Gabriel A. de A. Sampaio1, Ada Regina Trindade de Almeida1, Ana Flávia Nogueira Saliba1, Natássia Pinheiro de Lavor Queiroz1
Keywords: HIPERIDROSE, SUDORESE, GRAVIMETRIA
A hiperidrose é condição caracterizada por sudorese excessiva, generalizada ou focal. A hiperidrose generalizada envolve todo o corpo e geralmente está associada a problemas sistêmicos, como desordens endócrinas, neurológicas ou infecções. A forma focal primária ou idiopática afeta pessoas saudáveis, sendo mais frequente na região palmoplantar, axilas e face.1 A fisiopatologia não é totalmente esclarecida, sendo atribuída à disfunção do sistema nervoso simpático.2
O diagnóstico é clínico, baseado na anamnese e exame físico. A severidade da hiperidrose é avaliada por medidas objetivas (quantitativas) ou subjetivas1. Das objetivas, a mais descrita é a gravimetria, que quantifica a sudorese em peso (miligramas) por tempo (minuto).3
Avaliações subjetivas são usadas para estimar o impacto da afecção na qualidade de vida dos pacientes, bem como o grau de severidade. Como essa afecção pode resultar em substancial prejuízo para o paciente, avaliações subjetivas de severidade são importantes, incluindo limitações no trabalho, na interação social, nas atividades físicas e no lazer, assim como transtornos psicológicos e de relacionamento. A Hyperhidrosis Disease Severity Scale (HDSS) é específica para hiperidrose e mensura sua interferência nas atividades diárias do paciente.4
A prevalência da hiperidrose focal é variável. No Brasil, estudos epidemiológicos encontraram prevalência de 9% em Blumenau (SC)5 e 5,5% entre estudantes de medicina em Manaus (AM).6 Ainda assim, a localização inframamária é pouco citada, com referências prévias em dois trabalhos, que apenas exemplificam essa região como local atípico de hiperidrose focal.7, 8
Este trabalho objetivou caracterizar a hiperidrose inframamária quanto à prevalência, fatores associados, impacto na qualidade de vida e gravimetria em pacientes atendidos na Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.
Estudo transversal, observacional e descritivo, em que todos os pacientes atendidos na Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, durante uma semana, foram questionados sobre a presença de sudorese excessiva inframamária. Aqueles que responderam positivamente preencheram questionário clínico (Quadro 1) e escala de gravidade adaptada a partir da HDSS (Quadro 2).
Os critérios para inclusão dos pacientes no estudo foram: idade igual ou superior a 14 anos, pacientes com queixa de sudorese excessiva inframamária e preenchimento do consentimento livre e esclarecido (TCLE). Os pacientes menores de 18 anos de idade que apresentaram tal queixa só participaram da pesquisa quando acompanhados de seus representantes legais para autorização e assinatura do TCLE.
Os critérios de exclusão de pacientes foram: gestantes, lactantes, menores de 14 anos e pacientes que se recusaram a participar da pesquisa. Todos os pacientes foram devidamente esclarecidos sobre a voluntariedade de sua participação, a ausência de ônus ou nenhuma recompensa decorrente de sua decisão.
Aplicou-se questionário após consentimento livre e esclarecido do paciente, resgatando-se dados pessoais de identificação, história familiar, fatores de melhora e/ou piora, comorbidades, uso de medicamentos, idade de início dos sintomas e outras áreas de hiperidrose focal, que fazem parte da avaliação clínica da hiperidrose, já padronizada em outros estudos.9
A avaliação subjetiva do impacto da hiperidrose inframamária na qualidade de vida foi preenchida pelos próprios pacientes obedecendo à graduação utilizada na escala de gravidade da HDSS.4 Durante a gravimetria (Figura 1) todos os testes foram realizados na mesma sala, sob a mesma faixa de temperatura (25º a 29ºC), verificada com termômetro para avaliação de temperatura ambiente Modelo Cool 23C TA40 (Incoterm® , Porto Alegre, Brasil).
Previamente à realização do teste de gravimetria, a umidade na região inframmamaria foi retirada com papéis absorventes a fim de não interferir na medição da sudorese, durante o período de aferição. Filtros de papel (coador de papel 102 médio, marca Melitta® São Paulo, Brasil) foram pesados previamente em balança de precisão (Ohaus Precision Standard® Modelo TS 2KS, Metrohom, São Paulo, Brasil) e então posicionados na região inframamária seca. Após cinco minutos, os filtros foram novamente pesados e a diferença entre as duas medidas de peso foi considerada como a quantidade de suor em miligramas produzida em cinco minutos.
Os dados foram analisados por estatística descritiva e testes de qui-quadrado (testes x2). Consideraram-se intervalo de confiança maior que 95% e nível de significância menor ou igual a 5%.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (Protocolo 227/2011, Parecer no 15/2011).
Foram atendidos 678 pacientes no período, dos quais 39 (5,7%) responderam positivamente sobre sudorese excessiva na região inframamária (38 mulheres e 1 homem) (Gráfico 1).
A faixa etária mais acometida foi a de 50 a 59 anos (Gráfico 2), e a idade de surgimento variou entre 15 e 63 anos. História familiar positiva (Gráfico 3) para hiperidrose foi observada em 41%, seguida de desconhecida em 31% ou negada em28%.
Quanto à avaliação qualitativa da severidade, observou-se: nível 1 (Meu suor nunca é notado e nunca interfere em minhas atividades diárias) em 6,6% dos casos, nível 2 (Meu suor é tolerável, mas algumas vezes interfere em minhas atividades diárias) em 36,39%, nível 3 (Meu suor é mal tolerável e frequentemente interfere em minhas atividades diárias) em 27,29% e nível 4 (Meu suor é intolerável e sempre interfere em minhas atividades diárias) em24,26% na escala adaptada da HDSS (Gráfico 4).
Os fatores associados e agravantes, em ordem decrescente foram: calor, exercício físico, estresse mental, ansiedade, vestuário, e alimentação. Observou-se associação com outros focos de hiperidrose em 84,62% dos casos (Tabela 1).
Os valores da gravimetria variaram de zero (nulo) a 330mg/5minutos, e, relacionando-os com outras variáveis independentes, não foi encontrada nenhuma associação significativa entre gravimetria e história familiar (x2 = 31,754; p = 0,2014), tamanho do sutiã (x2 = 120.078; p = 0,7224) ou escala de gravidade (x2 = 9,497; p = 0,3927). Índice de massa corpórea e resultados gravimétricos apresentaram associação estatisticamente significativa (Tabela 2) tanto em resultados isolados (X² = 56.456; p = 0,0349), como por faixa de peso (x² = 19.838; p = 0,0189).
Apesar de estudos brasileiros prévios estimarem a frequência da hiperidrose focal, subdividida por locais de acometimento, a prevalência e caracterização da hiperidrose inframamária foi primeiramente descrita neste estudo.
A faixa etária observada10 e história familiar positiva11 aproximaram- se dos dados da literatura para outras hiperidroses focais, em que se observaram na população norte–americana maior prevalência na faixa etária de 45 a 55 anos e frequência de 47,5% de pacientes com antecedentes familiares.
Associação estatística encontrada entre gravimetria e índice de massa corpórea corrobora a hipótese de que o grau de obesidade se reflete na área de superfície corporal e na densidade de glândulas sudoríparas, sendo também observada em outras áreas de hiperidrose focal.
O índice de massa corpórea foi recentemente avaliado em pacientes com hiperidrose facial no Brasil, sem resultados associativos.12 No entanto, uma relação positiva, ainda que não estatística, foi observada entre obesidade e hiperidrose primária em trabalho brasileiro com estudantes de medicina em Manaus.
Outras características da hiperidrose inframamária foram semelhantes aos estudos em outras localizações. A frequência observada na escala de gravidade foi semelhante ao estudo pioneiro de padronização dessa escala,13 com maior prevalência dos níveis 2 ("Meu suor é tolerável, mas algumas vezes interfere em minhas atividades diárias") e 3 ("Meu suor é mal tolerável e frequentemente interfere em minhas atividades diárias").
Os fatores agravantes e/ou associados à hiperidrose inframamária foram semelhantes ao encontrados em trabalhos prévios para outras áreas de hiperidrose focal, que observaram maior associação com calor, estresse, ansiedade e exercício em inquéritos epidemiológicos nas populações norte-americana e canadense.11
A coexistência de hiperidrose inframamária com outras áreas também afetadas e relatadas pelos pacientes (84,62%) condiz com a associação entre diferentes áreas de hiperidrose focal já observada na literatura.10
A prevalência da hiperidrose inframamária, condição pouco estudada até agora, demonstra sua importância como forma de hiperidrose focal e primária.
A utilização da gravimetria e da escala de severidade serviram para avaliar a sudorese inframamária. Os níveis de gravidade revelaram que a sudorese exerce impacto frequente e importante na qualidade de vida dos portadores, podendo ser abordados terapeuticamente. Portanto, é consenso que deve ser vista como anormalidade.
A metodologia utilizada neste estudo foi semelhante à empregada em trabalhos para caracterização de outras formas de hiperidrose focal5,6,13 e pode servir de base para estudos futuros sobre opções terapêuticas que possam melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
1 . Solish N, Bertucci V, Dansereau A, Hong HC, Lynde C, Lupin M, et al. A comprehensive approach to the recognition, diagnosis, and severitybased treatment of focal hyperhidrosis: Recommendations of the Canadian Hyperhidrosis Advisory Committee. Dermatol Surg. 2007;33(8): 908–923
2 . Almeida ART, Hexsel DM. Hiperidrose e Toxina Botulínica. São Paulo: Edição das autoras;2003
3 . Hund M, Kinkelin I, Naumann m, Hamm H. Definition of axillary hyperhidrosis by gravimetric assessment. Arch Dermatol. 2002;138(4):53-41
4 . Solish N, Benohanian A, Kowalski JW; Canadian Dermatology Study Group on Health-Related Quality of Life in Primary AxillaryHyperhidrosis. Prospective open-label study of botulinum toxin type A in patients with axillary hyperhidrosis: effects on functional impairment and quality of life. Dermatol Surg. 2005;31(4):405-13
5 . Fenili R, Demarchi AR, Fistarol ED, Matiello M, Delorenze LM. Prevalência de hiperidrose em uma amostra populacional de Blumenau – SC, Brasil. An Bras Dermatol. 2009;84(4):361-6
6 . Westphal FL, de Carvalho MA, Lima LC. Prevalence of hyperhidrosis among medical students. Rev Col Bras Cir. 2011;38(6):392-7
7 . Walling HW. Primary hyperhidrosis increases the risk of cutaneous infection: a case-control study of 387 patients. J Am Acad Dermatol. 2009;61(2):242-6
8 . Walling HW. Clinical differentiation of primary from secondary Hyperhidrosis. J Am Acad Dermatol. 2011; 64(4):691-5
9 . Leung AK, Chan PYH, Choi MCK. Hyperhidrosis. Int J Dermatol. 1999; 38(8):561–7
10 . Cohen JL, Cohen G, Solish N, Murray CA. Diagnosis, impact and management of focal hyperhidrosis: Treatment review including botulinum toxin therapy. Facial Plast Surg Clin North Am. 2007;15(1):17–30
11 . Lear W, Kessler E, Solish N, Glaser DA. An epidemiologic study of hyperhidrosis. Dermatol Surg. 2007;33(1 Spec No):S69-S75
12 . Wolosker N, Campos JR, Kauffman P, Munia MA, Neves S, Jatene FB, et al. The use of oxybutynin for treating facial hyperhidrosis. An Bras Dermatol. 2011;86(3):451-6
13 . Strutton DR, Kowalski JW, Glaser DA, Stang PE. US prevalence of hyperhidrosis and impact on individuals with axillary hyperhidrosis: results from a national survey. J Am Acad Dermatol. 2004;51(2):241-8