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Artigos de revisão com notas técnicas do autor

Criolipolise - revisão da literatura, relato e análise de complicações

Sandra Tagliolatto1; Aldo Toschi2; Tania Maria Henneberg Benemond1,3; Suzana Lu Chen Wu3; Vania Marta Figueiredo Yokomizo1,3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2017941111

Data de recebimento: 20/11/2017
Data de aprovação: 13/12/2017
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

Abstract

A criolipólise é tratamento mundialmente propagado como eficaz e seguro na redução da gordura localizada corporal. Foi realizada revisão da literatura atual sobre o assunto, incluindo na abordagem suas possíveis complicações


Keywords: crioterapia; tecido adiposo; terapêutica


INTRODUÇÃO

A criolipólise é o resfriamento não invasivo das células de gordura para induzir a lipólise sem danificar outros tipos de tecido.1,2

 

HISTÓRIA

Os estudos se iniciaram em 1997, a partir do relato de casos clínicos que demonstravam a possibilidade de diminuição da camada de gordura se a região fosse submetida a baixas temperaturas. O primeiro relato mostrava a diminuição de gordura na região das bochechas de crianças que consumiam picolés (popsicle panniculitis), e o segundo trabalho demonstrou o mesmo efeito, na região das coxas de pessoas que cavalgavam em temperaturas muito baixas (equestrian cold panniculitis).3-5

O mecanismo se baseia, portanto, na ideia de que o resfriamento desencadeia a morte natural das células de gordura, ou seja, a apoptose, que é processo considerado natural, ordenado e gradual, em que a membrana celular permanece intacta e há ausência de resposta de cicatrização.1

Os primeiros estudos conseguiram evidenciar a redução da camada adiposa em modelo animal. Foi demonstrada a diminuição da espessura da camada de gordura em pele de porco, 90 dias após o procedimento de criolipólise.5,6

Também importante é o conceito da criolipólise seletiva: as células de gordura são mais suscetíveis ao frio do que as células da pele, dos nervos ou dos músculos. Portanto o procedimento poderá ser realizado para eliminação das células de gordura sem comprometer os tecidos adjacentes.1,2

Em 2010, o FDA aprovou o equipamento de criolipólise (CoolSculpting® – ZELTIQ Aesthetics Inc. – Pleasanton – CA-USA) para redução de gordura dos flancos e abdômen. Ao longo dos anos o procedimento foi aprovado também para outras áreas corporais.1,7

Com o tempo, diversos aparelhos, de diferentes empresas e nacionalidades, surgiram no mercado. Todas se assemelham, e os equipamentos possuem em regra um aplicador côncavo, com duas placas de resfriamento, para onde a gordura é sugada e submetida a baixa temperatura, por período de tempo definido, a fim de ocorrer, em última instância, a lipólise. Algumas máquinas, hoje em dia, apresentam a possibilidade de tratamentos de duas áreas ao mesmo tempo.

Vale ressaltar que apenas as máquinas certificadas como seguras para a aplicação da criolipólise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) podem ser comercializadas no Brasil.

 

O EQUIPAMENTO

O tecido a ser tratado é sugado por vácuo moderado para dentro da cavidade do aplicador, ficando em contato com as duas placas de resfriamento.

Na maioria dos aparelhos, a temperatura é modulada por elementos termoelétricos e controlada por sensores que monitoram a temperatura do tecido durante todo o tratamento, com duração de cerca de 60 minutos.1,7

 

TÉCNICA DE APLICAÇÃO

Para todos os equipamentos a técnica se assemelha, sendo necessário o uso da manta de proteção sobre a pele antes da colocação da ponteira. Ao fim do ciclo, logo após a retirada do aplicador, deve-se massagear a área por dois minutos, prática que tem impacto direto no resultado final.1

O procedimento está indicado para o tratamento de acúmulos de gordura localizada, bem definidos e com limites visíveis, em quantidade suficiente para preencher a cavidade do aplicador do aparelho. É necessária presença de prega de pelo menos 2,5cm no adipômetro, e a pele sobrejacente deve estar íntegra.8

As áreas mais comuns de tratamento são o abdômen superior e inferior, os flancos e os acúmulos de gordura no dorso. Entretanto, com o passar do tempo, as regiões de aplicação têm sido ampliadas com o desenvolvimento de novas ponteiras, como as utilizadas na face interna da coxa, no culote, braços e papada.

Para alcançar os resultados desejados, deve ser realizada uma avaliação global de todas as áreas potenciais para o tratamento. O plano de tratamento poderá contemplar vários ciclos e sessões em uma determinada região.1

Essa abordagem possibilita tratar pacientes com maiores depósitos de gordura e leva a resultados mais satisfatórios

O número de ciclos de tratamento depende do volume da região, porém a mesma área só poderá ser submetida a nova sessão de tratamento após oito semanas, tempo necessário para resolução do processo inflamatório.

É importante informar aos pacientes que os resultados demoram de dois a três meses para serem observados, tempo necessário para ocorrer a eliminação dos lipídios por fagocitose dos macrófagos.1,8,9

 

CONTRAINDICAÇÕES

A tecnologia está contraindicada: em pacientes com diagnóstico de doenças relacionadas ao frio, como crioglobulinemia, hemoglobinúria paroxística ao frio, urticária ao frio e fenômeno de Raynaud. Também se deve evitar a realização da criolipólise em pacientes com hérnia na área de tratamento, em gestantes e se na região-alvo, forem visualizadas cicatrizes ou infecções. 1,6

 

EFEITOS ADVERSOS

São relatados poucos efeitos adversos com relação ao uso da técnica, quando executada corretamente (prega cutânea compatível, pacientes não apresentando as contraindicações relatadas acima, uso da manta protetora, massagem pós procedimento1

Estudos demonstraram que não ocorrem mudanças nas dosagens de colesterol, triglicérides ou de função hepática, e nenhuma alteração sensorial duradoura foi observada.10-12

Os efeitos adversos mais frequentemente relatados foram dor leve a moderada e alterações sensoriais, que podem persistir durante até duas a três semanas. Eritema e hematoma podem ocorrer pela sucção da ponteira. Edema na região do tratamento pode persistir durante até quatro semanas.8

Foram relatadas cólicas e espasmos musculares.

Mais raramente pode ocorrer perda prolongada da sensibilidade (três a seis semanas).

Com prevalência de 0,1% é relatada dor de forte intensidade, de início tardio,7 14 dias após o procedimento, com duração de até 20 dias.

Também há relatos de lipotimia durante a execução do tratamento.1

A hipertrofia paradoxal da gordura tem sido descrita com frequência estimada em 0,0051%. O início ocorre geralmente dois a três meses após o tratamento. Há redução inicial do volume na área tratada,seguida de aumento de volume, que se estabiliza cinco meses após o tratamento, levando a uma protuberância no local com a forma do aplicador. A pele se mantém normal em aparência, mas com textura endurecida e “borrachoide” (Figuras 1 A e B). Não foram ainda identificadas características comuns nos casos, havendo relatos de ocorrência em flancos, abdômen e dorso superior, sendo a maior incidência no sexo masculino. Na histopatologia se observam áreas com adipócitos desorganizados com variação em forma e tamanho, espessamento dos septos fibrosos entre os lóbulos de gordura e aumento de vascularização. Embora a causa ainda não esteja esclarecida, várias hipóteses etiopatogênicas vêm sendo aventadas: hipertrofia de adipócitos preexistentes, recrutamento de populações de pré-adipócitos e/ou células-tronco, alteração na expressão de receptores ou fatores associados ao metabolismo de adipócitos, danos associados à hipóxia. A hipóxia leva a liberação de fatores que vão desencadear a cascata da angiogênese, e com isso o aumento de capilares e talvez a hiperplasia da gordura. O espessamento dos septos é decorrente da fibrose reativa devido ao dano no adipócito.1,9,12-14 (Figuras 2 A, B, C e D)

 

RESULTADOS

O índice de satisfação com a criolipólise é maior do que com outras tecnologias não invasivas para o tratamento da gordura localizada.

Estudos clínicos demonstram redução de aproximadamente 25% na espessura da camada adiposa após um ciclo de tratamento.1,9,13,14

Abordagem do tema pelo Grupo de Estudos em Tecido Subcutâneo

Na Sociedade Brasileira de Dermatologia, Regional São Paulo (SBD-Resp), atuam diversos grupos de estudos compostos por associados com interesses específicos, entre eles o “Grupo de Estudos emTecido Subcutâneo”, cujos membros, elaboraram esta publicação, emitindo a seguir, algumas considerações a respeito do tratamento da gordura localizada com a criolipolise

A lipoaspiração e suas variações, como a laserlipólise apresentam resultados mais satisfatórios na redução da gordura localizada, quando comparadas às tecnologias não invasivas; e, se realizadas de maneira adequada, sob a anestesia tumescente de Klein, oferecem poucos riscos e efeitos adversos.

Pode-se considerar, porém, que em termos de equipamentos que operam de maneira não invasiva no tratamento dos depósitos de gordura, a criolipólise aparenta ser o mecanismo de melhor desempenho até o momento.

Deve-se salientar, entretanto, que embora a criolipólise seja classificada como tratamento não invasivo, efeitos adversos podem ocorrer, principalmente quando se utilizam equipamentos não adequados e/ou quando profissionais não habilitados realizam a técnica, em especial sem seguir as regras de segurança, como o uso da manta de proteção, como exemplo.

A banalização do método é um fator preocupante, visto que boas máquinas demandam maior investimento. Existe também a necessidade do acompanhamento médico, pois possíveis efeitos colaterais como os acima relatados podem ocorrer, fato esse, muitas vezes, negligenciado.

Possivelmente as ocorrências de queimaduras na pele e tecido subcutâneo que são relatadas parecem ser devidas à má aplicação da técnica e não demonstram decorrer do método em si, visto que na literatura médica não são referidas como efeitos adversos. (Figuras 3 A e B)

Outro fato a ser discutido é a necessidade da realização de múltiplas sessões (na mesma região ou em áreas contiguas) para a potencialização de resultados, porém o aumento do custo da terapia pode inviabilizar o método, comprometendo o resultado final, principalmente se a máquina a ser utilizada requerer a utilização de “consumíveis”.

Enfim, o Grupo de Estudos em Tecido Subcutâneo da SBD-Resp classifica essa tecnologia como eficaz no tratamento da gordura localizada, porém faz ressalvas em relação às reais expectativas quanto aos resultados. Salienta que a metodologia vigente propõe a aplicação do método em diversas regiões para obtenção de melhores resultados, encarecendo o procedimento e muitas vezes inviabilizando a possibilidade de seu uso da melhor maneira possível, com impacto direto no resultado final.

O grupo também considera a criolipólise segura, mas ressalta o fato de que a técnica deve ser rigorosamente seguida, tanto na indicação (prega cutânea mínima, pacientes não apresentando doenças relacionadas ao frio, hérnias ou outras condições que inviabilizem o método) quanto na execução do procedimento (uso da manta de proteção, por exemplo). Por último, enfatiza que se trata de intervenção que, embora pouco frequente, pode ser passível de efeitos adversos e, portanto, faz-se necessária a presença de médico na indicação, execução e acompanhamento do tratamento.

 

PARTICIPAÇÃO DOS AUTORES:

Sandra Tagliolatto

Peesquisa bibliográfica, elaboração do texto, organização do artigo e fotos, submissão do mesmo.

Aldo Toschi

Elaborou o texto sobre a abordagem do tema pelo grupo de estudos do tecido subcutâneo.

Tania Maria Henneberg Benemond

Realizou sugestões na elaboração do texto.

Suzana Lu Chen Wu

Concedeu fotos clínicas e histopatológicas sobre as complicações do método (hiperplasia paradoxal e queimadura).

Vania Marta Figueiredo Yokomizo

Realizou sugestões na elaboração do texto.

 

REFERÊNCIAS

1. Krueger N, Mai SV, Luebberding S, Sadick NS. Cryolipolysis for noninvasive body contouring: clinical efficacy and patient satisfaction. Clin Cosmet Investig Dermatol. 2014; 7: 201-5.

2. Avram MM, Harry RS. Cryolipolysis for subcutaneous fat layer reduction. Lasers Surg Med. 2009; 41(10):703-8.

3. Epstein EH Jr, Oren ME. Popsicle panniculitis. N Engl J Med 1970;282(17):966-967

4. Beacham BE,Cooper PH, Buchanan CS, Weary PE. Equestrian cold panniculitis in women. Arch Dermatol. 1980; 116(9):1025-7

5. Manstein D, Laubach H, Watanabe K, Anderson RR (2008) A novel cryotherapy method of non-invasive, selective lipolysis. Lasers Surgery Med Suppl 40(S20): 104 11/08

6. Zelickson B, Egbert BM, Preciado J, Allison J, Springer K, Rhoades RW, et al. Cryolipolysis for noninvasive fat cell destruction: initial results from a pig model. Dermatol Surg. 2009;35(10):1462-70.

7. Jalian HR, Avram MM, Garibyan L, Mihm MC, Anderson RR. Paradoxical adipose hyperplasia after cryolipolysis. JAMA Dermatol. 2014; 150(3): 317-19

8. Nelson AA, Wasserman D, Avram MM. Cryolipolysis for reduction of excess adipose tissue. Semin Cutan Med Surg. 2009;28(4): 244-9

9. Garibyan L, Sipprell WH 3rd, Jalian HR, Sakamoto FH, Avram M, Anderson RR. Three-dimensional volumetric quantification of fat loss following cryolipolysis. Lasers Surg Med. 2014;46(2):75-80

10. Klein KB, Zelickson B, Riopelle JG, Okamoto E, Bachelor EP, Harry RS, et al. Non-invasive cryolipolysis for subcutaneous fat reduction does not affect serum lipid levels or liver function tests. Lasers Surg Med. 2009;41(10):785-90

11. Klein KB1, Zelickson B, Riopelle JG, Okamoto E, Bachelor EP, Harry RS, Preciado JA. Non-invasive cryolipolysis for subcutaneous fat reduction does not affect serum lipid levels or liver function tests.

12. Coleman SR, Sachdeva K, Egbert BM, Preciado J, Allison J. Clinicl efficacy of non-invasive cryolipolysis and its effects on peripheral nerves. Aesthetic Plast Surg. 2009; 33(4):482-8

13. Dierickx CC, Mazer JM, Sand M, Koenig S, Arigon V. Safety, tolerance and patient satisfaction with noninvasive cryolipolys. Dermatol Surg. 2013; 39(8):1209-16

14. Stevens WG, Pietrzak LK, Spring MA. Broad Overview of a Clinical and Commercial Experience With Cool Sculptin. Aesthetic Surg J. 2013;33(6):835-46

 

Trabalho realizado Grupo de Estudo em Tecido Subcutâneo – SBD, Regional São Paulo


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