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Relato de caso

Carcinoma basocelular na face de adolescente não sindrômico: de raridade para uma nova realidade?

Karina Bittencourt Medeiros; Guilherme Athanasio Shwetz; Graziela Junges Crescente Rastelli

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241463

Data de recebimento: 13/07/2020
Data de aprovação: 20/10/2020
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba (PR), Brasil


Abstract

O aumento na incidência do carcinoma basocelular (CBC) atinge todas as faixas etárias, incluindo jovens abaixo dos 20 anos. Por ser pouco lembrado nesse grupo de pacientes, o atraso no diagnóstico e o tratamento tardio da neoplasia podem ser mais comuns. Assim como para outras faixas etárias, a exposição excessiva à radiação ultravioleta é o principal fator de risco associado, porém fatores genéticos também podem estar envolvidos nos casos não sindrômicos. Descreve-se um caso de CBC na face de um adolescente, tratado com cirurgia micrográfica de Mohs.


Keywords: Adolescente; Carcinoma Basocelular; Cirurgia de Mohs; Epidemiologia; Radiação Solar


INTRODUÇÃO

O carcinoma basocelular (CBC) é a neoplasia maligna mais comum em humanos, e sua incidência está aumentando nas últimas décadas. No Brasil, o câncer de pele não melanoma representa 30% de todos os tumores malignos registrados, com uma estimativa de aproximadamente 176 mil novos casos para o ano de 2020.1 Apesar das baixas taxas de mortalidade, o tumor pode apresentar comportamento invasivo local e recidivas após o tratamento, provocando importante morbidade. Exposição à radiação ultravioleta representa o principal fator de risco ambiental associado à sua gênese. Outros fatores também estão relacionados, como fototipos claros, idade avançada, história familiar de carcinomas de pele e imunossupressão, além de aspectos comportamentais, como exercício profissional exposto ao sol, atividade rural e queimaduras solares na juventude.2,3,4

Este artigo relata um caso de carcinoma basocelular em um adolescente, enfatizando a importância do seu diagnóstico em idades precoces.

 

RELATO DO CASO

Paciente masculino de 16 anos refere lesão na face há dois anos com crescimento progressivo. Fez tratamento prévio da lesão, como acne nodular, com medicações tópicas. Sem histórico pessoal de exposição solar contínua e não se recordava de exposição aguda intensa prévia. Não apresentava histórico familiar de neoplasias cutâneas.

Ao exame físico, era fototipo II e apresentava placa perlácea de 1,5cm de diâmetro, em região malar esquerda, infiltrada, bem delimitada (Figura 1) e ulcerada. À dermatoscopia, observavam-se vasos arboriformes em toda a superfície da lesão, estruturas brancas brilhantes e ulceração (Figura 2). Observava-se também acne vulgar grau II na face. Paciente não apresentava nenhuma outra alteração clínica, como pitting palmoplantar, hipertelorismo mamário, alteração do diâmetro torácico e proeminência óssea frontal. Tomografia de crânio e radiografia panorâmica da face, de arcada dentária, arcos costais e tórax não mostraram alterações.

Após biópsia de pele, comprovou-se ser carcinoma basocelular subtipo sólido cordonal, padrão de crescimento infiltrativo, invadindo até a derme reticular profunda (Figura 3). Paciente foi submetido à exérese cirúrgica por cirurgia micrográfica de Mohs, com margens livres no primeiro estágio e fechamento por retalho de deslizamento (Figura 4), com boa evolução e bom resultado estético após seis meses de evolução (Figura 5).

 

DISCUSSÃO

Há um consenso de que a incidência de CBC é crescente, tanto em idosos quanto em pacientes jovens não sindrômicos. Indivíduos com menos de 40 anos já equivalem a mais de 5% dos diagnósticos2, e as hipóteses para esse fenômeno não estão elucidadas.

Maior exposição cumulativa à radiação ultravioleta, tempo disponível para o lazer e exposição solar sem proteção, cultura da pele bronzeada, depleção da camada de ozônio (2% nos últimos 20 anos), herança étnica e tipo de pele (fototipos I e II, por exemplo) são, provavelmente, os fatores que mais contribuem para o aumento de incidência de CBC.2,3,4

Pacientes jovens apresentam mais lesões no tronco, de subtipo superficial, que se associam mais a esse tipo de exposição.5 O hábito de tomar banhos de sol está ligado a um risco cinco vezes maior de desenvolvimento de CBCs no tronco.2,5 O paciente relatado apresentava lesão na face, subtipo sólido cordonal, diferente do perfil do jovem descrito na literatura.

Fatores genéticos estão associados ao seu surgimento em jovens, principalmente entre os casos sindrômicos, como xeroderma pigmentoso e síndrome do nevo basocelular. Casos esporádicos também se originam de alterações genéticas. É descrito que entre 30% e 75% dos casos esporádicos estão associados à mutação do gene patched hedgehog, porém outras alterações genéticas são ainda descritas.4,5

Há uma teoria de que a camada de sebo atuaria como uma barreira para os raios ultravioleta protegendo a pele e prevenindo o surgimento de CBC, portanto peles oleosas e com tendência à acne estariam mais protegidas e com menor incidência de CBC.6 Essa teoria não se enquadra nesse caso, pois o paciente relatado apresentava pele oleosa e acne, o que pode ter confundido o médico clínico-geral e o próprio paciente, retardando o diagnóstico.

Os homens são mais acometidos que as mulheres numa proporção de 2:1 e com maior número de lesões, provavelmente pela maior exposição solar.4

 

CONCLUSÕES

O crescimento na incidência deste câncer na população mais jovem pode significar o crescimento em todos os grupos etários, especialmente a sua ocorrência na futura população idosa, pois indivíduos com história de CBC têm risco aumentado de surgimento de outro. Em cinco anos, aproximadamente 40% dos pacientes terão uma outra lesão de CBC.7

Por ser cada vez mais comum, é importante aventar esse diagnóstico nas faixas etárias mais baixas evitando-se atrasos no diagnóstico, como o ocorrido com o paciente que tratou por dois anos a lesão de face como acne. É importante instituir cuidados preventivos de proteção solar desde a infância precoce, pois são fundamentais para reduzir o risco futuro de desenvolver CBC.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Karina Bittencourt Medeiros | 0000-0001-8202-6711
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Guilherme Athanasio Shwetz | 0000-0003-2157-6116
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.

Graziela Junges Crescente Rastelli | 0000-0002-4235-1410
Obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa.

 

REFERÊNCIAS

1. Inca.gov.br [Internet]. Câncer de pele não melanoma - 2018 [Accessed in 15 de março de 2020]. Available from: http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/pele_nao_melanoma.

2. Miot HA, Chinem VP. Epidemiologia do carcinoma basocelular. An Bras Dermatol. 2011;86(2):292-305.

3. Rubin AI, Chen EH, Ratner D. Basal-Cell Carcinoma. N Engl J Med. 2005;353(21):2262-9.

4. Roewert-Huber J, Lange-Asschenfeldt B, Stockfleth E, Kerl H . Epidemiology and aetiology of basal cell carcinoma. Br J Dermatol. 2007;157(2):47-51.

5. Lovatt TJ, Lear JT, Bastrilles J, Wong C, Griffiths CE, Samarasinghe V. et al. Associations between ultraviolet radiation, basal cell carcinoma site and histology, host characteristics, and rate of development of further tumors. J Am Acad Dermatol. 2005;52(3):468-73.

6. Friedman-Birnbaum R, Linn S, Eidlitz-Markus T, Harth Y, Cohen E. Seborrheic skin and acne vulgaris as protective factors against the development of basal cell epithelioma. Dermatologica. 1991;183(3):160-3.

7. Wehner MR, Linos E, Parvataneni R, Stuart SE, Boscardin WJ, Chren MM. Timing of subsequent new tumors in patients who present with basal cell carcinoma or cutaneous squamous cell carcinoma. JAMA Dermatol. 2015;151(4):382-8.


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