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Relato de casos

Técnica de enxerto “drumhead” no reparo de defeitos cirúrgicos profundos na região da ponta e asa nasais

José Antônio Jabur da Cunha1; Lívia Zyman1; Flavia Nunes Maruyama2; Caroline Andrade Rocha2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241308

Data de recebimento: 02/01/2019
Data de aprovação: 13/02/2020
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil


Abstract

A reconstrução de defeitos cirúrgicos profundos da ponta e asa do nariz frequentemente representa um desafio ao cirurgião. Nesses casos, o enxerto de pele com espessura total é muito utilizado, porém frequentemente resulta em afundamento ou depressão do enxerto. Apresentamos uma técnica cirúrgica de fácil execução, reprodutível e muito pouco difundida no Brasil: o enxerto drumhead. Realiza-se a aplicação sobrejacente ao enxerto de uma suspensão de plástico rígida juntamente ao enxerto de pele de espessura total. A técnica é mais uma ferramenta para o cirurgião dermatológico que impede irregularidades de contornos indesejáveis, depressão do enxerto e colapso do vestíbulo nasal.


Keywords: Nariz; Neoplasias cutâneas; Neoplasias nasais; Transplante de pele


INTRODUÇÃO

O câncer da pele é a neoplasia maligna mais frequente no Brasil, representando 25% dos tumores malignos, com cerca de 130.000 novos casos ao ano.1 O carcinoma basocelular (CBC) é o câncer cutâneo mais frequente (70%), seguido do carcinoma espinocelular (25%) e do melanoma, com aproximadamente 4% dos casos.1,2 Cerca de 80% de todos os CBCs ocorrem na face, sendo que destes, 25 a 30% estão localizados no nariz2,3, fato este que confere considerável morbidade a esses tumores.

O tratamento do câncer da pele é primariamente cirúrgico, sendo frequente na prática do cirurgião dermatológico defeitos cirúrgicos localizados no nariz decorrentes da exérese de tumores cutâneos desta região. Localizado no centro da face, com anatomia tridimensional e com grande relevância cosmética e funcional, o nariz frequentemente representa um desafio ao cirurgião dermatológico envolvido na retirada cirúrgica de tumores da face. Suas margens livres (asa nasal e ponta nasal) podem sofrer distorções que levam a resultados inestéticos; disso decorre sua elevada importância cosmética.3

De maneira prática, podemos subdividir as regiões anatômicas do nariz em ponta nasal e dorso nasal. Isto porque essas duas regiões apresentam características distintas que são relevantes na escolha do método de reconstrução. O dorso nasal está apoiado sobre estrutura firme (osso nasal), apresentando pele mais fina, mais móvel e elástica. Em contrapartida, a ponta nasal está apoiada sobre arcabouço móvel (cartilagens nasais), apresenta pele grossa, sebácea, inelástica e pouco móvel.4

Diversos métodos podem ser empregados na reconstrução de defeitos cirúrgicos no nariz, como o fechamento por segunda intenção, sutura primária, retalhos e enxertos. O fechamento primário é preferível sempre que possível, porém é mais utilizado nas reconstruções de defeitos cirúrgicos localizados no dorso nasal. A pouca distensibilidade da pele da ponta nasal associada ao arcabouço móvel cartilaginoso frequentemente leva a distorções da ponta e asa nasais, apresentando resultados bastante indesejáveis.4

Retalhos são de execução mais difícil e, quando bem empregados, podem apresentar resultados estéticos ótimos. Por outro lado, questiona-se sua segurança oncológica em tumores nasais, com alto risco de recidiva local quando não são avaliadas as margens cirúrgicas antes da reconstrução. Assim, do ponto de vista oncológico, é recomendável avaliar as margens operatórias previamente a uma reconstrução com retalho ou realização de um enxerto.4

O enxerto de pele de espessura total (EPET) é uma técnica versátil, de fácil execução e com bastante segurança oncológica.5 No entanto, é conhecida sua menor qualidade estética, uma vez que pode levar a discrepâncias na cor e textura da pele do enxerto quando comparada à pele adjacente da região nasal. Acrescenta-se que, nos defeitos cirúrgicos mais profundos da ponta nasal e asa nasal, onde a pele costuma ser bastante espessa e oleosa, o método pode resultar em afundamento do enxerto com contornos marcados e resultados inestéticos.6

Dessa forma, apresentamos uma técnica cirúrgica de fácil execução, reprodutível e muito pouco difundida no Brasil.

 

MÉTODOS

Paciente do sexo masculino, 58 anos, com diagnóstico de CBC localizado na ponta nasal esquerda com indicação de exérese cirúrgica da lesão, situada em local de pele espessa e sebácea. A retirada da lesão resultou em defeito circular, profundo, medindo 15mm no maior diâmetro (Figura 1). Optou-se pela realização do enxerto tipo drumhead.

Técnica: Primeiramente deve-se escolher o sítio doador do EPET. Nesse caso, optamos pela região pré-auricular por apresentar algum fotodano e boa correspondência com a área receptora. Utilizando o próprio envelope do fio de sutura, foi confeccionado um molde do sítio receptor que serviu para marcar o sítio doador. A seguir, a pele doadora foi retirada no plano subdérmico utilizando-se gancho de Joseph e tesoura íris curva. Uma vez retirado, o tecido foi desengordurado, aparado e conservado em soro fisiológico 0,9%. Diferentemente do habitual, neste caso o EPET foi subdimensionado para que pudesse ser colocado sobre o defeito cirúrgico profundo como se fosse a “pele de um tambor” (drumhead). Em seguida, foi suturado ao sítio receptor com fio de nylon 5-0 com pontos simples (Figura 2).

Na sequência, confeccionou-se uma almofada de gaze (Figura 3) e realizou-se um ponto (fio de poligrecaprona - Monocryl 4-0) que atravessa toda a espessura da narina, iniciado no enxerto, saindo na cavidade nasal e voltando novamente para a superfície do enxerto formando uma alça. A almofada de gaze foi posicionada na região intranasal, diretamente abaixo do local receptor do enxerto, com uma generosa quantidade de pomada antibiótica. Tracionou-se a alça intranasal da sutura para fora do nariz, de forma a manter a almofada de gaze firme no vestíbulo nasal (Figura 4).

O próximo passo consistiu em usar um pedaço de plástico rígido da embalagem do fio de poligrecaprona (Monocryl 4-0), que foi cortado e alocado diretamente sobre o enxerto. Tomou-se cuidado para deixar as bordas arredondadas de modo que não traumatizasse a pele do paciente (Figura 5). O suporte foi preso com o mesmo ponto que estava fixando a almofada de gaze intranasal (Figura 6). Este suporte rígido teve por função sustentar a almofada de gaze intranasal que, por sua vez, tracionou o leito do enxerto para que o mesmo entrasse em contato com a pele enxertada.

O suporte de plástico rígido e o enxerto de pele de espessura total foram embebidos por pomada antibiótica e revestidos por gaze. O suporte intranasal permaneceu por sete dias para impedir qualquer colapso ou depressão do vestíbulo nasal.6 No 7º dia de pós-operatório, o suporte plástico e a gaze intranasal foram retirados e no 13º dia os pontos de sutura foram retirados (Figura 7).

 

RESULTADOS

O paciente evoluiu sem qualquer intercorrência, como infecção de sítio cirúrgico, formação de seroma, hematoma ou perda do enxerto, no pós-operatório. Evoluiu com bom resultado cosmético e seu seguimento foi realizado até nove meses de pós-operatório, quando foi reencaminhado para o ambulatório de origem (Figura 8).

 

DISCUSSÃO

O EPET é eficaz no reparo de defeitos nasais, porém muitas vezes inadequado para os defeitos cirúrgicos profundos do terço inferior do nariz, sendo necessário o uso de técnicas complementares para prevenir deformidades.6

Em reconstruções desse tipo de lesão com EPET, habitualmente o cirurgião dermatológico tende a superdimensionar o enxerto para que este possa “forrar” todo o fundo do leito, garantindo o contato do enxerto com o leito e, consequentemente, sua viabilidade. Realiza-se um curativo que é suturado ao enxerto (curativo de Brown) que tem como função empurrar o enxerto contra o leito. Estas duas etapas são fundamentais à pega do enxerto, mas são também responsáveis pelo “afundamento” do mesmo no pós-operatório, com perda do contorno nasal.

A técnica de drumhead adequa estas duas etapas, uma vez que subdimensiona o enxerto e, ao invés de empurrá-lo contra o fundo, traciona o leito contra o enxerto. O contato do leito da ferida com a pele enxertada permite a neovascularização e sobrevida do enxerto, além de prevenir hematoma5, formação de seroma e, principalmente, colapso interno do vestíbulo nasal ou qualquer depressão do enxerto.

 

CONCLUSÃO

Assim, concluímos que o método de enxerto drumhead é uma técnica relativamente simples e bastante reprodutível. Por meio dela, conseguimos unir as qualidades estéticas dos retalhos com a segurança oncológica e simplicidade de execução dos enxertos na reconstrução de defeitos cirúrgicos profundos na região da ponta e asa nasais, preservando sua funcionalidade e cosmética.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

José Antônio Jabur da Cunha | 0000-0002-5780-0653
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Lívia Zyman | 0000-0003-1782-3778
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Flavia Nunes Maruyama | 0000-0003-0876-0824
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.

Caroline Andrade Rocha | 0000-0002-0116-8548
Elaboração e redação do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Souza Filho MV, Kobig RN, Barros PB, Dibe MJA, Leal PRA. Reconstrução nasal: análise de 253 casos realizados no Instituto Nacional de Câncer. Rev Bras Cancerol. 2002;48(2):239-45.

2. Wollina U, Bennewitz A, Langner D. Basal cell carcinoma of the outer nose: overview on surgical techniques and analysis of 312 patients. J Cutan Aesthet Surg. 2014;7(3):143-50.

3. Moura BB, Signore FL, Buzzo TE, Watanabe LP, Fischler R, Freitas JOGD. Reconstrução nasal: análise de série de casos. Rev Bras Cir Plást. 2016;31(3):368-72.

4. Bradley KD, Wentzell JM. The "Drumhead" graft repair of deep nasal alar defects. Dermatol Surg. 2007;33(1):17-22.

5. Meyers S, Rohrer T, Grande D. Use of dermal grafts in reconstructing deep nasal defects and shaping the ala nasi. Dermatol Surg. 2001;27(3):300-5.

6. Adams DC, Ramsey ML. Grafts in dermatologic surgery: review and update on full-and split-thickness skin grafts, free cartilage grafts, and composite grafts. Dermatol Surg. 2005;31(8 Pt 2):1055-67.


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