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Etiopatogenia da acne vulgar: uma revisão prática para o dia a dia do consultório de dermatologia

Beatriz de Medeiros Ribeiro1; Luiz Maurício Costa Almeida2; Adilson Costa3; Fábio Francesconi4; Ivonise Follador5; Juliane Rocio Neves6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2015731682

Data de recebimento: 20/08/2015
Data de aprovação: 14/09/2015
Suporte Financeiro: "Global Alliance Brasil", grupo de estudos em Acne com suporte da Galderma Brasil
Conflito de Interesses: Todos os autores são membros do "Global Alliance Acne Brazil"

Abstract

Acne vulgaris is a very common dermatosis affecting the general population. Due to its prevalence, it is a much studied pathology. A number of studies on the subject are published on a yearly basis, including those on its pathogenesis. The present review aims at compiling the classically known etiopathogenic factors of acne vulgaris and introducing new concepts, such as the inflammatory nature of this condition. This new knowledge is crucial in the search for the best treatment option.


Keywords: ACNE VULGAR; PROPIONIBACTERIUM ACNES; ÁCIDO LINOLEICO


INTRODUÇÃO

A acne vulgar é dermatose inflamatória crônica, multifatorial e imunomediada, que acomete a unidade pilossebácea e se caracteriza por apresentar variado quadro clínico.1

Aparece entre as três condições dermatológicas mais prevalentes na população geral, de acordo com estudos realizados na Inglaterra, França e EUA.2-4

Algum grau de acne está presente em virtualmente todos os adolescentes entre 15 e 17 anos.5-7 Taxas de prevalência por idade e dados do senso de 1996 nos EUA estimaram que 40 a 50 milhões de indivíduos tinham acne naquele país, com taxa de prevalência de 85% em indivíduos entre 12 e 24 anos.8

Apesar de ser considerada dermatose que acomete adolescentes, observa-se aumento da sua incidência na população adulta, sobretudo em mulheres.9

 

FATORES PATOGÊNICOS E SUAS CORRELAÇÕES CLÍNICAS

O conceito atualmente em voga é o de que a acne é o resultado final de diferentes fatores patogênicos que interagem.10 São eles a hiperqueratinização folicular levando à formação dos comedões abertos e fechados; a hipersecreção sebácea levando à produção excessiva de sebo, condição hormonalmente determinada; alterações na flora microbiana; além de fatores imunológicos e processos inflamatórios.11 Esses são fatores patogênicos primários, mas a influência precisa desses elementos, e as suas interações ainda são questionadas.12

Não devem ser vistos de forma isolada, uma vez que eles se influenciam mutuamente. Seborreia, de um lado, e hiperqueratinização folicular, de outro, produzem ambiente favorável ao desenvolvimento do Propinonibacterium acnes (P. acnes), que pertence à flora cutânea residente e não é patogênico em circunstâncias normais.10,13

Hiperqueratinização folicular

Em folículos pilosos normais ocorre o desprendimento de queratinócitos em camadas que descamam e são carreadas pelo fluxo de sebo para a superfície da pele, havendo equilíbrio entre as células que se desprendem e a produção de novos queratinócitos.10

A hiperqueratinização folicular resulta na formação do microcomedão.11

Ocorre por um processo de queratinização anormal no infundíbulo do folículo, com aumento da produção dos queratinócitos foliculares e alteração no processo de sua descamação.14 Observa-se também aumento da coesão entre os corneócitos, devido à alteração nos componentes intraestruturais celulares responsáveis pela adesividade entre as células, além de sua produção acelerada.12,13

Por essa razão, os corneócitos, que seriam normalmente eliminados pelo óstio folicular, ficam retidos e iniciam o processo de hiperqueratose.14 Isso ocorre na porção proximal do infundíbulo do folículo, que ao ser obstruído leva à formação de uma rolha de queratina e do comedão.14 Com o aumento do comedão, verifica-se o acúmulo dos corneócitos que se desprendem e do sebo.14

Outro fator importante na comedogênese é a redução dos níveis de ácido linoleico no sebo, que ocorre pela hipersecreção sebácea.11 O ácido linoleico exerce papel importante na manutenção da função da barreira epidérmica.15 A alteração dessa barreira facilita a penetração de microrganismos e de ácidos graxos pró-inflamatórios na derme, levando à infecção e à inflamação.15 Quanto mais grave a acne, menor a concentração de ácido linoleico no sebo.11,15

O P. acnes também é um dos responsáveis pela formação do comedão. Ele é capaz de formar um biofilme, uma barreira de proteção com função antimicrobiana, que "cola" os corneócitos no infundíbulo do folículo e agrava o processo de queratinização, além de produzir a proteína filagrina, que aumenta a adesividade entre os corneócitos.16,17

Hipersecreção sebácea

Com raras exceções (como as glândulas sebáceas "livres" da região genital e de algumas áreas de mucosas), as glândulas sebáceas estão associadas a folículos pilosos.10

O sebo é formado pela dissolução de sebócitos nos lóbulos sebáceos (secreção holócrina), transportado ao folículo pelo ducto de dreno sebáceo, alcançando a superfície da pele via infundíbulo.10 As maiores glândulas sebáceas são encontradas na face e no tronco superior, regiões em que a acne preferencialmente ocorre.10

A glândula sebácea produz sebo rico em colesterol, ácidos graxos, ésteres, triglicerídeos e escaleno.11 Sua atividade é regulada por andrógenos. Detecta-se aumento da produção do sebo a partir da estimulação da glândula sebácea pela ação desses hormônios.11 Pacientes com acne geralmente demonstram aumento na produção de sebo (seborreia); por outro lado, eunucos produzem menos sebo devido à deficiência androgênica e não desenvolvem acne.10

Os andrógenos têm origem gonadal, adrenal e também podem ser produzidos na unidade pilossebácea.18,19 Nos ovários, são produzidas a androstenediona e a testosterona; na glândula adrenal ou suprarrenal, são produzidos o sulfato de de-hidroepiandrosterona (Sdhea) e a androstenediona.18 Na unidade pilossebácea pode haver conversão periférica da androstenediona e do Sdhea em testosterona.18 Essa produção dentro da glândula sebácea dá-se pela ação de enzimas, como 3-beta-hidroxiesteroide-desidrogenase, 17-hidroxiesteroide-desidrogenase e 5-alfa-redutase, que metabolizam os andrógenos circulantes precursores (Sdhea e androstenediona), transformando-os em andrógenos mais potentes (testosterona e di-hidrotestosterona).18

Existem receptores para os hormônios androgênicos localizados nas glândulas sebáceas e na bainha radicular externa do folículo piloso.11 Essas estruturas celulares respondem à ação da testosterona e da di-hidrotestosterona, que estimulam a produção do sebo.11 A hipersecreção sebácea pode ocorrer pelo aumento da produção de andrógenos (ovariana, adrenal ou periférica), aumento da disponibilidade dos andrógenos livres, diminuição da globulina carreadora dos hormônios sexuais (SHBG) ou pelo aumento da resposta da glândula sebácea à estimulação hormonal.20

O aumento na produção de sebo pode ocorrer com níveis normais ou elevados de andrógenos.21 A elevação dos andrógenos é observada na síndrome dos ovários policísticos, nos tumores produtores de andrógenos e na hiperplasia adrenal congênita.21 Existe ainda a possibilidade da administração exógena de esteroides anabolizantes androgênicos, constatada em pacientes que consomem esses produtos com a finalidade de aumentar a massa muscular.16

Efeitos neuroendocrinológicos, na produção de sebo, têm sido relatados e poderiam explicar alguns efeitos psicogênicos ou estresse-induzidos na patogênese da acne.19 Entre outros, os neuropeptídios, hormônio liberador de corticotropina e α-melanocortina induzem a síntese de lípides séricos em sebócitos in vitro.19 Pacientes com acne possuem expressão aumentada do neuropeptídeo substância P e da endopeptidase neural em torno das glândulas sebáceas.19

Colonização bacteriana

Os principais microrganismos encontrados na pele são o P. acnes, o Staphylococcus epidermidis e a Malassezia spp.22 A principal bactéria envolvida na patogênese da acne é o Propionibacterium acnes (P. acnes).22 Não existem evidências experimentais conclusivas para a relevância patogenética da acne por outros microrganismos.

P. acnes são as bactérias dominantes nos folículos pilosos; preferem condições anaeróbicas ou microaerófilas, são gram-positivos difteroides do gênero Corynebacterium, colonizando preferencialmente regiões com alta produção de sebo. Produzem porfirinas, principalmente a coproporfirina III, fluorescendo à luz da lâmpada de Wood.1

Dados recentes confirmam que o P. acnes tem forte atividade pró-inflamatória direcionada para moléculas da imunidade cutânea inata, queratinócitos e glândulas sebáceas do folículo pilossebáceo; além de participar na formação do comedão.16 É capaz de romper o comedão a partir da ação de suas enzimas: lipases, proteases, hialuronidases e outras recentemente descritas, como endoglycoceramidase, sialidase/neuroaminidase, proteinases e os fatores 5 Camp, que contribuem para a degradação tecidual e estimulam a resposta inflamatória.16

O P. acnes age sobre a imunidade inata, estimulando a ativação dos receptores toll-like (TLRs).23 Os receptores toll-like fazem parte do primeiro sistema de defesa contra microrganismos. São proteínas transmembrânicas localizadas na membrana celular de diversas células de linhagem embrionária epidérmica, como os queratinócitos, macrófagos, células de Langerhans e linfócitos T e B. Quando em contato com Pathogen-associated molecular patterns (Pamps), que podem ser lipopolissacarídeos de bactérias gram-negativas, flagelina e ácido lipoteicoico das bactérias gram-positivas, esses receptores são ativados e desencadeiam uma cascata inflamatória com a produção de citocinas pró-inflamatórias e metaloproteinases (1,9,13). As metaloproteinases degradam a matriz celular.23

A partir do reconhecimento de estruturas do P.acnes, ocorre a ativação dos receptores toll-like tipo-2, pró-inflamatórios, localizados na superfície dos monócitos perifoliculares.24 Isso culmina com o início de um processo inflamatório via TH1, com produção de fatores quimiotáticos para neutrófilos, monócitos e linfócitos, produção do fator de necrose tumoral alfa, interferon e interleucinas IL-6,8,12 e 1-beta. Os queratinócitos secretam IL-8, IL-10 e lL-1-alfa, que ampliam a resposta inflamatória.24

A ativação dos receptores toll-like leva também à liberação de peptídeos antimicrobianos (AMP), que formam uma barreira química para proteção do epitélio.15 Esses são peptídeos de defesa que também fazem parte do processo da imunidade inata. São proteínas de alto peso molecular, com amplo espectro antimicrobiano contra bactérias, fungos e vírus. Os AMPs são produzidos pelos queratinócitos, monócitos, mastócitos, sebócitos, neutrófilos e células natural killer. Três tipos de peptídeos merecem destaque, as catalecidinas, as defensinas e as granulisinas.24 A catalecidina LL-37 é produzida pelas células epiteliais e neutrófilos e influi na função dos TLRs. A beta-defensina 2 protege a unidade pilossebácea da invasão do P. acnes. As granulisinas são encontradas nos grânulos citotóxicos dos linfócitos T e das células natural killer e têm ação bactericida e anti-inflamatória contra o P.acnes. Já foi demonstrado que o P. acnes é capaz de promover a expressão da catalecidina e da beta-defensina 2 nos sebócitos.15,24

Durante o processo inflamatório, há liberação de peptídeos anti-inflamatórios, como a beta-defensina tipo-2 que protege a unidade pilossebácea da invasão do P. acnes.24

Inflamação dérmica periglandular

Uma nova teoria propõe que o processo inflamatório esteja presente em todas as fases da fisiopatogenia da acne, incluída a anterior à formação do comedão, com a participação importante do P.acnes e de mediadores inflamatórios, como citocinas, defensinas, peptidases e neuropeptídios.24 Essa teoria sugere a classificação da acne como doença inflamatória crônica e silenciosa.

Apesar dos quatro processos descritos estarem presentes, não existiria uma sequência definida entre eles, e o processo inflamatório já seria observado na fase inicial de formação da acne.25 A existência de linfócitos T CD4+, macrófagos e o aumento da interleucina 1 (IL-1) em folículos pilossebáceos vêm mostrando que a inflamação precede o processo de hiperqueratinização, com a participação do P.acnes já no início da formação do comedão.26

Com isso, questiona-se se o microcomedão é realmente a lesão inicial e precursora das demais lesões.24 O processo inflamatório surge como protagonista em todas as fases da formação da acne, desde a comedogênese até a formação das cicatrizes.25 Estudos recentes revelam infiltrado inflamatório em 77% das cicatrizes atróficas.26

A acne inicia-se quando o hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) age sobre a adrenal, levando à liberação do sulfato de de-hidroepiandrosterona (Sdhea), que estimula a produção dos andrógenos.15 Além do ACTH e do Sdhea, o hormônio de crescimento (GH), agindo sobre o fígado, estimula a produção do fator de crescimento insulina-símile 1 (IGF-1), e este também é capaz de estimular a produção do Sdhea pela adrenal, aumentando a produção dos andrógenos e, consequentemente, a produção do sebo.15 O IGF-1 age também sobre a homeostase da barreira epidérmica, aumenta a proliferação e reduz a diferenciação dos queratinócitos, interferindo no processo de queratinização. Também é capaz de ativar a transcrição de genes envolvidos na síntese dos ácidos graxos, estimulando a lipogênese, que culmina com o aumento da produção do sebo.15

Com a hipersecreção do sebo há redução na concentração de seus componentes, com destaque para a redução na concentração do ácido linoleico,11 com consequente alteração na função da barreira epidérmica. A "quebra" da barreira epidérmica leva à liberação da IL-1alfa (citocina presente nas fases iniciais de formação da acne) e à penetração de microrganismos e ácido graxos pró-inflamatórios na derme, levando à infecção e à inflamação. Nessa fase o P. acnes já estimula a liberação de citocinas pró-inflamatórias, como a IL-1-beta, pelos queratinócitos, macrófagos e sebócitos. O rompimento da barreira epidérmica também leva ao aumento da população de linfócitos T CD4+ e outros mediadores inflamatórios na pele, como o fator de necrose tumoral alfa.13

A presença do P.acnes levando à inflamação é atualmente considerada a principal patogênese da acne vulgar.27 Os monócitos são estimulados pela presença do P.acnes, havendo aumento da expressão dos genes caspase 1 e secreção de citocinas pró-inflamatórias como a interleucina 1-beta (IL1-beta) via inflamossomos NLRP-3.7 (Figura 1)

O inflamossomo é um complexo multiproteico constituído pela caspase 1, Pycard, Nalp e algumas vezes caspase 5. É expresso em células mieloides e é um componente da imunidade inata. É responsável pela ativação de processos inflamatórios através da liberação de citocinas pró-inflamatórias como a interleucina 1-beta e interleucina 18.28 (Figura 2)

A primeira forma de defesa é a imunidade inata através de receptores padrões de reconhecimento dos antígenos localizados na membrana celular, receptores toll-like (TLRs) e receptores c-type lectin (CLRs); e no citoplasma, receptores nod like (NLRs) e receptores RIG-I-like (RLRs). Dois subtipos de NLRs, NLRP1 e NLRP3, são capazes de ativar a cascata da caspase 1 e levar à produção de citocinas (interleucina 1-beta e 18). Esses dois subtipos de NLRs são chamados de inflamossomos NLRP-1 e NLRP-3.29

Tem especial importância na patogênese da acne a participação do inflamossomo NLRP-3, que media respostas imunes através da interação com fatores de transcrição (NF-KB), ativa a cascata da caspase 1 e leva a liberação de citocinas pró-inflamatórias IL 1-beta e 18. (Figura 1). Esse inflamossomo é ativado pela redução da concentração de K intracelular que ocorre na presença de toxinas bacterianas. Nas lesões de acne são encontrados inflamossomos NLRP-3 e caspase 1 ao redor dos folículos pilossebáceos.30

Atualmente outras citocinas vêm sendo descritas como participantes no processo inflamatório que leva à formação da acne; são elas a interleucina 6-572C, interleucina 1A-889T e interleucina 17.31 A presença de linfócitos T CD4+ e interleucina 17 na região perifolicular sugere que o P. acnes estimule a resposta inflamatória via Th1 e também da via Th 17.32

Em resumo, a resposta imune do paciente parece ser determinante na resposta inflamatória desencadeada pelo P. acnes.33 Por outro lado, o mesmo mecanismo pode ser responsável por elaborar respostas protetoras contra o P. acnes. O balanço entre as respostas imunes, inata e adaptativa, desencadeadas pelo P. acnes provavelmente determinam quando um paciente irá apresentar lesões clinicamente ativas.33

Outros fatores

Outros fatores têm sido postulados como importantes na formação da acne.

Genética

A predisposição genética tem-se mostrado importante fator predisponente, influindo no número, tamanho e atividade da glândula sebácea.34

A taxa de concordância em gêmeos idênticos é bastante elevada, e provavelmente vários genes estão envolvidos na predisposição à acne.35 Pessoas com cariótipo XYY frequentemente mostram grave curso de acne. Percebe-se ainda sua influência sobre o controle hormonal e sobre o processo de hiperqueratinização folicular.35

Medicamentos

Certos medicamentos são associados ao desenvolvimento desse distúrbio, como benzodiazepínicos, lítio, ciclosporina, corticosteroides, ramipril, isoniazida e complexos vitamínicos B.36

Dieta

A dieta rica em alimentos com alta carga glicêmica, a resistência insulínica, o uso de cosméticos oclusivos, o estresse emocional e a puberdade precoce são outros fatores importantes no desenvolvimento da acne.37

Por longo tempo as dietas foram desprezadas do ponto de vista etiológico, devido a estudos realizados no passado e pobres do ponto de vista de delineamento científico; nos últimos anos, porém, esse campo tem sido revisto, e vários trabalhos passaram a relacionar a acne à adoção de hábitos alimentares ocidentalizados.38

Em estudo no qual se avaliaram mais de 1.200 indivíduos de duas sociedades não ocidentalizadas (os ilhéus Kitavan, de Papua-Nova Guiné, e os povos Ache, do Paraguai), atribui-se a ausência de acne nessas populações a seu padrão alimentar. Em suas dietas há, substancialmente, baixo índice glicêmico em comparação com as dietas ocidentais.39

Em estudos epidemiológicos com a população de esquimós Innuit, detectou-se que seus membros não apresentavam tal dermatose até a introdução dos hábitos alimentares ocidentalizados.40

Em 2012, Kwon mostrou que a dieta com ingestão de alimentos de alta carga glicêmica exerce papel fundamental na patogênese da acne, sendo que a adoção de dieta de baixa carga glicêmica leva à melhora do quadro dessa dermatose.41

Sugere-se que a adoção de hábitos alimentares com alta carga glicêmica leva ao aumento dos níveis séricos de insulina, IGF-1 e redução do SHBG.42 No ovário, tanto o IGF-1 quanto a insulina são capazes de estimular a liberação de hormônios androgênicos que agem sobre a glândula sebácea, estimulando a produção de sebo, além de estimular a liberação de citocinas pró-inflamatórias e agir sobre o processo de queratinização.42

Uma exceção à evidência da dieta de alto índice glicêmico é a ingestão de derivados do leite. Apesar de abaixo índice glicêmico, eles induzem paradoxalmente o aumento dos níveis de IGF-1, favorecendo o surgimento e/ou agravamento da acne, o que é particularmente maior quando da ingestão de leite desnatado. Isto demonstra que essa associação não se deve ao conteúdo de gordura no leite, reforçando a teoria dos níveis de IGF-1.43,44

Além do poder acnogênico por meio do IGF-1, o leite contém estrógeno, progesterona, precursores andrógenos (como androstenediona e sulfato de diidroepiandrostenona) e esteroides 5α-redutase dependentes (como 5α-androstenediona, 5α-pregnonadiona e diidrotestosterona), alguns dos quais estão implicados na comedogênese.45

Além disso, para simular a consistência do leite integral, proteínas do soro do leite, especialmente a α-lactoalbumina, são acrescidas à fórmula do leite desnatado e com baixo teor de gorduras, o que também parece desempenhar papel importante na comedogênese.44, 45

É sabido que a ingestão de iodo pode exacerbar a acne. Outro argumento que ajuda a reforçar a hipótese da associação entre o consumo de leite e o quadro de acne é a de que o iodo contido no leite pode estar envolvido na etiologia dessa dermatose: ele é decorrente da suplementação da dieta oferecida aos animais e do uso de soluções à base de iodo nos equipamentos de ordenha.45

Em estudo duplo-cego e randomizado, publicado recentemente, com o uso de suplementação de ácidos graxos dos tipos ômega 3 e ômega 6, em 45 pacientes durante 10 semanas, Jung concluiu que ambos os tipos de suplementos levaram a melhora na acne vulgar com redução de lesões inflamatórias, não inflamatórias e sem efeitos adversos graves.46

Observa-se, também, na prática diária a associação da acne ao uso de suplementos alimentares ricos em aminoácidos de cadeia ramificada. Atualmente, para adquirir massa muscular, muitos jovens fazem uso de aminoácidos do tipo wheyprotein, que é composto de aminoácidos derivados do soro do leite.47 Estudo realizado em João Pessoa com 30 participantes que faziam uso de wheyprotein mostrou que, após dois meses de uso, 100% dos usuários desenvolveram acne inflamatória grau III ou apresentaram agravo de quadro preexistente.47 Dissertação realizada com mulheres adultas evidenciou que as que fazem uso de suplementação têm sete vezes mais chances de desenvolver acne.48 Aminoácidos como a lisina, arginina, leucina, isoleucina e caseína são capazes de estimular os sebócitos; além disso, alguns desses suplementos possuem fatores de crescimento que podem estar relacionados ao surgimento da acne.47, 48

 

CONCLUSÃO

A patogênese da acne vulgar é tema que envolve conceitos antigos associados a novos, principalmente no que diz respeito ao processo inflamatório.

Alguns fatos novos já são aceitos, como: 1) a acne vulgar não é doença infecciosa; 2) a acne vulgar é doença primariamente inflamatória; 3) o papel do P. acnes é mais inflamatório do que infeccioso; 4) o processo inflamatório está presente em todas as fases de formação da acne, incluída a das cicatrizes.

Esse conhecimento é importante para busca de melhor proposta terapêutica. Deve sempre ser levado em conta seu caráter inflamatório, crônico e multifatorial.

 

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Trabalho realizado no Departamento de dermatologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - Belo Horizonte (MG), Brasil.


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