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Artigo Original

Criocirurgia no tratamento do tecido de granulação hipetrófico nas feridas cutâneas

Carlos Augusto Zanardini Pereira1; Ivo Acir Chermicoski2; Valéria Zanela Franzon3; Karina Hubner4; Miguel Olímpio Anastácio Junior5; Ionam Carlos Benazzi5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201791961

Data de recebimento: 04/01/2017
Data de aprovação: 27/02/2017
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: A criocirurgia é uma forma segura e eficaz de tratamento que utiliza o nitrogênio líquido para destruição tecidual.
Objetivo: Demonstrar a eficiência da criocirurgia no tratamento do tecido de granulação hipertrófico nas feridas cutâneas.
Métodos: As feridas com tecido de granulação hipertrófico foram tratadas com o nitrogênio em spray aplicado a uma distância de 5cm da área em ângulo de 90º. O tempo de congelamento foi de 02 ciclos de 05 segundos e o número de sessões variou de 01 ou 03. A avaliação dos resultados foi feita através de comparação semanal, clínica e fotográfica, alem de mensuração da área das feridas e do tecido de granulação hipertrófico, através de um planímetro, até que se completasse o processo de cicatrização. Os resultados foram analisados estatisticamente.
Resultados: Foram tratados 20 pacientes com feridas cutâneas localizadas na cabeça, tronco e membros. A média do percentual de redução semanal em relação à área inicial foi de 32,5%. Os resultados tiveram significância estatística.
Conclusões: A criocirurgia é um método prático, de baixo custo e pouco invasivo, podendo ser indicada para o tratamento do tecido de granulação hipertrófico nas feridas cutâneas.


Keywords: TECIDO DE GRANULAÇÃO; CRIOCIRURGIA; TERAPÊUTICA


INTRODUÇÃO

Para que ocorra a cicatrização de uma ferida cutânea é importante a presença do tecido de granulação e a reepitelização. O tecido de granulação substitui células que perderam sua função. Ocorre em situações fisiológicas ou devido a múltiplas condições patológicas no organismo. Entretanto, em alguns casos, a produção do tecido de granulação hipertrófico (TGH), que se desenvolve além da superfície da ferida, resultando numa massa elevada, ou pedúnculo, dificulta a cicatrização de várias maneiras; -impedindo a migração das células epiteliais na superfície da ferida; aumentando o risco de infecção ou causando dor, desconforto e dificuldade na cicatrização-.1 A criocirurgia é uma forma de tratamento que utiliza o nitrogênio líquido, que se tornou disponível comercialmente em 1940. Desde então tem sido comumente utilizada no congelamento de neoplasias de pele devido à sua segurança e efetividade.2 O objetivo deste trabalho é demonstrar a eficiência da criocirurgia no tratamento do TGH nas feridas cutâneas.

 

MÉTODOS

Realizou-se um estudo retrospectivo, com consulta aos prontuários de 20 pacientes provenientes do ambulatório de dermatologia da Fundação Pró-Hansen em Curitiba Paraná, Brasil, portadores de feridas cutâneas com TGH, decorrentes de úlcera de membros inferiores e de feridas cirúrgicas deixadas para cicatrizar por segunda intenção, de 2012 a 2014. Os pacientes que aceitaram participar do trabalho assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e o formulário de consentimento para fotografias. Os critérios de exclusão foram os portadores de coagulopatias graves, infecção local, diabetes descompensada, criofibrinogenemia, crioglobulinemia, tromboflebite, trombose venosa profunda e de feridas com neoplasia maligna.

No estudo foi utilizado o aparelho Cry-ac-3-Brymil Corporation, USA for Alcon Pharmaceuticals , Cham, Switzerland, com a técnica do spray com a ponteira(A) de maior diâmetro.(Figura 1)

O nitrogênio foi aplicado a uma distância de aproximadamente 5cm da área do TGH a um ângulo de 90º. O tempo de congelamento foi de aproximadamente 02 ciclos de 05 segundos conforme a área a ser congelada e o número de sessões variou de 01 ou 03. Lesões extensas foram divididas em quadrantes para a aplicação do nitrogênio líquido, sempre limitada ao TGH, evitando-se assim a interferência na migração dos queratinócitos para o centro da ferida. Na presença bordas fibrosadas, foi realizado desbridamento cirúrgico.

O procedimento foi realizado sempre pelo mesmo Dermatologista.

No período pós-operatório os pacientes realizaram curativos com pomada de neomicina e bacitracina, trocados 02 vezes ao dia após limpeza com soro fisiológico. Nas feridas localizadas em membros inferiores o paciente foi orientado para fazer curativo com atadura de crepom para contensão do exsudato e de pequenos sangramentos ocasionais.

A avaliação dos resultados foi feita semanalmente, até a cicatrização total, através de observação clínica, documentação fotográfica e mensuração da área das feridas e do TGH, com decalque que posteriormente foi analisado através do planímetro polar (Fa.OTT, type 16, Kempten, West Germany. O aparelho é constituído por duas hastes metálicas articuladas que se unem por um disco contador. A extremidade livre de uma das hastes é mantida fixa, enquanto a extremidade livre da segunda haste é deslocada sobre o perímetro da superfície plana a ser medida, no caso o decalque, permitindo o cálculo da área de cada lesão.

Na análise estatística os resultados de variáveis quantitativas foram descritos por médias, medianas, valores mínimos, valores máximos e desvios padrões. Variáveis qualitativas foram descritas por frequências e percentuais. Para a comparação de dois grupos em relação às variáveis quantitativas foi considerado o teste não-paramétrico de Mann-Whitney. A associação entre variáveis as quantitativas foi avaliada estimando-se o coeficiente de correlação de Spearman. Valores de p<0,05 indicaram significância estatística. Os dados foram analisados com o programa computacional IBM SPSS v.20.0.

 

RESULTADOS

Neste trabalho descrevem-se os resultados em vinte indivíduos portadores de feridas cutâneas com TGH (07 do sexo masculino e 13 do sexo feminino), apresentando média de idade de 60,1 anos. A idade mínima foi de 37 anos e a máxima de 86.(Tabela 1)

A média das áreas das feridas foi de 28,6cm² sendo a maior de 157,1 cm² em membros inferiores e a menor de 1,2cm² na região da cabeça. A média das áreas do TGH foi de 8 cm² , sendo a maior de 37,7 cm² em membros inferiores e a menor de 1,2cm² na cabeça. A cicatrização mais rápida foi de 7 dias em lesão da região lombar, provavelmente por ter sido afastado o fator desencadeante, eczema de contato pelo esparadrapo; e o maior tempo de cicatrização ocorreu com lesões em membros inferiores. O número de sessões variou de 1 a 3. A média de redução de área por semana foi de 4,4 cm², sendo a mínima de 0,63 cm² e a máxima de 13,1cm². A média do percentual de redução por semana em relação à área inicial foi de 32,5%, variando de 8,3 % a 100%. (Tabelas 1 e 2) . Os resultados indicam que houve significância estatística para estas associações tornando significativas a comparações casadas entre área da ferida com o número de sessões de criocirurgia (p< 0,001), área da ferida com o tempo de cicatrização (p<0,001), duração da ferida com o tempo de cicatrização (p<0,001) e área do TGH com o número de sessões de criocirurgia (0,046). Entretanto os valores do coeficiente de correlação (0,45) sugerem que esta associação não é forte embora estatisticamente significativa. A correlação entre a área do TGH e o tempo de cicatrização da ferida não teve significância estatística (P=0,067) (Tabela 3). O resultado indica que houve significância estatística entre a associação da duração da ferida com o sitio anatômico (p=0,037), o número de sessões de criocirurgia com o sítio anatômico (p=0,048), o tempo de cicatrização da ferida com sítio anatômico (p=0,048) e o percentual de redução da área por semana em relação à área inicial com o sitio anatômico (p=0,036). Não houve significância estatística para a associação entre a área da ferida com o sitio anatômico (p=0,149), área do TGH com o sitio anatômico (p=0,660) e também a associação entre a redução da área da ferida por semana com o sitio anatômico (p=0,961) (Tabela 4).

 

DISCUSSÃO

Em 1913 , o neurocirurgião americano , Dr. Irving S Cooper foi o primeiro a utilizar a criocirurgia com nitrogênio liquido em tumores cerebrais. Dr. Setrag A. Zacarian em 1967 desenvolveu o dispositivo de mão, chamado Kryospray que popularizou o uso deste equipamento.3

Caracteriza-se pelo baixo custo e rápida recuperação do paciente que pode retornar às suas atividades laborativas em menor tempo, quando comparada a outros métodos terapêuticos. A criocirurgia produz destruição seletiva do tecido comprometido, e o estroma promove a reparação posterior da ferida. A resistência das fibras de colágeno e da cartilagem ao dano do congelamento, favorece a cicatrização da lesão.4

A criocirurgia com nitrogênio líquido tem sido muito utilizada, uma vez que é segura, tem boa efetividade, fácil manuseio, bons resultados terapêuticos e cosméticos e não precisa de anestesia. A rápida perda de calor promove um congelamento das terminações nervosas cutâneas, levando a um efeito pré-anestésico. Esse congelamento gera uma sensação momentânea desconfortável de queimação, que contudo é passageira e autolimitada. A criocirurgia tem sido utilizada para o tratamento de um amplo espectro de doenças que varia desde lesões cutâneas benignas, pré-malignas e malignas. O nitrogênio líquido é considerado o melhor criógeno da atualidade, estimulando também a resposta imunológica.5

O congelamento promove cristalização da água intracelular e extracelular culminando na morte da célula. Também ocorre estase vascular que contribui para a necrose tissular. Vale ressaltar que essa destruição do tecido é seletiva. (Figura 2)

Ainda não conhecemos perfeitamente a fisiopatologia da formação do TGH, mas as prováveis etiologias podem ser agrupadas em: natureza inflamatória (tipo 1), causas relacionadas com ambiente oclusivo da ferida (tipo 2) e causas por algum tipo de desequilíbrio celular (tipo 3). Independentemente da causa, é importante excluir a possibilidade de malignidade. O tipo 1 é tratado pela remoção do fator inflamatório ou irritante. Em casos de infecção, é importante que se trate com antibióticoterapia sistêmica. O tipo 2 responde bem à troca de curativo, geralmente um filme permeável que favorece as trocas gasosas na interface da ferida e curativo. No tipo 3 pode haver causas internas ou externas para o desequilíbrio celular. Se externas, devem ser tratadas segundo os sinais e sintomas utilizando-se as mesmas estratégias para o tipo 1 e 2; se internas, o tratamento ainda é desconhecido.1

Outras opções de tratamento citadas na literatura incluem o desbridamento mecânico por shaving ou curetagem, a cauterização química, a terapia com laser, o nitrato de prata tópico, o fenol , o sulfato de cobre e o cloreto de alumínio.6-9

A remoção mecânica da hipergranulação pode causar o retorno à fase inflamatória formando-se uma nova ferida, enquanto que a aplicação de agentes cáusticos podem causar dor.6 Por sua vez, o nitrato de prata se utilizado com frequência em grandes áreas, pode causar metahemoglobinemia e hiponatremia.10,11

O uso do imiquimod também foi relatado no tratamento do TGH em mal perfurante plantar, ocorrendo a cicatrização completa após o período de 18 semanas.12

O fato de haver várias opções terapêuticas por diferentes métodos demonstra que o TGH é um problema terapêutico, com escassez de relatos científicos sobre os avanços na área.6

Em nosso trabalho foi possível observar que o TGH interfere no processo de cicatrização das feridas cutâneas, dificultando a reepitelização, devido ao relevo que produz no centro da ferida, o qual interfere na migração dos queratinócitos. O TGH, quando não tratado poder permanecer por várias semanas dificultando a cicatrização e produzindo grande volume de exsudato amarelado. Após o tratamento com a criocirurgia observamos na primeira semana a melhora da cicatrização pelo aplainamento do leito da ferida, o que facilita a reepitelização. (Figura 3)

Pacientes com feridas extensas em membros inferiores com TGH , referem muita dor local. Após o início da reepitelização, com a pele recobrindo a ferida, ocorre a redução do exsudato e da sensação dolorosa. (Figura 4A-4B-4C). Em nosso estudo, estes sinais foram observados em 03 pacientes com presença do TGH na ferida cirúrgica, onde o curativo no periodo pós-operatório foi realizado com creme de antibióticos e clostebol, que tem ação cicatrizante.

Nas feridas cirúrgicas resultantes da exérese de neoplasias malignas, deixadas para cicatrizar por segunda intenção, que evoluem com TGH, é necessário avaliar a margem de segurança no exame histopatológico conferindo se houve a excisão total do tumor.

Nos casos de úlceras de perna que apresentam infecção é importante solicitar a cultura e antibiograma, antes do início da antibioticoterapia.

O tecido de granulação é importante no processo de cicatrização de feridas de espessura total, mas quando se torna hipertrófico deve ser diagnosticado e tratado o mais precocemente possível. As feridas cirúrgicas de espessura parcial, resultantes da técnica da excisão por shaving, podem cicatrizar com a formação de TGH, como ocorreu nos pacientes que tiveram excisão de nevo sebáceo e de nevo melanocítico (Tabela 1).

Não se observam complicações com a técnica da criocirurgia, desde que os pacientes observem as recomendações recebidas, fazendo a limpeza da ferida e os curativos com a pomada recomendada.

O tratamento das úlceras em membros inferiores acompanhadas de TGH é difícil e prolongado, principalmente se a etiologia for o pioderma gangrenoso ou o mal perfurante plantar decorrente da neuropatia da hanseníase. Nestes casos podemos fazer o uso da criocirurgia com antibioticoterapia e tratar a doença de base. No presente estudo, as feridas que apresentaram maior tempo de cicatrização estavam localizadas nos membros inferiores (Tabelas 1 e 4).

 

CONCLUSÕES

É importante detectar nas fases iniciais a formação do tecido de granulação hipertrófico para evitar longos tratamentos que geram despesas e desconforto para o paciente. A criocirúrgia é um método prático, de baixo custo, pouco invasivo, com baixa incidência de complicações e com excelente resultado terapêutico, podendo ser indicado para o tratamento do TGH nas feridas cutâneas.

 

Referências

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5. Moraes AM, Velho PENF, Magalhães RF. Criocirurgia com nitrogênio líquido e as dermatoses infecciosas. An Bras Dermatol. 2008;83(4):285-298.

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10. Rollins H. Hypergranulation tissue at gastrostomy sites. J Wound Care. 2000;9(3):127-9.

11. Dealey C. The Care of Wounds: a guide for nurses. 3nd ed. Oxford:Wiley-Blackwell; 2008.

12. Krishnaprasad IN, Soumya V, Abdulgafoor S. Management of over-granulation in a diabetic foot ulcer . IJPMR 2013;24(1):19-22.

 

Trabalho realizado na Fundação Pró-Hansen – Curitiba (PR), Brasil.


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