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Relato de casos

Endometriose umbilical primária

Sandra Lopes Mattos e Dinato1; Glaucia Pereira Christo Antonioli2; José Roberto Paes de Almeida3; Ney Romiti (In memorian)4; Nelson Mattos Tavares5

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2015731451

Data de recebimento: 31/01/2014
Data de aprovação: 22/11/2014
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Endometriose é dermatose comum e, em geral, acomete os órgãos pélvicos. Apresentações extrapélvicas são relatadas na literatura. A endometriose umbilical é rara, podendo ser primária (espontânea) ou secundária (após procedimentos cirúrgicos). É relatado o caso de paciente do sexo feminino com lesão de endometriose na região umbilical, confirmada por exame histopatológico. O tratamento foi feito com excisão cirúrgica ampla. Ressalta-se que o diagnóstico diferencial deve ser considerado na presença de tumores umbilicais nas mulheres em idade reprodutiva.


Keywords: ENDOMETRIOSE; NÓDULO DA IRMÃ MARIA JOSÉ; NEOPLASIAS ABDOMINAIS; PAREDE ABDOMINAL; ADENOMIOSE


INTRODUÇÃO

A endometriose caracteriza-se pela presença de implante ectópico de glândulas e estroma endometrial, normalmente funcionante e sensível a hormônio.1-5 É doença comum, geralmente crônica e benigna, que afeta mais os órgãos pélvicos.1-4 O foco mais frequente é o ovário4,5. Acomete em torno de cinco a 10% das mulheres em idade reprodutiva,1,3 mas pode ocorrer também em mulheres na menarca e menopausa.1,2 É excepcional nos homens após longo período de terapia hormonal para tumores prostáticos.1 O acometimento extrapélvico da endometriose pode ocorrer em cerca de 12% das mulheres com a afecção.2,6

É pouco frequente a incidência da endometriose umbilical, aproximadamente de 0,5 a 1% do total dos casos.5-8 Fernández-Aceñero e Córdova,4 entre 376 casos de endometriose, encontraram apenas dois com localização umbilical (0,53%). Pode ser classificada em primária (espontânea)2-4 ou secundária (após procedimentos cirúrgicos). A forma primária é ainda menos comum.2 A raridade dessa apresentação cutânea foi o motivo desta comunicação.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 24 anos, casada, parda, doméstica, natural de Sorocaba e procedente de São Vicente (SP). Há três anos refere o aparecimento de lesão na cicatriz umbilical, de crescimento lento e progressivo, com sensibilidade aumentada na aproximação dos períodos menstruais. Nega sangramento. Nega cirurgias abdominais prévias.

Ao exame dermatológico, apresenta lesão nodular com aspecto vegetante e superfície mamilonada, de forma circular, com 1,5cm de diâmetro, coloração eritêmato-violácea e consistência firme (Figura 1).

Foi realizada exérese cirúrgica de toda a lesão (Figura 2), cujo exame histopatológico (Figura 3A e B) revelou estruturas glandulares tubulares simples, revestidas por única ou dupla camada de células epiteliais uniformes, repousando sobre uma lâmina basal, circundada por estroma celular, de aspecto mesenquimal, além de substância fundamental intercelular. Esses achados são compatíveis com glândulas e estroma endometrial, confirmando o diagnóstico de endometriose cutânea. Destaca-se que a retirada completa do nódulo mostrou resultado estético satisfatório, não havendo necessidade de cirurgia reparadora do umbigo. Também é importante referir que não foram realizados outros exames prévios, como biópsia, ultrassonografia e ressonância magnética, pois optou-se pela imediata ressecção cirúrgica completa, posto que as dimensões da lesão o permitiram.

A paciente foi encaminhada para seguimento com o setor de ginecologia, por tratar-se de doença sistêmica, e alertada quanto à possibilidade de recidiva. Evoluiu assintomática. Feitos orientação e seguimento ambulatorial durante dois anos, sem alteração do quadro clínico. Após esse período, a paciente não mais retornou ao hospital.

 

DISCUSSÃO

A endometriose extrapélvica pode comprometer diversos órgãos do corpo humano. As localizações mais frequentes, em ordem decrescente, são intestino, pele (incluindo o umbigo e cicatrizes abdominais), região inguinal e coxa, pulmões e pleura, pâncreas, meninges e vértebras.7

Em geral, o acometimento cutâneo e subcutâneo é secundário a processo cicatricial posterior a procedimentos cirúrgicos abdominais e/ou pélvicos, tais como, laparoscopia/laparotomia, cesariana, histerectomia, metroplastia, miomectomia, episiotomia, apendicectomia, remoção do cisto da glândula de Bartholin, amniocentese e injeções intrauterinas para aborto.1-3;6,7,9

Menos de 30% dos casos de endometriose cutânea aparecem na ausência de cirurgia e são referidos como endometriose cutânea primária ou espontânea,3,4 o que ocorreu com a paciente em estudo, a qual nunca foi submetida a cirurgias abdominais.

Apesar de sua baixa incidência, a cicatriz umbilical é o local primário mais comum, como relatado no presente caso.3,7,9 Outros locais primários cutâneos incluem vulva, períneo, região inguinal e extremidades.7 Também pode ser desenvolvida durante a gravidez, com maior frequência na região umbilical, podendo ter regressão espontânea após o parto.5

Diversas teorias tentam explicar o desenvolvimento da endometriose, porém a patogênese ainda não foi esclarecida. Na teoria da regurgitação transtubária, o tecido endometrial ectópico é transportado para o local em que se instala a endometriose por meio da menstruação retrógrada. Na teoria da transplantação mecânica, o implante intra-abdominal de células endometriais ocorre através de vasos linfáticos, propagação vascular ou por deslocamento de tecido endometrial durante cirurgias, tais como procedimentos laparoscópicos; principal hipótese para a endometriose cutânea. Na teoria da metaplasia celômica, o endométrio ectópico se desenvolve a partir de um estímulo hormonal estrogênico em células de mesma origem embrionária. E, por último, a teoria da resposta de imunidade diminuída, na qual a redução da atividade de natural killer causaria diminuição da depuração de células endometriais da cavidade peritoneal.1,3,8

A endometriose cutânea da cicatriz umbilical manifesta-se como nódulo de consistência firme, medindo de dois a 2,5cm, de cor variável do preto-azulado ao vermelho intenso ou castanho, dependendo da quantidade de hemorragia e da profundidade de penetração do tecido endometrial ectópico. Ocasionalmente, o nódulo é da cor da pele.1,8,9 É em geral único, muitas vezes multilobulado, embora múltiplos nódulos discretos possam estar presentes.7 Os sintomas clínicos incluem dor, hiperestesia, sangramento, edema e crescimento correlacionados com o ciclo menstrual.1,7 No entanto, raramente todos os sintomas estão presentes, podendo até apresentar-se assintomático, como no caso descrito.8,9 A hemorragia relacionada com o sangramento menstrual é ausente na maioria dos casos.4

Sintomas ginecológicos como dismenorreia, dispareunia, infertilidade e irregularidades menstruais estão, em geral, presentes na endometriose pélvica e ausentes na endometriose da pele.1,7 Os mais comuns diagnósticos diferenciais incluem granuloma piogênico, hérnia e pênfigo vegetante. Devido à aparência macroscópica variável, essas lesões podem inicialmente ser confundidas também com tumor maligno, tal como o melanoma.1,3-5,8 Relatórios recentes têm mostrado que a ressonância magnética3 e a dermatoscopia podem ser úteis na diferenciação entre a endometriose umbilical e outras lesões cutâneas pigmentadas.3,6,8 A dermatoscopia e a histopatologia correlacionadas podem ser complementares e eficientes para elucidação diagnóstica,6 mas ainda não existem trabalhos suficientes que comprovem sua superioridade em relação à histopatologia.

Assim o diagnóstico padrão ouro é confirmado pelo exame histopatológico.1,4,5,7,8 Nas lesões cutâneas podem ser observados espaços glandulares irregulares, circulares, alongados ou angulares, na derme reticular ou hipoderme, circundados por estroma altamente vascular e celular, semelhante ao do endométrio funcionante.8,10 O aspecto histológico corresponde ao endométrio uterino nas fases proliferativa e secretória.10 A ultrassonografia, pouco utilizada na prática, apenas indica área hipoecogênica, de dimensões variadas e margens irregulares, que constituem informações pouco específicas.6

Em relação ao tratamento, a excisão cirúrgica simples é a escolha, e deve ser ampla para garantir a cura completa da doença.3-5,7,9 Tratamento hormonal prévio pode ser opção para tumores maiores, podendo promover redução de seu tamanho antes da cirurgia.10

O prognóstico da endometriose cutânea é bom. Recorrências são incomuns. No entanto, a transformação maligna tem sido relatada em percentual que varia de 0,3 a 1% dos casos de cicatriz de endometriose e deve ser suspeitada em lesões recorrentes ou de crescimento rápido. Deve-se sempre investigar a possibilidade de coexistência de endometriose genital e/ou abdominal, o que piora o prognóstico, assim como modifica o tratamento, que, nesse caso, deve ser associado à terapia hormonal.7,10 A paciente em questão, após o procedimento cirúrgico, não apresentou recidiva ou qualquer intercorrência em dois anos de acompanhamento.

A endometriose umbilical é, portanto, afecção rara, mas deve ser considerada no diagnóstico diferencial nos casos de mulheres em idade fértil que apresentem lesão na cicatriz umbilical, mesmo que assintomática. O diagnóstico definitivo é histopatológico, e a excisão cirúrgica é a terapêutica de eleição.

 

Referências

1. Kyamidis K, Lora V, Kanitakis J. Spontaneous cutaneous umbilical endometriosis: report of a new case with imunohistochemical study and literature reviw. Dermatol Online J. 2011;(15 Supll 7):5.

2. Choi SW, Lee HN, Kang SJ, Kim HO. A case of cutaneous endometriosis in postmenopausal woman receiving hormonal replacement. J Am Acad Dermatol. 1999;41(32):327-9.

3. Agarwal A, Fong YF. Cutaneous endometriosis. Singapore Med J. 2008;49(9):704-9.

4. 4 Fernández-Aceñero MJ, Córdova S. Cutaneous endometriosis: review of 15 cases diagnosed at a single institution. Arch Gynecol Obstet. 2011;283(5):1041-4.

5. Razzi S, Rubegni P, Sartini A, De Simone S, Fava A, Cobellis L, et al. Umbilical endometriosis in pregnancy:a case report. Gynecol Endocrinol. 2004;18(2):114-6.

6. De Giorgi V, Massi D, Mannone F, Stante M, Carli P. Cutaneous endometriosis: non-invasive analysis by epiluminescence microscopy. Clin Exp Dermatol. 2003;28(3):315-7.

7. Castro MCR, Costa APF, Salles R, Maya TC, Silva MR.Endometriose Umbilical. An bras Dermatol.1997;72(3):255-8.

8. Chatzikokkinou P, Thorfinn J, Angelidis IK, Papa G, Trevisan G. Spontaneous endometriosis in an umbilical skin lesion. Acta Dermatovenerol Alp Pannonica Adriat. 2009;18(3):126-30.

9. Fedele L, Frontino G, Bianchi S, Borruto F, Ciappina N. Umbilical endometriosis: a radical excision with laparoscopic assistance. Int J Surg. 2010;8(2):109-11.

10. Tidman MJ, MacDonald DM. Cutaneous endometriosis: a histopathologic study. J Am Acad Dermatol. 1988;18(2):373-7.

 

Trabalho realizado no Centro Universitário Lusíada (Unilus) - Santos (SP), Brasil.


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