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Artigo Original

Imiquimode e curetagem para o tratamento do molusco contagioso: um estudo comparativo

Guilherme Bueno de Oliveira1; Natália Cristina Rossi Bueno de Oliveira2; Bárbara Maria Tarraf Moreira3; Marcela Ferraz Awada3; Jonas Eduardo Nunes Franco Neto3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2017941094

Data de recebimento: 01/10/2017
Data de aprovação: 09/12/2017
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

Abstract

Introdução: Molusco contagioso é uma dermatovirose causada por um poxvírus. Na literatura há descrição de diferentes abordagens terapêuticas dessa infecção.
Objetivo: Avaliar a eficácia do imiquimode para tratamento de molusco contagioso de forma isolada e associada à curetagem.
Métodos: Grupo A, 20 pacientes utilizaram imiquimode 5% creme, 3 vezes por semana por 6 semanas e Grupo B, 10 pacientes que utilizaram creme base, 3 vezes por semana por 6 semanas. Após estas 6 semanas, todos os pacientes se submeteram à curetagem.
Resultados: Grupo A, na sexta semana diminuição de 31% no número de lesões, com uma efetividade da curetagem de 97,6%; Grupo B na sexta semana um aumento de 4,8% no número de lesões e uma efetividade da curetagem de 81,1%. A média do nível de dor durante a curetagem foi de 1,8 para o Grupo A e 3,0 para o Grupo B.
Conclusões: Por aumentar a taxa de eliminação de lesões de molusco contagioso e diminuir a dor quando o processo de curetagem é realizado após uso do imunomodulador, concluímos que a associação de imiquimode 5% em creme com curetagem possa ser uma possibilidade terapêutica.


Keywords: Molusco Contagioso; Dermatologia; Procedimentos Cirúrgicos Dermatológicos


INTRODUÇÃO

Molusco contagioso (MC) é uma dermatose viral causada por um poxvírus do gênero Molluscipox virus 1, que pode acometer qualquer região do corpo, com predileção para a porção superior do tronco, axilas, fossas cubitais e poplíteas e pregas crurais.1-4 É uma infecção universal, com maior prevalência em áreas tropicais e maior incidência em crianças, podendo ocorrer em adultos sexualmente ativos e imunodeficientes.3 A transmissão ocorre por contato direto, fômites contaminados e autoinoculação.3,5 A apresentação clínica se dá por pápulas pequenas, sésseis, firmes, com umbilicação central. O diagnóstico é clínico pela aparência das lesões e, quando há dúvida, a análise histológica pode ser útil.6-8 Apesar de benignas e geralmente autolimitadas, as lesões podem apresentar algumas complicações, como inflamação, prurido, eczematização, infecção bacteriana secundária e cicatrizes permanentes. Por esses motivos, é recomendado o tratamento das lesões.2,3

Na literatura há descrição de diferentes abordagens dessa infecção, incluindo a conduta expectante, visto que pode haver resolução espontânea.5,9 Muitos estudos citam a curetagem como a técnica mais efetiva e com menor índice de recidiva, avaliada como padrão-ouro no tratamento do MC em vários trabalhos, porém não existe consenso sobre o melhor método.1,4,7,9,10 Quanto a escolha do tratamento, deve-se considerar vários aspectos, incluindo efetividade e recidiva, aspectos secundários como tolerância física e psicológica à terapia, preferência do paciente ou responsável, padrão financeiro da família e a disponibilidade de tempo e facilidade de acesso ao consultório médico.11 As técnicas de tratamento mais citadas na literatura incluem crioterapia, curetagem, laserterapia e uso tópico de diversas substâncias, sendo as mais comuns a tretinoína, o hidróxido de potássio, o imiquimode, a cantaridina, o ácido tricloroacético e a combinação de ácidos salicílico e lático.3,8

Este estudo objetivou avaliar a eficácia do imiquimode para tratamento de MC de forma isolada e associada a curetagem, destacando a efetividade do tratamento, índice de complicações e avaliação do nível de dor durante o processo cirúrgico.

 

METODOLOGIA

Foi realizado estudo prospectivo e unicêntrico de observação longitudinal analítica de 30 pacientes submetidos ao tratamento com imiquimode e curetagem de MC de áreas extra-faciais. O estudo obedeceu as diretrizes éticas emandas da Declaração de Helsinki. Os pacientes tratados foram acompanhados no sistema da própria clínica.

a) Seleção dos pacientes – Critérios de inclusão

Os pacientes selecionados para o estudo deveriam apresentar, obrigatoriamente, MC em áreas extra-faciais. Incluímos os casos que não foram submetidos a tratamento para tal patologia por tempo maior do que 6 meses.

b) Critérios de exclusão

Qualquer paciente que passou por tratamento prévio para as lesões de MC a menos de 6 meses do início o estudo, infecção bacteriana no local, história de alergia aos componentes da fórmula e pacientes que não quiseram ser submetidos à curetagem no final do estudo foram excluídos do trabalho.

c) Técnica

Divisão dos grupos e uso do Imiquimode

Os pacientes foram divididos de modo aleatório em dois distintos grupos: Grupo A ou Grupo Caso de Estudo, composto por 20 pacientes que fizeram uso de imiquimode 50mg/g (Ixium®, Farmoquímica) de forma pontuada e localizada somente sobre as lesões de MC aplicado com Cotonete® (Johnson & Johnson) e coberta por fita adesiva microporada . O produto deveria ficar em contato com as lesões oito e deveria ser aplicado três vezes por semana (determinado segundas, quartas e sextas-feiras), durante seis semanas, totalizando 18 aplicações; Grupo B ou Grupo Controle, composto por 10 pacientes que fizeram uso de Creme Base da mesma forma de aplicação, tempo de permanência do produto e total de aplicações do que os selecionados do Grupo A.

Curetagem e Escala de nível de dor

Na semana 7, após o término das 6 semanas de uso do imiquimode ou creme base, os pacientes foram submetidos à curetagem das lesões de MC. Esta foi realizada em consultório, com cureta número 4, após anestesia tópica com creme de lidocaína (70mg/g) e tetracaína (70mg/g) oclusivo por trinta minutos sobre cada lesão. Nas lesões curetadas foram colocados curativos com micropore em fita.

d) Análise Estatística

As variáveis sociodemográficas incluídas foram sexo e idade. Utilizou-se para avaliação do estudo: contagem do número de lesões de MC antes do início do tratamento, após as 6 semanas de uso de imiquimode ou creme base e após 6 semanas do procedimento curetagem; descrição dos efeitos colaterais durante o uso do imiquimode ou creme base; nível de dor relatado pelo paciente durante o procedimento curetagem, seguindo a estratificação:

Dor zero: ausência de dor durante o procedimento

Dor 1: dor pequena ou desconforto

Dor 2: dor tolerável e faria novamente se preciso

Dor 3: dor insuportável e não faria novamente

O nível de dor foi analisado pelo Teste t para 2 amostras independentes, com variância igual e distribuição normal

 

RESULTADOS

O estudo foi realizado com 30 pacientes, sendo 16 do sexo feminino e 14 do sexo masculino. A média de idade em anos do Grupo A, composto por 9 pacientes do sexo feminino e 11 do sexo masculino, foi de 8,0 com intervalo de idade entre 6 e 11 anos. O Grupo B, composto por 7 pacientes do sexo feminino e 3 do masculino, apresentou média de idade de 8,5 com intervalo entre 5 e 12 anos. A distribuição das lesões foi: 52% em região de tronco, 37% em coxas e nádegas e 11% em braços.

Após a análise estatística dos dados por números totais de lesões de MC e percentuais simples, destacamos os seguintes resultados ao se comparar os dois grupos: ao se contabilizar o número médio de lesões de MC (Gráfico 1) no Grupo A na semana zero pode se contar a média de 18,75 lesões, após seis semanas do uso de imiquimode 12,95 lesões e na décima segunda semana (após 6 semanas do uso de curetagem) 0,3 lesões; no Grupo B na semana zero pode se contar a média de 16,4 lesões, após seis semanas do uso de creme base, 17,2 lesões e na décima segunda semana (após 6 semanas do uso de curetagem) 1,4 lesões. Os resultados do gráfico 2 apresentam a percentagem de variação de lesões de MC por tempo:o Grupo A apresentou na sexta semana diminuição de 31% no número de lesões, ficando na décima segunda semana 1,6% do total das lesões do início do tratamento, resultando em uma efetividade da curetagem de 97,6% neste grupo; o Grupo B apresentou na sexta semana um aumento de 4,8% no número de lesões, ficando na décima segunda semana 8,5% do total das lesões do início do tratamento, resultando em uma efetividade da curetagem de 81,1% neste grupo.

O gráfico 3 representa a média do nível de dor durante a curetagem em graus descritos na metodologia entre 0 e 3 para todos os pacientes dos dois grupos. O Grupo A apresentou média de 1,8 no nível de dor, enquanto que o Grupo B apresentou média de 3,0 no nível de dor. A diminuição do nível de dor foi estatisticamente significante, com p<0,001 pelo Teste t, no grupo que utilizou o imiquimode antes da curetagem. Os efeitos adversos relados foram: no Grupo A, 20 pacientes apresentaram irritação, 20 eritema e 3 edema com o uso de imiquimode e no grupo B não houve nenhum efeito adverso durante o tratamento.

 

DISCUSSÃO

Molusco contagioso é dermatovirose comum da infância, atingindo preferencialmente crianças em idade escolar. Clinicamente se manifesta como pápulas sésseis e umbilicadas, localizando-se quase sempre no tronco, nos membros e na genitália, fato este também encontrado neste estudo. As lesões possuem como características serem autolimitadas, com regressão espontânea no intervalo de 6 a 18 meses.

Os tratamentos dividem-se em destrutivos, imunomoduladores e antivirais. Por serem mais comuns, os tratamentos destrutivos são os mais relatados na literatura, desde tópicos como a aplicação de solução de hidróxido de potássio, cantaridina, tretinoína, ácido salicílico e ácido lático, procedimentos como curetagem e aplicação de nitrogênio líquido. Entretanto, tratamento com imunomoduladores possui bons resultados para tratamento de outras dermatoviroses, como o imiquimode topicamente e a cimetidina sistemicamente. A presente pesquisa apresentou diminuição média de 31% do número de lesões de MC no Grupo A, que utilizou o imiquimode três vezes por semana durante 12 semanas, enquanto que o Grupo B que utilizou creme base da mesma forma que no Grupo A, apresentou um aumento médio de 4,9% do número de lesões de MC. Os resultados encontrados aqui apontam o imiquimode como superior a terapias tópicas clássicas, como o hidróxido de potássio que apresentou nível de eficácia de 25% no dobro de tempo de aplicação (12 semanas) e sem clareamento total em nenhum paciente quando usado a 5% por Schmitt 12 e a 10% por Machado 13. Entretanto, ainda apresentou resultados inferiores quando comparado a procedimentos dermatológicos invasivos, como a curetagem 12-14.

O segundo objetivo deste estudo foi estudar o nível de dor por escala numérica detalhada na metodologia durante o procedimento de curetagem a que todos os pacientes foram submetidos para as lesões restantes do primeiro período. O Grupo A apresentou a média de dor de 1,8 na escala numérica, enquanto que o Grupo B apresentou a média de 3,0, com diferença estatisticamente significante. Este fato observado pode ser devido ao estímulo pelo imiquimode creme a 5% da imunidade celular promovendo, além da eliminação viral, reação inflamatória epidérmica também encontrada em outros estudos15, o que facilitaria o tratamento destrutivo com um menor nível de dor.

Após a curetagem na semana 6, fez-se nova contagem do número de lesões de MC na semana 12, com os dados apontando para uma eficácia de clareamento de 97,6% para o Grupo A e 81,1% para o Grupo B. Essa diferença foi importante por se tratar de uma doença auto infecciosa, com facilidade de transmissão por fômites ou contato direto para outras crianças1 e está de acordo com a literatura, que demonstra níveis de eficácia da curetagem isoladamente variando entre 61 e 100% 16. Essa maior taxa de eliminação no Grupo A provavelmente deveu-se a propriedade imunomodulatória do imiquimode sobre as lesões virais e pela fragilidade da epiderme inflamada15.

Quanto aos efeitos adversos durante as 6 semanas, no Grupo A, todos os pacientes apresentaram irritação e eritema e 10% edema no local da aplicação. O Grupo B não apresentou nenhum efeito adverso. Não foram identificadas alterações pigmentares, formações bolhosas, infecções secundárias ou cicatrizes em nenhum dos dois grupos do estudo. Os efeitos adversos foram brandos e esperados, condizendo com estudos na literatura com imiquimode para tratamento de MC16,17.

 

CONCLUSÕES

Em relação ao molusco contagioso, as bases científicas para o início de uma intervenção terapêutica permanecem sem consenso na literatura, determinando aos médicos dermatologistas dúvidas sobre a melhor decisão a tomar em termos de início ou não de tratamento intervencionista, bem como de uma estratégia terapêutica tópica antes de procedimentos cirúrgicos. Embora o tratamento expectante possa ser uma opção, muitos pais e pacientes preferem a rápida resolução das lesões procurando aliviar o desconforto, controlar a disseminação das lesões, prevenir o aparecimento de cicatrizes ou infecções bacterianas secundárias, e, ainda, ser utilizada por motivos estéticos e sociais. Esse estudo apresentou resultados positivos e satisfatórios em relação ao grupo controle, com 97,6% de clareamento das lesões de MC e a diminuição do nível de dor na curetagem, procedimento cirúrgico mais descrito na literatura, associando-se dois tipos de tratamentos distintos, o imiquimode como imunomodulador e a curetagem como destrutivo. Desta maneira, concluímos que a associação de imiquimode 5% em creme com curetagem possa ser uma possibilidade terapêutica de grande importância na prática diária. Salientamos que mais trabalhos na literatura são importantes para afirmar esta observação.

 

PARTICIPAÇÃO DOS AUTORES:

Guilherme Bueno de Oliveira:

Análise estatística aprovação da versão final do manus crito concepção e planejamento do estudo participação efetiva na orientação da pesquisa participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos es tudados revisão crítica do manuscrito

Natália Cristina Rossi Bueno de Oliveira:

Participação efetiva na orientação da pesquisa
Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados
Revisão crítica do manuscrito

Bárbara Maria Tarraf Moreira

Obtenção, análise e interpretação dos dados Revisão crítica da literatura

Marcela Ferraz Awada:

Obtenção, análise e interpretação dos dados Revisão crítica da literatura

Jonas Eduardo Nunes Franco Neto:

Obtenção, análise e interpretação dos dados Revisão crítica da literatura

 

REFERÊNCIAS

1. Hanna D, Hatami A, Powell J, Marcoux D, Maari C, Savard P, et al. A prospective randomized trial comparing the efficacy and adverse effects of four recognized treatments of molluscum contagiosum in children. Pediatr Dermatol. 2006; 23(6):574-9.

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Trabalho realizado na Instituição Vitta Dermatologia - São José do Rio Preto (SP), Brasil.


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