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Artigo Original

Avaliação quantitativa e qualitativa da blefaroplastia superior: um estudo longitudinal retrospectivo

Gabriele Harumi Seko1; Jéssica Pagan Faria1; Eldislei Mioto1; Luan Yudi Prando Kasuga2; Melissa Caroline Godoi Prestes2; Rogerio Nabor Kondo1

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2025170446

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Data de submissão: 04/03/2025
Decisão final: 14/04/2025

Agradecimentos: A Ricardo Kazuhito Yamamoto, médico oftalmologista pela Sociedade Brasileira de Oftalmologia, pelas orientações fornecidas ao estudo sob o ponto de vista da oftalmologia.
Como citar este artigo: Seko GH, Faria JP, Mioto E, Kasuga LYP, Prestes MCG, Kondo RN. Avaliação quantitativa e qualitativa da blefaroplastia superior: um estudo longitudinal retrospectivo. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250446.


Abstract

INTRODUÇÃO: As pálpebras desempenham funções específicas, como a proteção ocular. O envelhecimento pode levar ao excesso de pele palpebral superior (dermatocálase superior), causando prejuízos funcionais e estéticos. As avaliações subjetivas de melhora, pré e pós-blefaroplastia, podem ser subestimadas, já que mesmo um aumento mínimo na altura da fenda palpebral pode melhorar o campo visual.
OBJETIVO: Verificar, por meio da aferição da altura da fenda palpebral, se houve melhora da dermatocálase após a blefaroplastia superior realizada por dermatologistas, e comparar as avaliações subjetivas de dermatologistas independentes e dos pacientes.
MÉTODOS: Estudo baseado na revisão de prontuários dos pacientes submetidos à blefaroplastia superior. Fotografias obtidas antes e 2 meses após a cirurgia foram comparadas. Dermatologistas independentes avaliaram as imagens (avaliação subjetiva), e a percepção subjetiva dos pacientes também foi verificada. A altura da fenda palpebral, em milímetros, foi calculada antes e após as cirurgias.
RESULTADOS: Foram analisadas 170 pálpebras. Houve diferenças significativas nas médias da altura da fenda palpebral pré e pós-cirurgia (7,088 versus 8,618 mm; p < 0.001) e na autoavaliação dos pacientes (p = 0,001), mas não entre as avaliações subjetivas dos dermatologistas independentes (p = 0,665).
CONCLUSÃO: Houve aumento da média da altura da fenda palpebral após blefaroplastia, o que provavelmente resultou em melhora do campo visual. A dermatologia é uma especialidade apta a realizar o procedimento.


Keywords: Blefaroplastia; Pálpebras; Envelhecimento da Pele; Olho.


INTRODUÇÃO

As pálpebras são estruturas complexas e desempenham funções específicas, como proteger o globo ocular contra traumas, servir de anteparo à luz excessiva e executar os movimentos das lágrimas em direção ao sistema de drenagem lacrimal, além de contribuir para a beleza e a expressão dos olhos.1,2 Alguns fatores, sendo o principal o envelhecimento cutâneo cronológico, podem levar à perda de elasticidade e ao excesso de pele palpebral superior (dermatocálase superior), causando prejuízos no campo visual e na estética da região periocular.3 Já a dermatocálase palpebral inferior tem maior impacto no aspecto coméstico.4 O laser e as radiofrequências podem ser utilizados no tratamento da dermatocálase,5 mas a cirurgia (blefaroplastia) ainda é a técnica mais utilizada, sendo um procedimento de baixo custo e pouco invasivo.3 A oftalmologia e a cirurgia plástica são as especialidades que, classicamente, realizam a blefaroplastia.3,4,6 No entanto, sabe-se que no cenário do sistema público de saúde, há uma demanda muito alta de pacientes para essas especialidades, tornando as filas de espera para a realização da blefaroplastia bastante longas. A dermatologia, como especialidade clínico-cirúrgica, também pode executar o procedimento, sendo a realização da blefaroplastia por essa especialidade uma opção para reduzir tal demora.7 Além disso, seria importante avaliar se a dermatologia consegue ou não promover resultados satisfatórios no pós-operatório. Entretanto, considerar apenas a avaliação subjetiva do próprio cirurgião assistente não seria o ideal, e a inclusão do parecer de outros médicos, associada a uma avaliação objetiva, reduziria um possível viés de performance.3,6 Um estudo prévio propôs avaliar de forma objetiva os resultados cirúrgicos da blefaroplastia superior realizada por dermatologistas, utilizando a comparação entre a medida da altura da fenda palpebral (AFP) no pré e no pós-operatório.3 Porém, tal estudo contou com uma amostra limitada (apenas nove pacientes) e sugeriu a realização de novos estudos.3 O objetivo deste estudo foi verificar se houve melhora da dermatocálase após a realização de blefaroplastia superior pelo serviço de dermatologia local, investigando, assim, a aptidão da especialidade para a realização do procedimento. Tal melhora foi avaliada tanto quantitativamente, pela comparação entre as medidas de AFP antes e após a cirurgia, quanto qualitativamente, pela avaliação subjetiva pré e pós-operatória de dermatologistas independentes e dos próprios pacientes.

 

MÉTODOS

Delineamento

Foi realizado um estudo longitudinal e retrospectivo por meio da revisão de prontuários e fotografias de pacientes submetidos à blefaroplastia superior pelo serviço de dermatologia da universidade onde o estudo foi conduzido.

Critérios de inclusão e exclusão

O critério de inclusão dos pacientes no estudo foi a realização da blefaroplastia superior pelo serviço de dermatologia no período de 1 de abril de 2014 a 31 de março de 2023. Já os critérios de exclusão foram: ausência de retorno após a cirurgia; falta de dados que não puderam ser obtidos por convocação ou contato telefônico; realização de fotografias por profissional que não fosse o pesquisador principal; e utilização de câmeras diferentes da Canon T3i.

Métodos de avaliação

Fotografias padronizadas a uma distância de 50 cm, realizadas com a câmera Canon® T3i e lente macro 55, antes do procedimento e após 2 meses da cirurgia, foram comparadas pelo programa Scion Image 4.0. A AFP, em milímetros, definida como a distância da pálpebra superior à pálpebra inferior passando pela pupila, foi calculada a partir das fotos armazenadas (Figura 1). Utilizou-se o programa Pixel Converter para transformar pixels em milímetros, adotando-se milésimos decimais para atribuir os valores em milímetros da AFP.

As fotos de antes e depois do procedimento foram distribuídas a três dermatologistas independentes para avaliação, sem que os especialistas soubessem qual era a fotografia prévia e qual era a posterior à cirurgia (foto A x foto B). Os profissionais, então, forneceram uma nota numérica comparando a evolução da foto A para a B e da foto B para a A, de acordo com a seguinte escala criada pelos pesquisadores: muita piora (-3), moderada piora (-2), discreta piora (-1), sem alterações (0), pouca melhora (+1), discreta melhora (+2) e muita melhora (+3). Apenas os pesquisadores sabiam, por exemplo, que a pontuação -3 poderia corresponder, na verdade, a +3. A avaliação subjetiva do paciente também foi verificada quanto à melhora funcional (campo visual) e/ou estética, utilizando-se as pontuações: melhora (+1), sem melhora (0) e piora (-1).

Avaliação estatística

Os dados foram preenchidos em formulários desenvolvidos pelos próprios pesquisadores. As informações coletadas foram compiladas em planilha Excel para análise estatística, utilizando-se os programas Stata® (versão 13.0, StataCorp, Texas) e Jamovi. Foi aplicado o teste exato de Fisher para comparação de variáveis categóricas e o teste qui-quadrado para tendência. As variáveis contínuas foram analisadas por meio do teste de Wilcoxon-Mann-Whitney. Após a verificação da normalidade das variáveis quantitativas pelo teste de Shapiro-Wilk, foram aplicados os testes não paramétricos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para comparação dos resultados obtidos. Foram considerados valores de significância estatística (p < 0,05) e intervalo de confiança de 95%. O cálculo do tamanho amostral mínimo resultou em 170 pálpebras (85 pacientes), considerando uma diferença significativa de pelo menos 0,900 mm na AFP entre as medidas pré e pós-blefaroplastia, com nível de significância de 5%, poder de 80% e desvio-padrão de 0,300 mm.

Comitê de Ética

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos do hospital em que o estudo foi realizado, com o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética: 69513623.0.0000.5231.

Detalhamento da técnica cirúrgica

Com o paciente em decúbito dorsal horizontal e olhos fechados, realizou-se a marcação em formato fusiforme da pele a ser excisada, utilizando caneta cirúrgica ou azul de metileno. O limite inferior foi traçado a uma distância maior que 8 mm da linha de implantação dos cílios, e o limite superior do fuso foi marcado a mais de 10 mm da margem inferior do supercílio (medidas adotadas para evitar lagoftalmia).1 Nas extremidades laterais, foi realizado um leve arqueamento. (Figura 2)

A) Antissepsia com solução tópica de polivinil-iodina a 10%;

B) Infiltração subcutânea na pálpebra superior com lidocaína a 2% associada a vasoconstritor;

C) Incisão da área demarcada com lâmina nº 15 e remoção do tecido até o subcutâneo;

D) Hemostasia;

E) Sutura com fio Mononylon 6-0, com pontos simples;

F) Limpeza e curativo com Micropore estéril.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta os principais achados do estudo. Foram analisadas 170 pálpebras de 85 indivíduos, com idade média de 61,4 anos, predominantemente do sexo feminino (83,5%) e da raça branca (85,9%). Houve diferença significativa entre as médias da AFP pré e pós-blefaroplastia (7,088 versus 8,618 mm; p < 0,001). O Gráfico 1 mostra a comparação entre as medidas de AFP pré e pós-cirurgia.

Na avaliação dos dermatologistas, houve predomínio subjetivo de melhora discreta (52,9%) em relação aos demais achados (47,2%) (p = 0,665). Quando comparada a proporção de melhora versus não melhora, o resultado pós-blefaroplastia foi significativo (94,3 versus 4,7%; p = 0,001). Já nas autoavaliações dos pacientes, observou-se melhora significativa (96,5 versus 3,5%; p = 0,001). O Gráfico 2 mostra as avaliações dos dermatologistas e dos pacientes.

Em relação às correlações da AFP pós-blefaroplastia, a idade dos pacientes apresentou correlação inversa (r = -0,230; p = 0,032). As avaliações dos dermatologistas e as autoavaliações dos pacientes não apresentaram correlações significativas com a AFP pós-blefaroplastia (p > 0,05) (Tabela 2). No entanto, quando comparadas as avaliações dos dermatologistas com as autoavaliações dos pacientes (sem considerar a medida da AFP), observou-se significância estatística (r = 0,351; p < 0,001).

 

DISCUSSÃO

A casuística do presente estudo observou o predomínio do sexo feminino, com idade média superior a 60 anos, em conformidade com a literatura.8,9 A média da AFP foi de 7,088 e 8,618 mm no pré e pós-cirúrgico (p < 0,001), respectivamente, valores próximos aos encontrados por Schellini et al.3 A média da AFP sem dermatocálase, ou seja, na população adulta jovem, pode variar de acordo com a raça, o país e o sexo. Um estudo turco encontrou média de 10,4 mm para o sexo feminino e 10,3 mm para o masculino.10 Não há dados consolidados sobre a média da AFP após a cirurgia de blefaroplastia. No entanto, Schellini et al.3 relataram média de 7,92 mm no pós-cirúrgico em nove pacientes avaliados, também abaixo da média observada em indivíduos sem dermatocálase, resultado semelhante ao encontrado em nosso estudo. As avaliações subjetivas dos dermatologistas e as autoavaliações dos pacientes não apresentaram correlações com a AFP pós-operatória (p > 0,05). Os autores levantam a hipótese de que as comparações pré e pós-blefaroplastia são pouco perceptíveis apenas a olho nu, visto que nenhuma das avaliações indicou piora (p < 0,05). Esse achado poderia sugerir que mesmo pequenas melhoras da AFP em milímetros já seriam capazes de favorecer a acuidade visual. A campimetria é o exame padrão para avaliar o campo visual antes e depois da blefaroplastia. Entretanto, esse exame depende das informações fornecidas pelo paciente, tratando-se de um parâmetro também subjetivo.8 Em nosso estudo, esse teste não foi realizado, assim como no trabalho de Schellini et al. A indicação cirúrgica baseou-se na queixa do paciente e no exame do excesso cutâneo palpebral superior. Até o presente momento, não há na literatura estudos da área de cirurgia plástica que utilizem a medida da AFP ou outra medida objetiva para a avaliação da blefaroplastia superior. Além disso, nenhum estudo utilizou, de forma concomitante, três métodos de avaliação dos resultados cirúrgicos (AFP, avaliação de especialistas independentes e autoavaliação do paciente). Entre as limitações do estudo, encontram-se a não realização da campimetria, que poderia fornecer informações adicionais, e o fato de ter sido conduzido em um único centro de referência. Além disso, foi necessária a exclusão de 10 pacientes devido a viés de informação, sendo incluídos outros 10 da listagem consecutiva para manter o tamanho amostral. Apesar dessas limitações, os autores replicaram uma avaliação quantitativa (AFP)3 e a compararam com parâmetros qualitativos, observando resultados superiores no pós-cirúrgico de forma mais objetiva, o que demonstra que a dermatologia também pode estar apta à realização da blefaroplastia superior.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo observou, por meio da análise de um parâmetro quantitativo (AFP), uma melhora significativa nos pacientes submetidos à cirurgia de blefaroplastia superior realizada pela dermatologia, evidenciando que a especialidade também pode estar apta a contribuir nesse tipo de procedimento.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Gabriele Harumi Seko
ORCID:
0000-0001-6661-4070
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Jéssica Pagan Faria
ORCID:
0000-0001-8727-2348
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Eldislei Mioto
ORCID:
0000-0001-5376-9292
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Luan Yudi Prando Kasuga
ORCID:
0009-0006-3724-0034
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Melissa Caroline Godoi Prestes
ORCID:
0009-0005-3710-9995
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Rogerio Nabor Kondo
ORCID:
0000-0003-1848-3314
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

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