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Relato de casos

Opções de reconstrução para fechamento de defeitos cirúrgicos nasais

Bárbara de Oliveira Martins; Juliana Câmara Mariz; Laura Franco Belga; Marcella Leal Novello D'Elia; Carlos Baptista Barcaui

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201243692

Data de recebimento: 26/08/2020
Data de aprovação: 04/03/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil


Abstract

O carcinoma basocelular é o câncer de pele não melanoma mais comum, sendo o nariz o local de maior ocorrência. O tratamento de primeira escolha é a excisão cirúrgica. Defeitos nasais são um desafio para os cirurgiões devido à dificuldade para manter a funcionalidade e o bom resultado estético. Ao planejar a reconstrução, deve-se considerar as características anatômicas do nariz e individualidades do paciente. Relatamos quatro casos com defeitos cirúrgicos localizados em topografias semelhantes, abordados com técnicas de fechamento diferentes - fechamento primário, retalho, enxerto e segunda intenção - com resultados igualmente satisfatórios dos pontos de vista estético e funcional.


Keywords: Carcinoma Basocelular; Nariz; Reconstrução; Retalhos Cirúrgicos; Transplante de Pele


INTRODUÇÃO

O câncer de pele não melanoma é a neoplasia mais comum no mundo e o carcinoma basocelular (CBC) é o mais frequente (75%), seguido pelo carcinoma espinocelular (20%) e melanoma (5%).1 Cabeça e pescoço são as regiões mais acometidas, mais comumente o nariz devido à exposição solar cumulativa. 2

Na abordagem de lesões malignas na face, o objetivo primordial é a realização da cirurgia com margens oncológicas livres visando à completa excisão tumoral - tratamento padrão-ouro. Em segundo plano, estão manutenção da funcionalidade e obtenção de bom resultado estético.1,2 No entanto, quando o defeito cirúrgico gerado está próximo a orifícios da cabeça e do pescoço, ressecção com margem de segurança e reconstrução geram maior dificuldade, exigindo conhecimento, experiência e criatividade por parte do cirurgião e, muitas vezes, a confecção de retalhos e enxertos.1

 

MÉTODOS

Caso 1 - Paciente masculino, 63 anos, lesão papulosa na asa nasal direita, realizada exérese e fechamento por segunda intenção (Figura 1).

Caso 2 - Paciente feminina, 64 anos, lesão nodular com área de ulceração entre a parede lateral do nariz e a asa nasal esquerda. Exérese e fechamento primário (Figura 2).

Caso 3 - Paciente masculino, 70 anos, lesão nodular ulcerada na lateral direita do nariz. Exérese e reconstrução com retalho de rotação (Figuras 3 e 4).

Caso 4 - Paciente masculino, 91 anos, lesão nodular ulcerada na lateral esquerda do nariz. Exérese e enxerto cutâneo com região infraclavicular como área doadora (Figuras 5 e 6).

Todos os casos eram clinicamente sugestivos de CBC, confirmados por meio de dermatoscopia por profissional experiente. Aplicada anestesia local com solução anestésica e realizada exérese das lesões com margens cirúrgicas de 4mm delimitadas por dermatoscopia. A sutura, quando realizada, foi feita com nylon 5-0. Procedimentos sem intercorrências no intra e pós-operatório.

 

DISCUSSÃO

O nariz tem importante função na estética facial.3 É a estrutura facial mais exposta ao sol e, portanto, a mais acometida por CBC. O CBC é neoplasia maligna das células germinativas foliculares, sem lesões precursoras descritas, cujos fatores de risco envolvem exposição à radiação ultravioleta, fototipos claros, história familiar positiva, efélides na infância, imunossupressão, exposição ao arsênio, cicatrizes e doenças hereditárias. A mortalidade pelo CBC é inferior a 0,1% - com taxa de cura superior a 90% quando excisado -, e metástases são raras.4

Os princípios gerais de reconstrução de defeitos cutâneos englobam características, comorbidades, preferências do paciente - o que deve ser bem estabelecido na consulta pré-operatória -, localização e dimensões do defeito.5,6 Outros aspectos que merecem atenção são uso de anticoagulante e tabagismo, pelo impacto negativo no processo cicatricial.5

Independentemente da localização ou do tamanho da lesão, no momento da cirurgia é preciso preparar toda a face, fornecendo ao cirurgião boa visualização e acesso caso seja necessário estender a incisão.5 De acordo com o National Comprehensive Cancer Network (NCCN), o plano terapêutico deve ser estabelecido a partir da estratificação de risco do CBC, cujos critérios incluem localização e tamanho da lesão, definição das bordas, se a lesão é primária ou recorrente, presença de imunossupressão, tratamento prévio com radioterapia no sítio da lesão, subtipo histológico e envolvimento perineural. No que se refere à excisão cirúrgica, para lesões consideradas de baixo risco, são preconizadas margens de 4mm; se alto risco, a recomendação é recorrer à cirurgia de Mohs ou, em caso de técnicas sem avaliação completa da margem do tumor, aconselha-se conhecimento da extensão subclínica do CBC, estabelecendo margens amplas, com avaliação destas no pós-operatório e fechamento primário ou tardio do defeito cirúrgico. Para ambos os casos, a radioterapia surge como opção em pacientes não candidatos à cirurgia, e a terapia sistêmica - Vismodegib e Sonidegib – é indicada para casos de alto risco, com doença avançada localmente em que a radioterapia ou cirurgia curativa não são viáveis.7

Quanto às lesões excisadas na região nasal, opções para reparo do defeito cirúrgico envolvem cicatrização por segunda intenção, fechamento primário, retalhos e enxerto cutâneo.6 A cicatrização por segunda intenção é subutilizada5,8, entretanto possui inúmeras vantagens, incluindo ótimos resultados estéticos, sendo os melhores quando em áreas côncavas do nariz e em lesões mais superficiais e menores que 2cm.5 Além disso, é útil para pacientes que não tolerariam procedimento reconstrutivo.5 As feridas cicatrizadas continuam a melhorar a aparência ao longo do tempo.8

O fechamento primário é mais utilizado para defeitos com até 1cm.2,9 Áreas nasais não sebáceas superiores são mais favoráveis devido à maior mobilidade. Dissecção ampla é crucial para aproximar as margens sob mínima tensão, além da sutura interna, quando necessário, a qual também reduz a tensão no fechamento da ferida. Devido a simplicidade, menores complicações e custos, o fechamento primário é muito empregado.2 Contudo, a pele do terço inferior do nariz possui mobilidade limitada e, portanto, o emprego do fechamento primário restringe-se a pequenos defeitos.2

Com relação aos retalhos, há três tipos básicos de movimento do tecido: transposição, avanço e rotação.6 O retalho de rotação pode reconstruir defeitos de 1 a 2cm no dorso e ponta nasais.2,10 Consiste em girar o tecido adjacente em torno de um eixo para fechar o defeito primário.6 Está entre os que apresentam melhores resultados. Recruta tegumento adjacente ao defeito, com propriedades clínicas (textura, espessura, cor) e histológicas (espessura dérmica, densidade de glândulas pilossebáceas) semelhantes. Assim, ele satisfaz ao princípio de Millard, segundo o qual “a pele mais próxima é a melhor pele” ou ao princípio de analogia de Gillies, que preconiza a substituição de um tecido por um equivalente oriundo de locais doadores vizinhos.11

Dentre os retalhos, vale destacar, ainda, os de interpolação: o subtipo paramediano frontal (indiano), com grande aplicabilidade para defeitos nasais amplos e profundos na região distal do nariz12,13,14, bem como o nasogeniano de interpolação, excelente opção para reconstrução da asa nasal. Apesar da necessidade de dois ou mais tempos operatórios, os resultados estético e funcional finais são satisfatórios.14

Se não projetado adequadamente, o retalho pode causar distorções anatômicas. São contraindicados se a neoplasia não for completamente excisada pelo risco de recorrência do tumor sob o retalho.6 As contraindicações relativas incluem risco de hemorragia e aspectos que podem predispor à má cicatrização de feridas.6,15

O enxerto de pele não é considerado substituto ideal para a pele nasal, principalmente para a pele espessa e sebácea de ponta, asa, paredes laterais inferiores ou dorso.2 Trata-se, porém, de solução rápida e simples em pacientes de risco cirúrgico elevado ou em lesões com alta probabilidade de recorrência.16 Recruta tecido à distância, favorecendo ocorrência de discromia, diferença de espessura da pele e irregularidade em sua superfície, além da possibilidade de retração, levando a resultados menos simétricos e inestéticos.12,16 As áreas doadoras mais utilizadas são a supraclavicular e retroauricular.16

 

CONCLUSÃO

Reconstruções de defeitos cirúrgicos no nariz trazem dificuldade em virtude dos contornos anatômicos únicos, importância funcional e estética dessa estrutura. A escolha da modalidade reconstrutiva dependerá da localização, do tamanho e da profundidade do defeito cirúrgico, além da experiência do cirurgião. Embora existam várias formas de reconstrução para defeitos nasais, cabe ao cirurgião a decisão de qual abordagem trará melhores resultados estéticos e funcionais, sendo a individualização do tratamento a melhor escolha.

Este trabalho contempla quatro casos de defeitos localizados em topografias semelhantes, mas que foram abordados com técnicas de fechamento diferentes, de acordo com as características locais da pele do paciente, culminando em resultados funcionais e estéticos satisfatórios.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Bárbara de Oliveira Martins | 0000-0002-6650-1719
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Juliana Câmara Mariz | 0000-0002-7292-1648
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Laura Franco Belga | 0000-0002-8355-4185
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Marcella Leal Novello D'Elia | 0000-0002-3575-5732
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Carlos Baptista Barcaui | 0000-0002-3303-3656
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

 

REFERÊNCIAS

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