Rogerio Nabor Kondo; Ana Carolina Cechin Alves; Camila Medyk; Luis Felipe Stella Santos
Data de Submissão: 31/03/2023
Decisão final: 27/04/2023
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Como citar este artigo: Kondo RN, Alves ACC, Medyk C, Santos LFS. Retalho em ilha de tubarão: uma série de dois casos. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230241.
Carcinoma basocelular (CBC) é o câncer de pele mais comum. Dependendo de seu tamanho e de sua localização, a reconstrução do defeito resultante de sua excisão pode se tornar muito desafiadora para o cirurgião dermatológico. A técnica do retalho em ilha de tubarão (RIT) é utilizada para defeitos principalmente em região alar ou perialar nasal, mas também a utilizamos de maneira modificada para fechamento de grande defeito da porção cutânea de lábio. Reportamos dois casos, sendo o primeiro a aplicação de RIT clássico e o outro, modificado. Em ambos os casos, os resultados foram satisfatórios tanto pela cosmética quanto pela funcionalidade.
Keywords: Carcinoma basocelular; Retalhos cirúrgicos; Nariz; Relatos de casos
O carcinoma basocelular (CBC) é o tipo mais comum de câncer da pele.1 Dependendo do tamanho e da localização do tumor, o defeito resultante da excisão requer reconstruções com retalhos, com enxertos ou com a utilização de ambos ao mesmo tempo, tornando o ato cirúrgico bem desafiador.2,3
O retalho em ilha de tubarão (RIT) é retalho em ilha em rotação, na qual parte do pedículo faz um movimento de "abocanhar" o defeito, e o desenho final do retalho lembra a barbatana do tubarão. Geralmente, é utilizado para corrigir defeitos circulares na região alar ou perialar nasal, em que se utiliza a pele adjacente acima e lateralmente ao defeito para dar maior mobilidade ao retalho.3,4,5
Reportamos dois casos de pacientes em que foi utilizada a reconstrução com RIT após exéreses de CBC nasal, sendo um deles com a lesão na região alar nasal (local em que o retalho é recomendado) e outro paciente com lesão na porção cutânea do lábio (região ainda não relatada na literatura), com o resultado estético satisfatório em ambos os casos. O objetivo do relato de casos é exemplificar o RIT e demonstrar uma opção da técnica para corrigir defeitos na porção cutânea de lábio, com fácil execução e bom nível de satisfação dos pacientes.
Foram tratados um paciente com CBC em região alar nasal direita e outro com dois CBCs na porção cutânea do lábio superior.
PACIENTE 1: Paciente masculino, 69 anos, fototipo III, com placa perolada, 11x7mm, na região alar nasal à direita, com CBC confirmado pela biópsia. Foi realizada a excisão da lesão, com margens de segurança de 3mm. O defeito resultante foi de 14x10mm e optou-se por RIT (Figuras 1, 2, 3 e 4).
PACIENTE 2: Paciente masculino, 66 anos, fototipo III, com duas lesões, sendo uma pápula, hipercrômica, 10x7mm, e outra pápula com 5x5mm, na região do sulco nasogeniano direito e na porção cutânea do lábio superior à direita, com CBCs confirmados pelas biópsias. Foi realizada a excisão das duas lesões em bloco com margens de segurança de 4mm. O defeito resultante foi de 35x15mm e optou-se por RIT (Figuras 5, 6, 7 e 8).
Descrição da técnica utilizada no paciente 1
a) Paciente em decúbito dorsal horizontal;
b) Marcação com azul de metileno ou com caneta cirúrgica da lesão com margem de 3mm e locais de incisão do retalho: um arco que se inicia do defeito, em sua porção inferior-medial, contornando e subindo até 10mm do defeito (tamanho do diâmetro transversal do defeito), descendo a 45 graus até o encontro com o sulco nasogeniano e retornando até a borda inferior do defeito (Figura 1A);
c) Antissepsia com polivinil-iodina 10% tópico;
d) Colocação de campos cirúrgicos;
e) Anestesia infiltrativa com lidocaína 2% com vasoconstritor;
f) Incisão com lâmina 15 da lesão e exérese em bloco da peça;
g) Hemostasia;
h) Incisão do retalho, iniciando do defeito, fazendo um arco que se inicia do defeito, em sua porção inferior-medial, subindo até 10mm do defeito, descendo a 45 graus até o encontro com o sulco nasogeniano e retornando até a borda inferior do defeito (conforme marcação prévia);
i) Descolamento do retalho, mantendo o pedículo na região central;
j) Posicionamento do retalho e demais suturas com mononylon 5.0, pontos simples. Aproximação da porção medial e lateral ao redor do defeito. Aspecto do retalho de "abocanhar" o defeito (mordida de tubarão) e imagem de um cone invertido (barbatana do tubarão) (Figuras 2A e 2B);
k) Limpeza local com soro fisiológico;
l) Curativo oclusivo.
Descrição da técnica utilizada no paciente 2 (Figuras 5, 6 e 7):
a) Paciente em decúbito dorsal horizontal;
b) Marcação com azul de metileno ou caneta cirúrgica da lesão com margem de 4mm da maior lesão e 3mm da lesão menor, com planejamento de excisão das duas lesões em bloco. Desenho do retalho: um arco que se inicia da região superior do defeito, mantendo 10mm de distância do sulco nasogeniano até 10mm abaixo da comissura labial e retornando a 5mm de distância do sulco nasogeniano (mesma largura longitudinal do defeito) até a porção inferior do defeito (Figuras 5 e 6);
c) Antissepsia com polivinil-iodina 10% tópico;
d) Colocação de campos cirúrgicos;
e) Anestesia infiltrativa com lidocaína 2% com vasoconstritor;
f) Desinserção da asa nasal direita (optou-se por isso, nesse caso específico, para facilitar a excisão com margem da lesão);
g) Incisão com lâmina 15 da lesão e exérese em bloco da peça;
h) Hemostasia;
i) Incisão do retalho, iniciando da região superior do defeito, afastando-se até 10mm abaixo da comissura labial e retornando até a porção inferior do defeito na região inferior do defeito (conforme marcação prévia);
j) Descolamento do retalho, mantendo o pedículo vascular na região central;
k) Posicionamento do retalho e reinserção da asa nasal direita com mononylon 5.0, pontos simples. A união da porção superior e inferior medial do retalho parece "abocanhar" o defeito (mordida de tubarão) e aspecto final de barbatana de tubarão (Figuras 6A, 6B e 7A);
l) Sutura completa com mononylon 5.0, pontos simples (Figura 7A);
m) Limpeza local com soro fisiológico;
n) Curativo oclusivo.
PACIENTE 1: Paciente evoluiu sem intercorrências nos primeiros dias de pós-operatório. Houve uma boa cicatrização e acomodação, com resultado estético satisfatório no pós-operatório tardio (Figuras 3B, 4A e 4B).
PACIENTE 2: Paciente evoluiu sem intercorrências no pós-operatório imediato. Houve uma boa cicatrização e acomodação, com resultado estético satisfatório no pós-operatório tardio (Figuras 7B, 8A e 8B).
RIT é uma técnica de retalho em ilha, na qual a vascularização é mantida em sua região central. Foi descrita por Cvancara (2006) para corrigir defeitos na parede alar nasal ou perialar, sendo considerada uma boa alternativa, já que pode ser realizada em um único tempo cirúrgico. A configuração do retalho em "abocanhar" o defeito e o aspecto final de barbatana o fez batizar o nome como "ilha de tubarão".3
Não há uma exclusividade para aplicação do RIT na região alar ou perialar nasal, mas uma recomendação para esses locais, já que leva à criação natural do sulco nasal.3-5 No entanto, ao aplicar um retalho em ilha, lembrando a mordedura e a barbatana, teremos um RIT.
No paciente 1, realizamos o RIT clássico. Fizemos a incisão de um arco que se inicia do defeito, em sua porção inferior-medial, contornando em um arco na porção superior, descendo até o encontro com o sulco nasogeniano e retornando até a borda inferior do defeito (Figura 1A).
No paciente 2, aplicamos o RIT modificado no defeito na porção cutânea do lábio. Fizemos um arco que se inicia da região superior do defeito, 10mm de distância do sulco nasogeniano até 10mm abaixo da comissura labial e retornando a 5mm de distância do sulco nasogeniano até a porção inferior do defeito, mantendo, assim, a mesma largura longitudinal do defeito (Figuras 5 e 6).
O RIT exige menor deslocamento da área doadora até o defeito do que um simples retalho de avanço em ilha, já que aproveita melhor os tecidos adjacentes com o movimento de rotação, deixando uma menor tensão local. No paciente 2, por exemplo, se as pontas superiores e inferiores adjacentes ao defeito não fossem unidas ("abocanhar" o defeito), teríamos que aumentar o comprimento do retalho.
Ainda no caso 2, optamos por realizar a desinserção da asa nasal para garantir a remoção completa do tumor, já que não contávamos com cirurgião micrográfico no ato cirúrgico. Apesar do grande defeito após a excisão, com o RIT foi possível um resultado final aceitável e funcional.
A utilização do RIT pode ser boa opção para resolução de defeitos nas regiões alar ou perialar nasal e também na porção cutânea do lábio.
Rogerio Nabor Kondo
ORCID: 0000-0003-1848-3314
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ana Carolina Cechin Alves
ORCID: 0009-0007-6862-6287
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Camila Medyk
ORCID: 0009-0000-3491-5813
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Luis Felipe Stella Santos
ORCID: 0000-0001-7982-3875
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura.
1. Kondo RN, Cestari AI, Soares BM, Scalone FDM, Yabar SIA. Pinwheel flap as an option to reconstruct a nasal defect: a series of two cases. Dermatol Arch. 2021;5(1):122-6.
2. Kondo RN, Maia GB, Bertoncini LA, Silva ST. Retalho em caracol como uma opção de reconstrução de defeito nasal: uma série de dois casos. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220043.
3. Cvancara JL, Wentzell JM. Shark island pedicle flap for repair of combined nasal ala-perialar defects. Dermatol Surg. 2006;32(5):726-9.
4. André MC, Fraga A, Garcia CR, Pignatelli JG, Soares RO. Retalho em ilha de tubarão: uma técnica cirúrgica reconstrutiva de defeitos localizados na área nasal alar/perialar. Um procedimento simples. An Bras Dermatol. 2011;86(4Suppl1):160-3.
5. Saraiva LPPG, Guimarães RV, Loda G, Benez M. Retalho de pedículo subcutâneo em formato de tubarão na região perialar. Surg Cosmet Dermatol. 2020;12(S1):11-4.
6. Feit NE, Dusza SW, Marghoob AA. Melanomas detected with the aid of total cutaneous photography. Br J Dermatol. 2004;150(4):706-14.
7. Fernandes NC, Calmon R, Maceira JP, Cuzzi T, Silva CSC. Melanoma cutâneo: estudo prospectivo de 65 casos. An Bras Dermatol. 2005;80(1):25-Hornung A, Steeb T, Wessely A, Brinker TJ, Breakell T, Erdmann M, et al. The value of total body photography for the early detection of melanoma: a systematic review. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(4):1726.
8. Grupo Brasileiro de Melanoma. Recomendações para o tratamento do melanoma cutâneo. São Paulo: GBM; 2019. Disponível em: https://gbm.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Livro-GBM.pdf
9. Kelly JW, Yeatman JM, Regalia C, Mason G, Henham AP. A high incidence of melanoma found in patients with multiple dysplastic naevi by photographic surveillance. Med J Aust. 1997;167(4):191-4.