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Artigo Original

Avaliação pré-clínica dos efeitos profiláticos do extrato de Pinus pinaster (Pycnogenol®) sobre a deposição cutânea de hemossiderina

Brenno Augusto Seabra de Mello Netto1,2; José Marcelo Corassa2; Gustavo Facchini3; Michelle Sabrina da Silva3; Ana Lúcia Tabarini Alves Pinheiro3; Samara Eberlin3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191121319

Data de recebimento: 08/02/2019
Data de aprovação: 10/06/2019
Trabalho realizado no Grupo Kosmoscience, Campinas (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: FQM Farmoquímica S/A
Conflito de interesse: Estudo patrocinado pela FQM Farmoquimica S/A, porém a metodologia, execução e análise dos resultados obtidos foram realizadas pelos investigadores da pesquisa, sem qualquer interferência da indústria farmacêutica


Abstract

INTRODUÇÃO: A escleroterapia é o método mais utilizado para o tratamento de varizes dos membros inferiores tendo como complicação mais comum o aparecimento de manchas hipercrômicas na região tratada. O Pycnogenol® é conhecido há muito tempo como um flebotônico, anti-inflamatório e despigmentante da pele. Estudos já comprovaram a eficácia deste fármaco na prevenção e no tratamento da hiperpigmentação pós-inflamatória.
OBJETIVO: Avaliar a eficácia do extrato de Pinus pinaster (Pycnogenol®; EPP) na prevenção de depósitos de hemossiderina em cultura de pele humana submetida a estresse inflamatório.
MÉTODOS: Fragmentos de pele humana foram estimulados com interleucina 1 alfa (IL-1α) para indução de uma resposta inflamatória e, concomitantemente, tratados com EPP para posterior avaliação histológica e semi-quantificação de hemossiderina.
RESULTADOS: A avaliação histológica dos fragmentos de pele expostos à IL-1αlfa; revelaram uma densidade de hemossiderina 26,6% maior em comparação ao grupo controle. Por outro lado, os fragmentos de pele incubados concomitantemente com EPP mostraram reduções significativas na deposição de hemossiderina quando comparados ao grupo somente expostos ao microambiente inflamatório.
CONCLUSÕES: Os resultados apresentados neste estudo apontam para um importante efeito do EPP (Pycnogenol®) na prevenção do acúmulo de hemossiderina originado pelo estresse inflamatório semelhante ao processo pós escleroterapia.


Keywords: Hemossiderina; Hiperpigmentação; Escleroterapia


INTRODUÇÃO

A insuficiência venosa crônica (IVC) é a mais prevalente das doenças venosas, com dados nacionais mostrando taxas que variam de 35 a 50% da população.1 No século XX, várias teorias foram propostas em relação à etiologia e à fisiopatologia da IVC, sendo mais discutido o que se refere à hipertensão arterial secundária a refluxo e/ou obstrução no sistema venoso. Essas anormalidades podem apresentar características que vão desde telangiectasias a condições mais severas, como flebites e úlceras (CEAP C0 a C6) .2

A escleroterapia é o tratamento mais amplamente realizado no mundo para a doença varicosa em todos os seus estágios. O conhecimento da técnica e dos efeitos colaterais de cada substância pode otimizar os resultados. No entanto, cada tratamento apresenta uma série de complicações, principalmente quando do uso de microespuma para o tratamento de veias de maior calibre.3

O desenvolvimento de manchas hipercrômicas pós-escleroterapia pode ocorrer devido a dois fatores principais: depósito de hemossiderina e pigmentação pós-inflamatória. A hemossiderina é um pigmento encontrado na derme que resulta do extravasamento de hemácias de vasos tratados e também da reação inflamatória gerada pela presença excessiva de ferro e formação de radicais livres. Esse pigmento apresenta uma coloração ocre de difícil remoção.4-5 A hiperpigmentação pós-inflamatória ocorre em função da reação melanocítica à presença de íons metálicos, como ferro e cininas inflamatórias, como interleucina 1 (IL-1), IL-6 e fator de transcrição nuclear kappa B (NFkB), principalmente em pacientes com fototipo mais elevado ou melasma.6

A maioria dessas manchas progride para branqueamento espontâneo em até seis meses; no entanto, cerca de 2% destas manchas permanecem por mais de um ano. O tratamento precoce pode favorecer a resolução e prevenir sua cronificação, o que gera grande ansiedade ao paciente, que responsabilizará o médico pelo dano causado.7

Pycnogenol® (FQM Famoquímica S/A, Rio de janeiro, Brasil) é um extrato padronizado obtido da casca do pinheiro marítimo francês (Pinus pinaster), rico em procianidinas. Essa substância tem ações antioxidante e anti-inflamatória comprovadas, atuando na redução do edema de membros inferiores, melhora dos sintomas relacionados à IVC, redução da melanogênese e, consequentemente, redução da hiperpigmentação pós-inflamatória.8-9

Este estudo teve como objetivo avaliar a eficácia de um extrato de Pinus pinaster (Pycnogenol®) na prevenção de depósitos de hemossiderina em cultura de pele humana submetida ao estresse inflamatório.

 

MÉTODOS

O extrato seco de Pinus pinaster (EPP) foi fornecido pela FQM Farmoquímica S/A, Rio de Janeiro, Brasil (Flebon® 50mg), que contém: Pycnogenol®, amido de milho, alfa-celulose, sílica (dióxido de silício), estearato de magnésio, carboximetilcelulose de sódio, lauril sulfato de sódio e carboximetilamido de sódio.

Para realização desse estudo, foram utilizados fragmentos de pele humana provenientes de um indivíduo sadio, do sexo feminino, fototipo II, 54 anos, submetido à cirurgia plástica eletiva na região abdominal (abdominoplastia). Após o procedimento cirúrgico, os fragmentos de pele foram coletados em frascos plásticos contendo 0,9% de solução salina e mantidos em refrigeração por até 24 horas. Os fragmentos foram fracionados em pedaços de aproximadamente 2cm2, pesados, incubados em placa de 24 poços (Nunc, Denmark) com meio DMEM (Dulbecco’s Modified Eagle’s Medium; Corning, USA) contendo glicose, L-glutamina, penicilina, estreptomicina e soro bovino fetal (Thermo Fisher Scientific, USA).

As concentrações de EPP avaliadas neste estudo foram de 0,100, 0,0316 e 0,0100mg/mL, determinadas previamente pelo ensaio de viabilidade celular (ensaio de MTT - brometo de 3-(4,5-dimetil-2-tiazolil)-2, 5-difenil-2H-tetrazólio). Para indução de um ambiente inflamatório, as culturas foram concomitantemente estimuladas com interleucina-1 alfa (IL-1α; 10ng/ mL; BioLegend, USA) por um período de 48 horas.

Após o tratamento e aplicação do estresse inflamatório, os fragmentos de pele foram fixados em paraformaldeído por 24 horas e crioprotegidos em solução de sacarose por 72 horas. Em seguida, cortes seriados de 10µm foram coletados diretamente em lâminas silanizadas com o auxílio de Criostato (Leica Microsystems, Germany) e corados com a técnica de Perls’ Prussian Blue.10 Para uma melhor visualização dos cortes foi realizada uma contracoloração utilizando-se uma solução aquosa contendo 0,1% de safranina e 1% de ácido acético glacial. A presença de hemossiderina foi avaliada em microscópio óptico (BX53, Olympus Corporation, Shinjuku, Tóquio, Japão) usando o software cellSens Standard (© 2010, Olympus Corporation). Após a obtenção das imagens, a hemossiderina foi semiquantificada (unidades arbitrárias - AU) com o software ImageJ (versão 1.49V, National Institutes of Health, Bethesda, MD, EUA). As imagens foram divididas nos canais azul, vermelho e verde, e as imagens do canal azul foram binarizadas para quantificação de pixels.

O uso de fragmentos de pele humana em cirurgias eletivas para este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade São Francisco (SP).

A análise estatística foi realizada pelo teste ANOVA (GraphPad Prism v6) para mensurar a variação dos resultados, comparando-se os dados entre todos os grupos. Também aplicamos o pós-teste de Bonferroni, que fortaleceu e tornou os resultados mais precisos. A significância estatística foi considerada como P<0,05. Os dados foram expressos como média+desvio-padrão.

 

RESULTADOS

A figura 1 representa a curva de viabilidade celular para o EPP. O produto apresentou concentrações não citotóxicas a partir de 0,100mg/mL.

A figura 2 representa a avaliação histológica de hemossiderina pela técnica Perls’ Prussian Blue em fragmentos de pele humana obtidos de cirurgia plástica eletiva, incubados com EPP e submetidos ao estresse inflamatório com IL-1α. A figura 3 representa a semiquantificação desse pigmento.

Conforme podemos observar, os fragmentos de pele expostos à IL-1α apresentam uma densidade de hemossiderina 26,6% maior em comparação ao grupo controle (P<0,001; Figura 3). No entanto, os fragmentos de pele incubados com EPP e expostos ao microambiente inflamatório mostram reduções significativas na deposição de hemossiderina quando comparados ao grupo somente exposto à IL-1α. As reduções observadas foram de 24,55; 26,39 e 25,93%, respectivamente, nas concentrações de 0,100; 0,0316 e 0,0100mg/mL de EPP (P<0,001; Figura 3).

 

DISCUSSÃO

A escolha do método terapêutico para o tratamento da doença varicosa deve ser realizada com base no grau de acometimento e características do paciente, tais como fototipo de pele e uso de medicações concomitantes, que podem predispor a formação de manchas cutâneas ou agravá-las. Todavia, uma vez que a hipercromia se instala, o tempo de evolução deve ser respeitado, pois na maioria das vezes ocorre uma resolução espontânea dentro de seis meses.7

Quando o desfecho é desfavorável, é comum observarmos um cenário com algum grau de fragilidade e angústia, uma vez que a presença de manchas pós-escleroterapia aumenta o grau de expectativas estéticas e fatores emocionais. Portanto, durante a abordagem terapêutica à hipercromia, é de suma importância estabelecer uma ligação longitudinal com o paciente, que frequentemente apresentará uma necessidade premente de resultado. Discutir a duração, indicações e limitações de cada método proposto traz clareza e confiança, com maior adesão ao tratamento e possibilidade de resultados satisfatórios.7

Durante a escleroterapia, pode ocorrer uma lesão endotelial com exposição de fibras de colágeno subendoteliais, causando agregação plaquetária e liberação de fatores quimiotáticos. Consequentemente, ocorre trombose do vaso e o coágulo formado leva à proliferação de fibroblastos e à organização fibrótica. Hematomas cutâneos são originados do extravasamento de sangue para o tecido conjuntivo circundante com ativação da resposta inflamatória e migração de células especializadas para o local afetado. A área é primeiramente infiltrada com granulócitos neutrofílicos e depois com macrófagos, sendo estes últimos responsáveis pela fagocitose dos resíduos eritrocitários, particularmente hemossiderina, que são detectados pelo método específico Perls’ Prussian Blue.10

Estudos preliminares realizados pelo nosso grupo demonstraram os efeitos do Pycnogenol® na prevenção da melanogênese usando fragmentos de pele humana expostos às radiações ultravioleta A e B, infravermelha A e luz visível, corroborando o benefício clareador após exposição solar.11 Resultados similares foram observados por Kim (2008) que ressaltou que o Pycnogenol® apresenta um efeito antimelanogênico, inibindo a atividade da enzima tirosinase envolvida na produção de melanina por meio de mecanismos que englobam a supressão de radicais livres e a regulação positiva em células B16.12

O Pycnogenol® e sua ação na microcirculação foram exaltados por Fitzpatrick et al (1998) e, posteriormente, por Belcaro et al. (2016). Ambos os autores demonstraram que o extrato provoca uma prevalência significativa de oxigênio na derme, além de reduzir a presença de dióxido de carbono. Destacaram também o efeito estimulante da função endotelial resultante da síntese prolongada do óxido nítrico endotelial.13-14

Bascones et al (2006) observaram que o tratamento de fibroblastos humanos com 0,100mg/mL de EPP resultou na inibição de danos causados pelo estresse oxidativo. Além disso, esse extrato demonstrou uma regulação da expressão de metaloproteinases de matriz e da síntese de pró-colágeno tipo I por inibição da proteína ativadora 1 (AP-1), um fator de transcrição que responde a estímulos inflamatórios.15

O presente estudo foi realizado com o objetivo de investigar os efeitos do extrato seco de Pinus pinaster (EPP) sobre a deposição de hemossiderina utilizando um modelo ex vivo de cultura de pele humana. Foram investigados parâmetros histológicos em explantes de pele tratados com EPP e estimulados concomitantemente com interleucina 1 alfa (IL-1α) para indução de microambiente inflamatório.

Nossos resultados demonstraram um aumento significativo na coloração de hemossiderina no grupo exposto apenas à IL-1α. Entretanto, os fragmentos de pele tratados com EPP apresentaram coloração de hemossiderina semelhante à observada no grupo controle basal. Nossos resultados estão em acordo com dados da literatura que relatam ações antioxidante e anti-inflamatória do extrato de Pinus pinaster em modelos de investigação in vitro.15

Até o presente momento, nenhum trabalho demonstrou a atividade do extrato de Pinus pinaster na deposição de hemossiderina cutânea. Assim, fornecemos dados originais sobre a eficácia de EPP na prevenção de depósitos de hemossiderina em cultura de pele humana submetida a estresse inflamatório, semelhante ao ambiente criado após a escleroterapia.

 

CONCLUSÕES

Os resultados apresentados neste estudo apontam para um importante efeito do extrato de Pinus pinaster (Pycnogenol®) na prevenção do acúmulo de hemossiderina originado pelo estresse inflamatório semelhante ao processo pós-escleroterapia. Embora estudos adicionais sejam necessários para comprovar a atividade profilática na hiperpigmentação local, o uso do extrato de Pinus pinaster (Pycnogenol®) pode ser considerado como uma opção promissora, diferenciando-a das demais substâncias atualmente disponíveis.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Brenno Augusto Seabra de Mello Netto | ORCID 0000-0002-0345-4126

Revisão crítica da literatura

José Marcelo Corassa | ORCID 0000-0002-8732-888X

Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura

Gustavo Facchini | ORCID 0000-0003-0111-7596

Análise estatística, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados

Michelle Sabrina da Silva | ORCID 0000-0001-6684-970X Obtenção, análise e interpretação dos dados

Ana Lúcia Tabarini Alves Pinheiro | ORCID 0000-0002-0226-2544 Concepção e planejamento do estudo

Samara Eberlin | ORCID 0000-0001-7001-801X

Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Revisão crítica do manuscrito

 

REFERÊNCIAS

1. Maffei FHA, Magaldi C, Pinho SZ, Lastoria S, Pinho W, Yoshida WB, et al. Varicose veis and chronic venous insufficiency in Brazil: prevalence among 1755 inhabitants of a country town. Int J Epidemiol. 1986;15(2):210-7.

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10. Kostadinova-Petrova I, Mitevska E, Janeska B. Histological Characteristics of Bruises with Different Age. Maced J Med Sci. 2017;5(7):813-7

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