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Relatos de técnica cirúrgica

Reparo do lóbulo da orelha partido:revisão da literatura e proposta de nova técnica

Adriana Alves Ribeiro1, Luciana de Matos Lourenço1, Thais Helena Cardoso de Barros Matsuda1, Nelson Marcos Ferrari1

Recebido em 10/05/2009.
Aprovado em 20/08/2009.
Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Abstract

A fenda do lóbulo da orelha normalmente resulta de trauma súbito ou uso contínuo de brincos pesados. Dentre as diversas técnicas cirúrgicas propostas para a sua correção, a escolha dependerá do tipo de fenda existente, parcial ou total, e deverá permitir a menor chance de recidiva. As correções da fenda total poderão ser feitas com ou sem preservação do orifício do brinco. A fixação do lóbulo durante a intervenção é fundamental, qualquer que seja a técnica utilizada, e pode ser feita com abaixador de língua estéril ou pinça de calázio. Para o procedimento cirúrgico, são utilizados pinça de Adson, tesoura íris e lâmina de bisturi 11 ou 15, sendo o fechamento da pele realizado com fio mononylon 5.0 ou 6.0. Na nova técnica descrita, obtém-se, além da vantagem da manutenção do pertuito, maior segurança ao apoio do brinco com menores chances de recidiva.

Keywords: ORELHA, ORELHA EXTERNA, DEFORMIDADES ADQUIRIDAS DA ORELHA, PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS OTOLÓGICOS, CIRURGIA AMBULATORIAL


INTRODUÇÃO

A fenda do lóbulo da orelha normalmente é causada por trauma súbito ou pelo uso contínuo de brincos pesados nas orelhas.

Existem diversas técnicas cirúrgicas para corrigir este defeito, e a correção depende do tipo de fenda existente. Os defeitos podem ser divididos em fenda parcial, quando ocorre apenas o alargamento da mesma, ou fenda total, quando ocorre a separação do lóbulo em duas ou três pontas.

As correções da fenda total são divididas em dois grandes grupos: com ou sem a preservação do orifício do brinco. No primeiro caso, novo orifício pode ser feito após pelo menos seis meses de cicatrização.

É relevante observar que a região é propensa a cicatrizes inestéticas, tanto invertidas como hipertróficas, ou ainda queloides.

A anestesia é local, por meio de bloqueio da orelha com lidocaína a 1 ou 2% com vasoconstritor, e pode ser complementada com solução contendo 10 mL de lidocaína a 2% sem vasoconstritor e 0,3 mL de adrenalina aplicada no próprio lóbulo. É importante fazer a marcação cirúrgica prévia e infiltrar o mínimo necessário de solução para que esta não deforme o campo cirúrgico.

A fixação do lóbulo durante a intervenção, para qualquer técnica utilizada, é fundamental e pode ser improvisada com abaixador de língua estéril, o qual é posicionado sob o lóbulo e segurado pelo cirurgião auxiliar dando sustentação ao ato cirúrgico.

A pinça para calázio utilizada pelos oftalmologistas para eversão da pálpebra, quando disponível, é de grande utilidade. Além de estabilizar o lóbulo, promove também hemostasia, facilitando a ação do cirurgião.

Para o procedimento, utiliza-se material cirúrgico delicado como pinça de Adson pequena, tesoura Íris e lâminas de bisturi números 11 ou 15. Os fios de sutura mononylon 5.0 ou 6.0 são boas opções para o fechamento.

Independentemente da técnica escolhida para reparar o lóbulo, o período pós-operatório não apresenta intercorrências, sendo a higiene local e as trocas de curativo realizadas em domicílio. Algumas técnicas requerem mais cuidados do que outras, como exemplo, citamos aquela em que o orifício é mantido, e o brinco é colocado no intraoperatório. Neste caso, é necessário cuidado na manipulação durante as trocas de curativos para que o brinco não saia da orelha e tampouco traumatize o lóbulo.

Reparo do lóbulo da orelha com fenda parcial

São três as técnicas mais usadas para esse reparo. A técnica com punch ou de Tan1 constitui boa opção caso a fenda seja menor do que quatro milímetros.

O punch, um milímetro maior do que a fenda, é posicionado perpendicularmente ao lóbulo, e em seu movimento de rotação desepidermiza a fenda, desde a sua face anterior até o lado posterior, ou seja, por toda a sua extensão. Deve-se tracionar a pele pela ponta do lóbulo durante a ação do punch, o que resultará em uma incisão e consequente sutura transversa em relaçãoao lóbulo. Desta forma, teremos maior segurança em realizar novo pertuito e menor probabilidade de recidiva. O mesmo deve ser realizado seis meses após a completa cicatrização.

Pode-se também reparar a fenda parcial utilizando o fechamento direto borda a borda, indicado quando a abertura for maior que 4 mm. Inicialmente, a fenda é desepidermizada com bisturi o suficiente para ocorrer cicatrização adequada e prevenir a inversão da cicatriz. Em seguida, sutura-se borda a borda com pontos simples ou de colchoeiro (Donatti ou ponto em U), tanto na parte anterior quanto na posterior, devendo-se ter cuidado para que o ponto não atravesse a extensão da parede do lóbulo. Pode ser feita sutura com fio absorvível no subcutâneo.

A terceira opção para a correção da fenda parcial é a técnica de Reiter e Alford2 (Figura 1), também chamada de “retalhos opostos paralelos”. Os retalhos criados possuem pedículos junto à borda da fenda, um na parte anterior à direita e outro na parte posterior do lóbulo à esquerda. Os retalhos são rodados como portas de saloon, e cada um vai cobrir a área cruenta do outro ao serem suturados, fazendo com que a fenda desapareça.

Reparo do lobo da orelha com fenda total

A dificuldade na correção é maior, pois há perda da margem inferior do lóbulo da orelha. Pode-se optar por manter o orifício inicial ou não. Em ambas as possibilidades, para evitar que ocorra inversão da cicatriz por retração, as técnicas como Z-plastia, L-plastia ou retalho em V, que promovem eversão, são utilizadas para corrigir o aspecto final da cicatriz.

Reparo do lobo da orelha com fenda total sem preservar o orifício

Quando não se deseja preservar o pertuito do brinco, a técnica borda a borda ou lado a lado, amplamente difundida, é provavelmente a mais utilizada em nosso meio, sendo de fácil realização. Desde que o novo furo não esteja na linha da cicatriz, a possibilidade de recidiva é pequena.

Consiste em desepidermizar a fenda e fazer um ponto de reparo na extremidade inferior ligando as pontas da fenda, o que orienta as suturas anterior e posterior, evitando também desigualdade no novo contorno do lóbulo. Pontos de colchoeiro verticais (em pé ou pontos em “U”) ou horizontais (deitados ou pontos Donatti), que evertem as bordas da cicatriz, são utilizados para evitar a inversão da mesma (Figura 2).

Variações foram criadas para evitar a inversão da cicatriz e dar maior consistência à sutura do lóbulo.

A técnica de Casson3 consiste em sutura borda a borda nas faces anterior e posterior da fenda e zetaplastia na parte inferior do lóbulo. Apesos e Kane4 preconizam o descolamento das bordas a serem suturadas em um milímetro, o que ajuda a prevenir a inversão cicatricial.

Tromovitch et al.5 (Figura 3) descreveram a zetaplastia realizada na total espessura do lóbulo no seu sentido ânteroposterior. Podemos optar também pela zetaplastia feita apenas na parte anterior do lóbulo, sendo a parte posterior suturada com fechamento direto, técnica descrita por Reiter e Alford.2

Fatah6 criou um “L” no sentido ântero-posterior, ou seja, na espessura total do lobo, quebrando a linha de sutura e criando um dente de sustentação à sutura. Este “L” pode ser executado no sentido médio-lateral, criando também um dente neste sentido, e foi descrito por Harahap.7

Kalimuthu et al.8 fazem um “V” cruento na extremidade do lóbulo, seguindo a desepidermização na borda medial, e outro “V” na extremidade da borda lateral de modo que ambos se encaixem perfeitamente ao final da sutura.

Existem ainda descritas outras opções de técnicas criativas para se reparar o lóbulo sem preservar o orifício. Na técnica de Arora,9 a fenda é reparada, e a espessura do lóbulo fica maior. Duas áreas triangulares são desepidermizadas para a correção da fenda, uma anterior na ponta lateral e outra posterior na ponta medial. São suturadas sobrepondo-se uma a outra, resultando no aumento da espessura do lóbulo.

A técnica de Effendi10 propõe uma rotação de retalho da parte medial da fenda sobre a parte lateral; para isso, a desepidermização da ponta lateral é prolongada no sentido lateral onde a ponta medial será suturada.

Reparo do lóbulo da orelha com fenda total preservando o orifício

Para se preservar o pertuito do brinco, existem também diversas técnicas descritas. Brincos previamente esterilizados, ou ainda fio de nylon 1.0 ou 2.0, são utilizados para manter o novo orifício.

A técnica de Boo-Chai11 é a mais simples; somente a parte inferior do orifício e as paredes da fenda são desepidermizadas e então suturadas lado a lado, mantendo-se assim o orifício do brinco.

Na técnica de Buchan,12 a pele da fenda é excisada totalmente. Na face posterior do lobo, faz-se um retalho junto à fenda sendo que este retalho cruza o ângulo cruento da fenda, servindo como assoalho para formar o novo canal para o brinco. Faz-se o fechamento com pontos simples nas faces posterior e anterior do lobo.

Nas técnicas de Argamaso13 e de Zoltie,14 o epitélio do orifício é preservado, e são feitos retalhos anterior e posterior que se encaixam por sobreposição. A diferença é que na de Argamaso os retalhos são triangulares e na de Zoltie, retangulares.

Na técnica de Elsahy,15 são feitos dois retalhos margeando os dois lados da fenda em toda sua extensão, preservando-se a epiderme do orifício. Os dois retalhos são amarrados na parte proximal, formando o novo pertuito, e a parte distal de ambos é excisada e descartada. O fechamento final é feito com sutura simples.

Na técnica de Pardue16 (Figura 4), as bordas da fenda são excisadas, e a epiderme da parte superior do orifício de um dos lados é preservada. Cria-se um retalho com esta porção e este é rodado como um caracol em direção ao lado oposto e então suturado com fio de nylon através de ponto interno pela derme da sua extremidade inferior no canto cruento do antigo orifício, formandose assim um novo pertuito. O fechamento das pontas é feito por sutura simples desde a face anterior do lobo até a posterior.

Nas técnicas de Walike e Larrabee17 e de Hamilton e La Rossa,18 a rotação de retalho para formação de novo orifício é a mesma da técnica de Pardue,16 porém, no fechamento da fenda, faz-se zetaplastia na extremidade inferior do lobo. A técnica de Fayman19 utiliza o retalho de Pardue, e o fechamento da fenda é feito com zetaplastia envolvendo toda a extensão dos dois lados da fenda. A técnica de Fatah6 dos retalhos em L, já descrita anteriormente, pode ser combinada com a técnica de Pardue16 para formar um novo pertuito, conferindo maior sustentação ao resultado final.

Proposta de nova técnica

Os autores têm executado a técnica, que foi denominada Pardue modificada, com bons resultados, tanto estéticos quanto de sustentação do novo pertuito, e sem recidiva (Figura 5).

Confeccionamos o retalho da mesma forma, porém a parte interna do antigo orifício do brinco e a face posterior do retalho são desepidermizados, sendo conservada apenas a pele da porção anterior do retalho.

Ao ser suturado pela derme da extremidade do retalho no ângulo cruento do antigo furo, ele é rodado e ao mesmo tempo torcido; assim a epiderme da face anterior do retalho passa a ser a parte interna do novo orifício, formando um pertuito justo e, consequentemente, mais resistente ao apoio do brinco (Fotos 1 a 6).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na escolha da melhor opção para correção do lóbulo de orelha partido, devemos considerar todos os fatores que irão influenciar o resultado final, como tamanho do lóbulo, tipo de fenda (parcial ou completa), número de orifícios já existentes e tendência a cicatrizes inestéticas.

Frente às possibilidades técnicas, optamos por aquela que deixará o lóbulo mais parecido com o original, com forma arredondada e não pontuda, e orifício centrado. O importante é escolher a técnica mais adequada a cada caso e que permita as menores chances de recidiva.

A princípio, as técnicas que não preservam o pertuito parecem mais seguras, porém, ao utilizarmos a técnica de Pardue modificada, obtemos, além das vantagens da manutenção do pertuito, maior segurança ao apoio do brinco, menor chance de recidiva e ainda aspecto estético satisfatório.

Referências

1 . Tan EC. Punch technique: an alternative approach to the repair of pierced earlobe deformities. J Dermatol Surg Oncol 1989;15:270-272

2 . Reiter D, Alford EL. Torn earlobe: a new approach to management with a review of 68 cases. Ann Otol Rhino Laryngol 1994;103:879-884

3 . Casson P. How do you repair a split earlobe? J Dermatol Surg 1976;2:21

4 . Apesos J, Kane M. Treatment of traumatic earlobe clefts. Aesthetic Plast Surg 1993;17:253-255

5 . Tromovitch TA, Stegman SJ, Glogau RG. Flaps and grafts in dermatologic surgery. St Louis: Mosby, 1989

6 . Fatah MF. L-plasty technique in the repair of split earlobe. Br J Plast Surg 1985;38:410-414

7 . Harahap M. Repair of split earlobes. A review and a new technique. Plast Reconstr Surg 1984;74:299-300

8 . Kalimuthu R, Larson BJ, Lewis N. Earlobe repair: a new technique. J Dermatol Surg Oncol 1982;8:187-191

9 . Arora PK. Reconstruction of the middle-aged torn earlobe: a new method. Br J Plast Surg 1989;42:118

10 . Effendi SH. Reconstruction of the middle-aged torn earlobe: a new method. Br J Plast Surg 1988;41:174-176

11 . Boo-Chai K. The cleft ear lobe. Plast Reconstr Surg 1961;28:681-688

12 . Buchan NG. The cleft ear lobe: a method of repair with preservation of the earring canal. Br J Plast Surg 1975;28:296-298

13 . Argamaso RV. The cleft ear lobe: a method of repair with preservation of the cleft earlobe. Br J Plast Surg 1978;31:337-338

14 . Zoltie N. Split earlobes: a method of repair preserving the lobe. Plast Reconstr Surg 1987; 80:619-621

15 . Elsahy NI. Reconstruction of the cleft earlobe with preservation of the perforation for an earring. Plast Reconstr Surg 1986;77:322-324

16 . Pardue AM. Repair of torn earlobe with preservation of the perforation for an earring. Plast Reconstr Surg 1973;51:472-473

17 . Walike J, Larrabee WF Jr. Repair of the cleft ear lobe. Laryngoscope 1985;95:876-877

18 . Hamilton R, LaRossa D. Method for repair of cleft earlobes. Plast Recontr Surg 1975;55:99-101

19 . Fayman MS. Split earlobe repair. Br J Plast Surg 1994;47:293


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