicidade, ou seja, a capacidade de o preenchedor atrair água e expandir-se.14,15

Cada produto consiste em uma combinação única de características diferentes, e a compreensão dessas diferenças permite tratar adequadamente as diferentes áreas da face. Maciez e menos viscosidade são características que tornam o preenchedor ideal para rugas superficiais, lábios e pálpebra, enquanto preenchedores mais viscosos e pesados são melhores para injeção em plano mais profundo a fim de aumentar volume.16 A duração do efeito corretivo dos preenchedores de ácido hialurônico varia entre três a 24 meses, dependendo predominantemente da concentração de AH, reticulação (grau e tipo), área tratada e indivíduo.17

Sabe-se ainda que, além de repor volume, o ácido hialurônico injetável atua como remodelador cutâneo, devido à observação da persistência do efeito de preenchimento por tempo muito maior do que a biodisponibilidade do preenchedor. Estudos têm demonstrado que o AH pode induzir aumento na produção de colágeno e de fibras elásticas, restaurando a matriz extracelular por estímulo direto e/ou por estiramento mecânico dos fibroblastos.18

O ácido hialurônico realiza várias tarefas estruturais da MEC, pois se liga às células e a outros componentes biológicos por meio de interações específicas e inespecíficas. Várias proteínas da MEC são estabilizadas pela ligação ao AH. Moléculas e receptores específicos que interagem com AH estão envolvidos na transdução de sinal celular, tais como as moléculas agrecan, versican e neurocan, e os receptores celulares CD44, RHAMM, TSG6, GHAP, ICAM-1 e LYVE-1.19 Entre esses receptores, o CD44 (glicoproteína da superfície celular) merece mais atenção, uma vez que, devido à sua ampla distribuição e com base no conhecimento atual, é considerado o receptor primário de AH na maioria dos tipos de células.1,20 A seguir, iremos abordar a importância do receptor CD44 e suas interações com ácido hialurônico a fim de promover rejuvenescimento.

Receptor CD44 e ácido hialurônico

O ligante nativo para o AH é o receptor transmembrânico CD44.21 O AH liga-se ao terminal N do CD44, que funciona como local de acoplamento e é revestido por uma mistura de aminoácidos, predominantemente básicos e hidrofóbicos.22 O gene CD44 contém 20 exons, 10 dos quais podem ser regulados por ligação alternativa, levando à geração de outras variantes (exons variantes ou ‘v’), que são traduzidas para um polipeptídeo de peso molecular 80-90kDa, dependendo da ligação. Funções biológicas, como migração celular, adesão e integridade estrutural durante processos anti-inflamatórios, dependem da interação AH-CD44. A menor isoforma CD44, padrão CD44 (CD44s), é onipresente, enquanto as isoformas variantes são expressas apenas em alguns tecidos epiteliais e em cânceres.23,24

As diferentes formas de ácido hialurônico sintetizadas para uso médico possuem interações em comum e distintas com o receptor CD44. Geralmente, as interações AH-CD44 podem ser alteradas de acordo com a extensão da modificação do AH, tipo de grupo químico utilizado para essa modificação e local do AH em que foi feita a alteração. Independentemente das peculiaridades que envolvem os diferentes tipos de ácido hialurônico sintético e o receptor CD44, iremos abordar de forma global o papel deste receptor em permitir que a ação do AH vá além de simplesmente preencher tecidos, mas principalmente atuar na biomodulação tecidual.25

O CD44 é capaz de interagir não apenas com o ácido hialurônico, mas também com diferentes fatores de crescimento, citocinas e proteínas da matriz extracelular, como a fibronectina.26 O domínio intracelular do CD44 interage com o citoesqueleto. Consequentemente, quando seu domínio extracelular se liga ao ácido hialurônico da MEC, uma ligação entre as estruturas do citoesqueleto e o polímero é criada.27 Diversas vias de sinalização intracelular estão envolvidas na interação AH-CD44 e atuam controlando processos biológicos celulares: degradação e internalização de ácido hialurônico, angiogênese, migração celular, proliferação, agregação e adesão aos componentes da MEC.27,28,29

Manipulações de concentração de AH ou interações AH-CD44 podem alterar vias de sinalização de muitas moléculas regulatórias e adaptadoras, tais como SRC quinases, Rho-GTPases, VAV2 e GAB1.30 A ligação do CD44 ao ácido hialurônico pode alterar a sobrevivência celular ou sua proliferação ao alterar ligações proteicas intracelulares.31 Além disso, o AH pode ativar vários receptores tirosino quinases e o AH ligado ao CD44 pode agrupar e cooperar com fatores de crescimento.32 Demonstrou-se, também, que o receptor CD44 está envolvido na captação celular do ácido hialurônico extracelular.33

Kaya e demais autores (1992) demonstraram que o CD44 está associado à regulação da homeostase do ácido hialurônico em queratinócitos. Os autores desenvolveram camundongos transgênicos expressando um cDNA antissentido CD44 acionado pelo promotor de queratina-5. Esses camundongos não apresentam expressão detectável de CD44 nos queratinócitos da pele e no epitélio da córnea e exibem acúmulo anormal de AH na derme superficial e estroma da córnea, alterações morfológicas distintas dos queratinócitos basais e córnea e proliferação defeituosa de queratinócitos em resposta a fatores mitógenos e de crescimento. Essas alterações são refletidas por uma diminuição na elasticidade da pele, resposta inflamatória local e reparo tecidual prejudicados, retardo do crescimento capilar e falha da epiderme em sofrer hiperplasia em resposta ao carcinógeno. Sendo assim, observaram duas funções principais do CD44 na pele: a regulação da proliferação de queratinócitos em resposta a estímulos extracelulares e a manutenção da homeostase local do ácido hialurônico.34

Vistejinova e colaboradores (2014) realizaram estudo a fim de comparar a capacidade do ácido hialurônico de alto peso molecular (HMW) à do ácido hialurônico de baixo peso molecular (LMW) em estimular a produção de citocinas e quimiocinas pelos fibroblastos dérmicos humanos, associado à importância do receptor CD44 nesse processo. O estudo demonstrou que os fibroblastos dérmicos, além de sua principal função de produzir a matriz extracelular, são capazes de responder aos fragmentos de ácido hialurônico de baixo peso molecular via interação com o CD44 por meio da produção de citocinas, sugerindo que o AH LMW está implicado em um sinal inflamatório que estimula fibroblastos do estroma.35

Estudos demonstraram claramente que AH e CD44 na superfície externa dos fibroblastos dérmicos atuam regulando a fisiologia dos fibroblastos e estimulando a produção de matriz extracelular.36 Dessa forma, pode ser possível alterar a produção de colágeno da pele aumentando ou reduzindo a quantidade de AH.37 No trabalho de Wang e colaboradores (2007), 11 voluntários receberam injeções de preenchedor de ácido hialurônico ou veículo e foram submetidos à biópsia em quatro e 13 semanas após o procedimento. Os resultados demonstraram que, em comparação aos controles, a pele tratada com injeções de ácido hialurônico reticulado revelou aumento da deposição de colágeno ao redor do material de preenchimento, e a expressão gênica para o procolágeno tipos I e III, bem como vários fatores de crescimento profibróticos, também foi regulada entre quatro e 13 semanas em comparação com os controles. Os autores concluíram que a injeção de ácido hialurônico reticulado estimula a síntese de colágeno, restaurando parcialmente os componentes da matriz dérmica que são perdidos na pele fotoenvelhecida.13

Bhattacharya e colaboradores (2017) demonstraram que alterações nas estruturas do ácido hialurônico modificam sua interação com o receptor CD44. Foi observado que tanto a sulfatação quanto a desacetilação do ácido hialurônico de indivíduos estão associadas à menor interação com o CD44, sendo assim ambas as modificações necessárias para reduzir a interação AH-CD44. Dessa forma, o estudo sugere que seria possível em estudos futuros, por meio de diferentes formas de AH, regular as vias de ativação celular.38

Wang e demais autores (2019) avaliaram como os diferentes tipos de ácido hialurônico influenciam na ligação de CD44 aos hidrogéis de AH. As interações AH-CD44 podem ser alteradas quando o AH é modificado para sintetizar macrômeros de AH, com alterações dependentes da extensão da modificação, tipo de grupo químico usado para modificação e o local usado para a modificação. Estes efeitos são observáveis quando os macrômeros de AH são apresentados ao CD44 tanto na forma solúvel quanto após reticulação em hidrogéis. A expressão gênica e as análises bioquímicas e histológicas de longo prazo de células mesenquimais estromais encapsuladas em hidrogéis de AH sugerem fortemente que os níveis de modificação do macrômero de AH influenciam as interações célula-hidrogel e a diferenciação condrogênica. É importante ressaltar que os hidrogéis de AH modificados de maneira baixa e moderada ainda promovem uma ligação significativamente maior ao CD44 em comparação com as moléculas inertes. Além disso, a condrogênese e a formação de cartilagem são reguladas com hidrogéis de AH quando comparadas aos controles de hidrogel de polietilenoglicol inerte.39

Gruber, Holtz e Riemer (2021) realizaram avaliação in vitro sobre a influência dos diferentes pesos moleculares de AH na sua ligação com o CD44. Evidenciou-se que o AH de baixo peso molecular e um complexo comercial com ácido hialurônico de três pesos moleculares (alto, médio e baixo) aumentaram a expressão da proteína CD44 nos queratinócitos epidérmicos humanos, enquanto as frações de AH de médio e alto peso molecular, não. Concluíram, assim, que o AH pode influenciar a expressão da proteína CD44 e que essa influência parece ser dependente do peso molecular.40

Receptor CD44 e carcinogênese

Sabe-se que a ativação anormal da cascata de sinalização CD44 pelo ácido hialurônico, assim como a superexpressão e super-regulação do CD44, pode resultar no desenvolvimento de lesões patológicas e transformação maligna, uma vez que a interação AH-CD44 está envolvida em processos celulares como proliferação celular e angiogênese.29,41 Por isso, o CD44 é superexpresso em diversos tumores sólidos, tais como tumores de pâncreas, mama e pulmão.42

Existe uma complexa comunicação entre as células cancerígenas e seu microambiente. Evidências indicam que o microambiente do tumor pode regular a capacidade de crescimento e metástase tumorais.43 O ácido hialurônico não apenas fornece suporte celular e matriz hidrofílica, mas também regula a adesão célula-célula, migração celular, crescimento e diferenciação.44 Dessa forma, essas propriedades o tornam um candidato adequado ao envolvimento em processos patológicos como o câncer. Além disso, ao formar camadas pericelulares, o AH pode proteger as células tumorais do ataque imune.45 Várias células tumorais produzem quantidades aumentadas de ácido hialurônico ou induzem a produção de AH pela liberação de fatores de crescimento e citocinas. Da mesma forma, o AH fragmentado induzido por espécies reativas de oxigênio também contribui para a superprodução de AH.46 Células tumorais e células estromais expressam isoformas de HAS e produzem ácido hialurônico na MEC, que depois se acumula no parênquima tumoral e nos tecidos estromais peritumorais, o que contribui para a disseminação metastática.47 Além disso, a superprodução de AH em células tumorais pode induzir alterações epiteliais do tipo das células cancerígenas em direção a um fenótipo fibroblástico migratório.48 A MEC rica em AH também pode mediar o recrutamento de células-tronco mesenquimais, que são progenitoras de fibroblastos associados a tumores.49

Muitas das atividades promotoras de tumor pelo ácido hialurônico poderiam ser explicadas por sua interação com o CD44. Existem três maneiras na forma como o CD44 pode interagir com o AH: ligação com as moléculas extracelulares de AH solúveis e MEC, interação com receptores de tirosina quinases para antiapoptose e resistência a medicamentos e ligação do CD44 ao citoesqueleto de actina.50

O CD44 ativado é superexpresso em tumores sólidos, mas muito menos, ou quase nada, em seus pares não tumorigênicos. A adesão de CD44 ao AH induz a regulação positiva de integrinas que fortalecem a adesão de células-tronco.51 Células derivadas de tumor expressam CD44 em um estado de alta afinidade que é capaz de se ligar e internalizar o AH. A afinidade de ligação de CD44 com AH é importante para a migração celular que permite que o CD44 seja incorporado na borda anterior das células. O CD44 também pode reagir com outras moléculas, incluindo colágeno, fibronectina, osteopontina, fatores de crescimento e metaloproteinases em células tumorais, mas os papéis funcionais de tais interações são menos conhecidos. 50

Os receptores de tirosina quinase (RTKs) são uma subclasse de receptores do fator de crescimento da superfície celular (TFG) com uma atividade tirosina quinase intrínseca controlada por ligantes. A interação AH-CD44 tem um efeito geral na ativação de proteínas antiapoptóticas de sobrevivência celular, que é iniciado pela associação com a ativação de receptores de tirosina quinase. Além disso, o CD44 se liga às proteínas do citoesqueleto, e essa interação é modulada pela interação do AH-CD44.50

Dessa forma, devido ao fato de os níveis de AH e suas interações com o CD44 serem capazes de regular a diferenciação celular (como a cornificação dos queratinócitos epidérmicos e a diferenciação de fibroblastos), existe a possibilidade de que a capacidade modulatória da diferenciação celular regulada pela via do ácido hialurônico possa ser empregada de forma terapêutica, especialmente em Oncologia. O fato de que o ácido hialurônico ligado ao CD44 possa interagir com diversos sistemas receptores é muito intrigante. Se interações AH e CD44 são necessárias para levar a carcinogênese e metástases, então acredita-se que a manipulação dessas interações possa ser realizada de forma terapêutica.37

Desde os primeiros relatos de lipossomas de AH direcionados a CD44 em 2001, um grande esforço tem sido dedicado ao uso de CD44 mediado por AH-alvo para aplicações em doenças e drug-delivery. Desde então, surgiram estudos de nanomateriais de AH como uma maneira eficaz para melhorar a administração de medicamentos. No futuro, acredita-se que a estrutura simples e o processo de fabricação fácil para nanomateriais de AH possam aumentar a possibilidade de sucesso na prática clínica.51

 

CONCLUSÃO

São inúmeras as interações entre ácido hialurônico e seu principal receptor, o CD44. Sabemos que elas dependem de diversos fatores, dentre eles, o tipo de ácido hialurônico envolvido. Os estudos evidenciam que as interações AH-CD44 ocorrem não apenas com ácido hialurônico endógeno, mas também com o ácido hialurônico tópico e injetável. Sendo assim, é possível concluir que o ácido hialurônico exógeno atua em conjunto com o CD44 a fim de causar modulação celular e molecular no local em que é aplicado, trazendo, assim, resultados que vão além do simples fato de preencher o local tratado: ele, principalmente, altera o ambiente por meio de interações locais e melhora a qualidade da pele. Além disso, diversas pesquisas relatam o envolvimento do receptor CD44 na carcinogênese e, embora sejam necessários mais estudos sobre esse assunto, entender melhor o papel do receptor CD44 também pode influenciar positivamente no tratamento de neoplasias futuramente.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Carlos Roberto Antonio 0000-0001-9243-8293
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Lívia Arroyo Trídico 0000-0002-7743-4195
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

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