Rebecca Perez de Amorim; Hélio Amante Miot
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Data de submissão: 16/09/2024
Decisão final: 28/01/2025
Como citar este artigo: Amorim RP, Miot HA. Fechamento tardio de ferida cirúrgica do couro cabeludo pela técnica de Figueiredo: relato de um caso. Surg Cosmet Dermatol. 2025;17:e20250407.
Nem todas as feridas operatórias são passíveis de fechamento primário, especialmente no couro cabeludo, onde a inelasticidade do tecido e a extensão da lesão, como em neoplasias cutâneas, complicam o procedimento. Enxertos e retalhos aumentam a complexidade, o tempo de recuperação e o custo cirúrgico. A técnica de Figueiredo reduz custos, protege a ferida no período crítico, mantém sua umidade e promove o desenvolvimento do tecido de granulação. Este relato inédito apresenta a aplicação da técnica em couro cabeludo de um paciente idoso com esclerodermia sistêmica e lesão suspeita de carcinoma espinocelular, demonstrando boa evolução e resultado estético satisfatório.
Keywords: Oncologia Cirúrgica; Neoplasias cutâneas; Técnicas de Fechamento de Ferimentos; Couro Cabeludo.
A técnica cirúrgica de Figueiredo, publicada em 2017, demonstrou o uso de uma prótese de polipropileno, obtida a partir de uma bolsa estéril de soro fisiológico, para a cobertura de lesões traumáticas em ponta de dedos.1-3 A técnica é fundamentada na realização de um reparo prévio do leito ungueal e colocação da prótese, cortada na forma exata da área da ferida operatória, sob o leito ungueal, sendo esta fixada com pontos simples ou em "U" com fio de nylon. O material substitui temporariamente a unha, ficando acomodado e fixo nas margens da lesão sem pressionar a área do leito em reparação.1,3 Desse modo, a ferida cicatriza por segunda intenção e a prótese garante a proteção da área abordada, reduz infecção por contaminação local, estimula mais rapidamente a formação de um tecido de granulação e evita a aderência dos curativos no local.1,3 O primeiro artigo sobre a técnica aplicado à dermatologia foi publicado em 2023. Nele, foi descrito o seu uso para casos de lesões em áreas distais dos membros, nos quais a pega do enxerto é dificultada, seja pela extensão da ferida cirúrgica, pela presença de forças de cisalhamento, por insuficiência venosa ou por edema periférico.2 Ainda não há relatos sobre a utilização da técnica de Figueiredo em couro cabeludo. Ela pode ser de grande valia na prática clínica dermatológica, dada a pouca redundância de tecido local e a necessidade frequente, a depender da extensão do tumor, de abordagens agressivas.
O paciente, um homem de 73 anos, portador de esclerodermia sistêmica limitada, relatava presença de lesão dolorosa em couro cabeludo há seis meses. Ao exame físico, a lesão apresentava-se como um nódulo hiperceratótico infiltrado e de base eritematosa (Figura 1), com 1,5 cm em seu maior eixo e localizado em região parietal esquerda. O nódulo era compatível com a suspeita de carcinoma espinocelular (CEC). Optou-se pela excisão com margem oncológica e fechamento por segunda intenção com o uso da técnica de Figueiredo para a abordagem cirúrgica terapêutica, por se tratar de um ambiente ambulatorial de média complexidade. Foi realizada antissepsia com clorexidina alcóolica e anestesia local infiltrativa com lidocaína 2% com vasoconstritor. A exérese da lesão englobou uma margem lateral de 4 mm, chegando-se à gálea no limite inferior (Figura 2). Foi feito o recorte da bolsa de soro fisiológico e colocação da prótese de polipropileno, mantendo dimensões similares ao defeito cirúrgico (Figura 3). Para evitar isquemia do tecido , a prótese foi fixada com pontos simples de nylon 3.0 bem espaçados entre si. Um curativo compressivo foi realizado com gaze, faixa e fita Micropore. O paciente foi orientado a retirar os curativos secundários 48 horas após o procedimento e a retornar em 21 dias para a retirada da prótese. Passados 21 dias, o paciente retornou para a retirada da prótese. A área apresentava um tecido de granulação eritematoso e viável, ao nível da pele circunjacente. Não houve necessidade de desbridamento (Figura 4). O paciente evoluiu bem e sem queixas, retornou após 45 dias com cicatrização completa do defeito cirúrgico, referida desde o 30º dia. O laudo do exame histopatológico foi de CEC bem diferenciado, exérese com margens livres. O resultado estético satisfatório pode ser avaliado na Figura 5, após 6 meses do procedimento.
A técnica de Figueiredo apresenta-se como possibilidade para a condução de cicatrização em lesões estéreis em couro cabeludo. Considerada como de fácil execução, não necessita de cirurgião dermatológico com experiência em cirurgias avançadas ou centro cirúrgico de suporte em hospital terciário para ser realizada. Além disso, a técnica utiliza materiais de baixo custo e de ampla disponibilidade, o que desonera o sistema de saúde.2-6 Oncologicamente, permite a detecção precoce de recidivas e favorece a reintervenção, ao contrário da rotação de retalhos.6-8 Tem grande aplicabilidade em idosos, que apresentam redução do suprimento vascular, o que dificulta a pega do enxerto, como no caso da esclerose sistêmica. Também evita a abordagem de outra área cirúrgica (área doadora) nos casos de enxertia, reduzindo o incômodo, a probabilidade de complicações, o tempo de recuperação pós-cirurgia e a morbidade associada ao procedimento. Em casos de retalhos, também há a necessidade de ampliação da área cirúrgica para rotacioná-los, o que aumenta o tempo cirúrgico e a quantidade anestésica. Além disso, muitos pacientes apresentam áreas adjacentes ao tumor de pele abordado igualmente fotodanificadas, que não são ideais para a cobertura deste.2,4,5,6 Durante o processo de cicatrização, o exsudato formado é substituído por fibrina, que tem coloração amarelada. Gradativamente, esse tecido vai dando espaço ao tecido de granulação que, por fim, leva à epitelização completa da ferida operatória. Como a prótese de polipropileno é transparente, isso possibilita reavaliações, importante em casos nos quais as lesões são extensas e necessitam ficar com a prótese por um período maior do que relatado no presente caso. O tempo da cicatrização depende de fatores da ferida, como a ocorrência de infecção, e de fatores do paciente, como idade e qualidade da pele (espessura, vascularização, fotodano, etc.).3,4 Algumas publicações descrevem o processo de cicatrização por segunda intenção em feridas no couro cabeludo e na fronte após a realização da cirurgia micrográfica de Mohs.6,7 A cicatrização por segunda intenção se baseia em duas etapas principais: contração da ferida e reepitelização. Praticamente não há contração da ferida nas áreas citadas, dada a inelasticidade do tecido, de modo que a cicatrização ocorre predominantemente por reepitelização.7,8 O processo de reepitelização inicia nas margens da ferida. É preciso esperar que o tecido de granulação (TG) em formação "preencha a ferida", para que então ocorra a migração epitelial. A formação do TG depende da manutenção da umidade na ferida operatória (FO). A literatura descreve a limpeza da FO com peróxido de hidrogênio, o uso de antibióticos tópicos, limpezas diárias, uso diário de petrolato e a realização de curativos com quatro camadas (vaselina, gaze, algodão e fita) para evitar infecção secundária e permitir e formação do tecido de cicatrização. Também se propõe a realização de sutura em bolsa nas margens da ferida para acrescentar o componente de contração tecidual.7,8 O uso da prótese de polipropileno nas circunstâncias descritas neste relato de caso traz algumas vantagens. Ela é resistente, permanece sobre o local pelo período proposto, garante a proteção e a umidade do leito operatório, sem compressão e estimulando o tecido de granulação. Após o período inicial de 48 horas, curativos secundários e creme podem ser dispensados enquanto a bolsa estiver posicionada e o contato com a água é permitido. Além do mais, suturar as margens da lesão acrescenta o componente de contração tecidual descrito acima.2,3,4,7,8 É necessário realizar estudos prospectivos, randomizados e controlados com curativos convencionais para avaliar as potenciais vantagens da técnica de Figueiredo no reparo de defeitos cirúrgicos do couro cabeludo submetidos à cicatrização por segunda intenção.
O fechamento primário é o método mais comum de restauração cutânea e deve ser considerado, desde que gere resultados estéticos satisfatórios e sem distorção anatômica. Contudo, há certas circunstâncias em que isso não é possível. Uma alternativa à realização de enxertos e retalhos é permitir a cicatrização por segunda intenção.6 A técnica de Figueiredo demonstrou ser eficaz e segura no caso relatado, não houve infecção local associada ao uso da prótese e o paciente obteve resultado estético satisfatório.
Rebecca Perez de Amorim
ORCID: 0000-0002-1170-5685
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
Hélio Amante Miot
ORCID: 0000-0002-2596-9294
Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.
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