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Artigo Original

Hiperidrose inframamária: caracterização clínica e gravimétrica

Gabriel A. de A. Sampaio1, Ada Regina Trindade de Almeida1, Ana Flávia Nogueira Saliba1, Natássia Pinheiro de Lavor Queiroz1

Data de recebimento: 04/06/2013
Data de aprovação: 17/06/2013
Trabalho realizado na Clínica Dermatológica
do Hospital do Servidor Público Municipal de São
Paulo – São Paulo (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Introdução: A hiperidrose é caracterizada por sudorese excessiva, generalizada ou focal. As formas primárias ou idiopáticas são geralmente focais. A localização inframamária é atípica, sendo pouco citada. A severidade da hiperidrose é avaliada por métodos objetivos (gravimetria) ou de impacto na qualidade de vida (Hiperydrosis Disease Severity Scale). Objetivos: Caracterizar a hiperidrose inframamária quanto à prevalência, fatores associados, impacto na qualidade de vida e gravimetria. Métodos: Estudo observacional, descritivo e transversal, em que todos os pacientes atendidos durante uma semana foram questionados sobre a presença de sudorese excessiva inframamária. Aqueles que responderam positivamente preencheram questionário, escala de gravidade e submeteram-se à gravimetria. Os dados foram analisados por estatística descritiva e testes de qui-quadrado (x2). Resultados: Foram atendidos 678 pacientes dos quais 39 (5,7%) confirmaram a queixa de HH inframamária. Associação estatística entre resultado da gravimetria e índice de massa corpórea foi encontrada. Conclusões: A prevalência da HH inframamária foi demonstrada como importante localização de HH focal primária. A caracterização da HH inframamária, condição pouco estudada até agora, pode servir de base para estudos futuros, sobre opções terapêuticas que possam melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Keywords: HIPERIDROSE, SUDORESE, GRAVIMETRIA


INTRODUÇÃO

A hiperidrose é condição caracterizada por sudorese excessiva, generalizada ou focal. A hiperidrose generalizada envolve todo o corpo e geralmente está associada a problemas sistêmicos, como desordens endócrinas, neurológicas ou infecções. A forma focal primária ou idiopática afeta pessoas saudáveis, sendo mais frequente na região palmoplantar, axilas e face.1 A fisiopatologia não é totalmente esclarecida, sendo atribuída à disfunção do sistema nervoso simpático.2

O diagnóstico é clínico, baseado na anamnese e exame físico. A severidade da hiperidrose é avaliada por medidas objetivas (quantitativas) ou subjetivas1. Das objetivas, a mais descrita é a gravimetria, que quantifica a sudorese em peso (miligramas) por tempo (minuto).3

Avaliações subjetivas são usadas para estimar o impacto da afecção na qualidade de vida dos pacientes, bem como o grau de severidade. Como essa afecção pode resultar em substancial prejuízo para o paciente, avaliações subjetivas de severidade são importantes, incluindo limitações no trabalho, na interação social, nas atividades físicas e no lazer, assim como transtornos psicológicos e de relacionamento. A Hyperhidrosis Disease Severity Scale (HDSS) é específica para hiperidrose e mensura sua interferência nas atividades diárias do paciente.4

A prevalência da hiperidrose focal é variável. No Brasil, estudos epidemiológicos encontraram prevalência de 9% em Blumenau (SC)5 e 5,5% entre estudantes de medicina em Manaus (AM).6 Ainda assim, a localização inframamária é pouco citada, com referências prévias em dois trabalhos, que apenas exemplificam essa região como local atípico de hiperidrose focal.7, 8

Este trabalho objetivou caracterizar a hiperidrose inframamária quanto à prevalência, fatores associados, impacto na qualidade de vida e gravimetria em pacientes atendidos na Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo.

MÉTODOS

Estudo transversal, observacional e descritivo, em que todos os pacientes atendidos na Clínica Dermatológica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo, durante uma semana, foram questionados sobre a presença de sudorese excessiva inframamária. Aqueles que responderam positivamente preencheram questionário clínico (Quadro 1) e escala de gravidade adaptada a partir da HDSS (Quadro 2).

Os critérios para inclusão dos pacientes no estudo foram: idade igual ou superior a 14 anos, pacientes com queixa de sudorese excessiva inframamária e preenchimento do consentimento livre e esclarecido (TCLE). Os pacientes menores de 18 anos de idade que apresentaram tal queixa só participaram da pesquisa quando acompanhados de seus representantes legais para autorização e assinatura do TCLE.

Os critérios de exclusão de pacientes foram: gestantes, lactantes, menores de 14 anos e pacientes que se recusaram a participar da pesquisa. Todos os pacientes foram devidamente esclarecidos sobre a voluntariedade de sua participação, a ausência de ônus ou nenhuma recompensa decorrente de sua decisão.

Aplicou-se questionário após consentimento livre e esclarecido do paciente, resgatando-se dados pessoais de identificação, história familiar, fatores de melhora e/ou piora, comorbidades, uso de medicamentos, idade de início dos sintomas e outras áreas de hiperidrose focal, que fazem parte da avaliação clínica da hiperidrose, já padronizada em outros estudos.9

A avaliação subjetiva do impacto da hiperidrose inframamária na qualidade de vida foi preenchida pelos próprios pacientes obedecendo à graduação utilizada na escala de gravidade da HDSS.4 Durante a gravimetria (Figura 1) todos os testes foram realizados na mesma sala, sob a mesma faixa de temperatura (25º a 29ºC), verificada com termômetro para avaliação de temperatura ambiente Modelo Cool 23C TA40 (Incoterm® , Porto Alegre, Brasil).

Previamente à realização do teste de gravimetria, a umidade na região inframmamaria foi retirada com papéis absorventes a fim de não interferir na medição da sudorese, durante o período de aferição. Filtros de papel (coador de papel 102 médio, marca Melitta® São Paulo, Brasil) foram pesados previamente em balança de precisão (Ohaus Precision Standard® Modelo TS 2KS, Metrohom, São Paulo, Brasil) e então posicionados na região inframamária seca. Após cinco minutos, os filtros foram novamente pesados e a diferença entre as duas medidas de peso foi considerada como a quantidade de suor em miligramas produzida em cinco minutos.

Os dados foram analisados por estatística descritiva e testes de qui-quadrado (testes x2). Consideraram-se intervalo de confiança maior que 95% e nível de significância menor ou igual a 5%.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (Protocolo 227/2011, Parecer no 15/2011).

RESULTADOS

Foram atendidos 678 pacientes no período, dos quais 39 (5,7%) responderam positivamente sobre sudorese excessiva na região inframamária (38 mulheres e 1 homem) (Gráfico 1).

A faixa etária mais acometida foi a de 50 a 59 anos (Gráfico 2), e a idade de surgimento variou entre 15 e 63 anos. História familiar positiva (Gráfico 3) para hiperidrose foi observada em 41%, seguida de desconhecida em 31% ou negada em28%.

Quanto à avaliação qualitativa da severidade, observou-se: nível 1 (Meu suor nunca é notado e nunca interfere em minhas atividades diárias) em 6,6% dos casos, nível 2 (Meu suor é tolerável, mas algumas vezes interfere em minhas atividades diárias) em 36,39%, nível 3 (Meu suor é mal tolerável e frequentemente interfere em minhas atividades diárias) em 27,29% e nível 4 (Meu suor é intolerável e sempre interfere em minhas atividades diárias) em24,26% na escala adaptada da HDSS (Gráfico 4).

Os fatores associados e agravantes, em ordem decrescente foram: calor, exercício físico, estresse mental, ansiedade, vestuário, e alimentação. Observou-se associação com outros focos de hiperidrose em 84,62% dos casos (Tabela 1).

Os valores da gravimetria variaram de zero (nulo) a 330mg/5minutos, e, relacionando-os com outras variáveis independentes, não foi encontrada nenhuma associação significativa entre gravimetria e história familiar (x2 = 31,754; p = 0,2014), tamanho do sutiã (x2 = 120.078; p = 0,7224) ou escala de gravidade (x2 = 9,497; p = 0,3927). Índice de massa corpórea e resultados gravimétricos apresentaram associação estatisticamente significativa (Tabela 2) tanto em resultados isolados (X² = 56.456; p = 0,0349), como por faixa de peso (x² = 19.838; p = 0,0189).

DISCUSSÃO

Apesar de estudos brasileiros prévios estimarem a frequência da hiperidrose focal, subdividida por locais de acometimento, a prevalência e caracterização da hiperidrose inframamária foi primeiramente descrita neste estudo.

A faixa etária observada10 e história familiar positiva11 aproximaram- se dos dados da literatura para outras hiperidroses focais, em que se observaram na população norte–americana maior prevalência na faixa etária de 45 a 55 anos e frequência de 47,5% de pacientes com antecedentes familiares.

Associação estatística encontrada entre gravimetria e índice de massa corpórea corrobora a hipótese de que o grau de obesidade se reflete na área de superfície corporal e na densidade de glândulas sudoríparas, sendo também observada em outras áreas de hiperidrose focal.

O índice de massa corpórea foi recentemente avaliado em pacientes com hiperidrose facial no Brasil, sem resultados associativos.12 No entanto, uma relação positiva, ainda que não estatística, foi observada entre obesidade e hiperidrose primária em trabalho brasileiro com estudantes de medicina em Manaus.

Outras características da hiperidrose inframamária foram semelhantes aos estudos em outras localizações. A frequência observada na escala de gravidade foi semelhante ao estudo pioneiro de padronização dessa escala,13 com maior prevalência dos níveis 2 ("Meu suor é tolerável, mas algumas vezes interfere em minhas atividades diárias") e 3 ("Meu suor é mal tolerável e frequentemente interfere em minhas atividades diárias").

Os fatores agravantes e/ou associados à hiperidrose inframamária foram semelhantes ao encontrados em trabalhos prévios para outras áreas de hiperidrose focal, que observaram maior associação com calor, estresse, ansiedade e exercício em inquéritos epidemiológicos nas populações norte-americana e canadense.11

A coexistência de hiperidrose inframamária com outras áreas também afetadas e relatadas pelos pacientes (84,62%) condiz com a associação entre diferentes áreas de hiperidrose focal já observada na literatura.10

CONCLUSÃO

A prevalência da hiperidrose inframamária, condição pouco estudada até agora, demonstra sua importância como forma de hiperidrose focal e primária.

A utilização da gravimetria e da escala de severidade serviram para avaliar a sudorese inframamária. Os níveis de gravidade revelaram que a sudorese exerce impacto frequente e importante na qualidade de vida dos portadores, podendo ser abordados terapeuticamente. Portanto, é consenso que deve ser vista como anormalidade.

A metodologia utilizada neste estudo foi semelhante à empregada em trabalhos para caracterização de outras formas de hiperidrose focal5,6,13 e pode servir de base para estudos futuros sobre opções terapêuticas que possam melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Referências

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2 . Almeida ART, Hexsel DM. Hiperidrose e Toxina Botulínica. São Paulo: Edição das autoras;2003

3 . Hund M, Kinkelin I, Naumann m, Hamm H. Definition of axillary hyperhidrosis by gravimetric assessment. Arch Dermatol. 2002;138(4):53-41

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5 . Fenili R, Demarchi AR, Fistarol ED, Matiello M, Delorenze LM. Prevalência de hiperidrose em uma amostra populacional de Blumenau – SC, Brasil. An Bras Dermatol. 2009;84(4):361-6

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7 . Walling HW. Primary hyperhidrosis increases the risk of cutaneous infection: a case-control study of 387 patients. J Am Acad Dermatol. 2009;61(2):242-6

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10 . Cohen JL, Cohen G, Solish N, Murray CA. Diagnosis, impact and management of focal hyperhidrosis: Treatment review including botulinum toxin therapy. Facial Plast Surg Clin North Am. 2007;15(1):17–30

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