2617
Views
Open Access Peer-Reviewed
Artigo Original

Nova indicação para o uso de hidroxiapatita de cálcio: rejuvenescimento seguro do dorso do pé com base no conhecimento anatômico da região

Bhertha Miyuki Tamura

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2023150003

Data de Submissão: 24/03/2021
Decisão final: 27/09/2023
Fonte de financiamento: Nenhuma.
Conflito de interesses: Nenhum.
Como citar este artigo: Tamura BM. Nova indicação para o uso de hidroxiapatita de cálcio: rejuvenescimento seguro do dorso do pé com base no conhecimento anatômico da região. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230003.


Abstract

INTRODUÇÃO: Por motivos religiosos, há uma parcela da população que não expõe o corpo, mostrando apenas a região dos pés.
OBJETIVO: O objetivo deste estudo foi atender a demanda por tratamentos para rejuvenescimento do dorso dos pés, observando a segurança do uso da hidroxiapatita de cálcio e seus resultados e discutindo a anatomia da região.
MÉTODOS: Sessenta mulheres com idade média de 63 anos e fototipos de I a VI, tiveram a idade de seus dorsos dos pés classificada de tipos I a VII, tendo sido injetados de 0,75 ml a 3 ml de hidroxiapatita de cálcio, por paciente, nesta região, em uma única sessão. A avaliação foi feita através de fotos por um dermatologista que não participou do tratamento e pelo paciente.
RESULTADOS: Os resultados foram considerados de bons a muito bons conforme o estágio de envelhecimento do dorso dos pés. As complicações se resumiram a edema e eritema locais. O seguimento foi de seis meses a um ano.
CONCLUSÃO: A injeção de hidroxiapatita de cálcio no dorso dos pés com base no conhecimento da anatomia desta região e volume correto pode ser considerada um tratamento de área corporal.


Keywords: Cálcio Hidroxiapatita; Pé; Síndrome do Compartimento Anterior; Colágeno


INTRODUÇÃO

Embora o Brasil tenha como religião majoritária o cristianismo, há uma comunidade crescente de muçulmanos, sendo alguns radicais. A demanda por indicação de procedimentos no dorso dos pés iniciou-se a partir de solicitações dessa parcela da população para rejuvenescer a parte do corpo que fica exposta abaixo da vestimenta típica ou das burcas. Essa procura, tanto nos países de maioria muçulmana quanto em outros, mostrou a necessidade de um tratamento corporal embasado em estudo anatômico do dorso dos pés. O conhecimento dessa técnica causou interesse entre as pacientes brasileiras que têm grandes expectativas em relação à beleza corporal.

Estudos anatômicos da região dorsal dos pés1,2 com foco em injeção de bioestimuladores e de preenchedores não têm sido elaborados com frequência. Entender melhor a anatomia local para evitar a síndrome compartimental e o desencadeamento de lesões vasculares nos leva a conhecer o plano ideal de injeção. Além disso, seguindo a tendência mundial, há prioridade na escolha das técnicas de injeção com cânulas.

 

OBJETIVO

O objetivo deste estudo foi atender a demanda crescente e inusitada da indicação de tratamento numa área incomum, e observar sua segurança e resultados baseados em avaliação da anatomia local.

 

MÉTODOS

Foram selecionadas 60 mulheres com idade média de 63 anos (entre 40-74 anos de idade; Gráfico 1) com fototipos de I a VI: cinco pacientes com fototipo I; 13 com II; 11 com III; 2 com IV; 21 com V; e 8 com fototipo VI. Em relação à classificação do tipo de envelhecimento do dorso dos pés, tratamos apenas pacientes com tipos entre III e VI. Para o tratamento da bioestimulação da pele do dorso dos pés, foi escolhida a hidroxiapatita de cálcio e o volume injetado variou entre 0,75 ml a 3ml por paciente, em uma única sessão. (Gráfico 2).

Como critério de seleção, foram incluídas pacientes sem insuficiência arterial, que não faziam uso de anticoagulantes, sem doença crônica ou dor à deambulação e sem outra doença sistêmica que pudesse contraindicar qualquer tratamento estético para rejuvenescer o dorso dos pés. A paciente deveria ter a capacidade de entender o procedimento e suas possíveis complicações, relatar qualquer complicação e seguir a orientação de massagear a área tratada a cada quatro horas durante o primeiro dia após o procedimento, além de usar calçados confortáveis até a total recuperação de possível edema.

O envelhecimento do dorso dos pés foi classificado em tipos de I a VII (Figura 1), onde o tipo I representa dorso de pé jovem, sem alterações na pele e no tecido subcutâneo e sem visualização de veias; o tipo II apresenta leve diminuição de tecido subcutâneo e discreta visualização da rede vascular; o tipo III apresenta claramente a rede vascular, com ou sem visualização dos tendões; o tipo IV tem visível perda de tecido subcutâneo somada às características anteriores a; o tipo V apresenta pele com melanoses e eventuais alterações do tecido subcutâneo; o tipo VI demonstra sinais de estase venosa e/ou insuficiência vascular; e o tipo VII tem alterações vasculares plenas, assim como envelhecimento e atrofia da pele, que se apresenta apergaminhada ou com sequelas de estase, tais como a dermatite ocre.

Foram tratadas somente pacientes com envelhecimento do dorso do pé de tipos III a VI. Foi realizada documentação fotográfica digital simples no pré-tratamento, no pós-tratamento imediato e 30 dias após o procedimento. A melhora foi avaliada conforme a tabela de tipos de envelhecimento do pé por um médico dermatologista que não participou do tratamento e pela paciente.

Técnica utilizada:

a) Antissepsia com solução alcoólica de clorexidina;

b) 1,5 ml de hidroxiapatita de cálcio diluídos em 5 ml de lidocaína a 1%;

c) Leve torniquete colocado no tornozelo para visualização das veias mais calibrosas do dorso dos pés;

d) Lidocaína 1% com adrenalina 1:200.000 para anestesiar o ponto de entrada da cânula com uma agulha 23G ou 18G, dependendo do tipo de cânula utilizada para o tratamento: 27G x 4cm ou 22G x 5cm, respectivamente;

e) O volume de hidroxiapatita de cálcio utilizado por paciente foi de 0,75 ml a 3ml;

f) O pertuito de entrada da cânula foi localizado em um único ponto na região distal do terceiro metatarso, direcionando-se proximalmente a cânula em direção ao tornozelo, em leque, distribuindo a suspensão da forma mais uniforme possível;

g) Após a injeção, foi realizada massagem vigorosa para o espalhamento da suspensão na área do dorso dos pés.

No período pós-procedimento imediato, a paciente deveria repousar com os membros elevados na maior parte do tempo possível por pelo menos dois dias e massagear a área tratada a cada duas horas durante o primeiro dia (exceto à noite); três vezes ao dia no segundo dia; e pelo menos uma vez por dia por sete dias (total de 10 dias de massagem). Solicitamos às pacientes para não usarem gelo ou compressas geladas, mas frescas, se necessário, sem exercícios extremos por três dias. As pacientes foram orientadas ainda a evitar a prática de natação, o uso de sauna ou qualquer outro tipo de atividade que pudesse ser causa de contaminação para evitar infecção local, bem como evitar compressão ou calçado apertado na área dorsal dos pés durante o primeiro mês. Retornos de reavaliação foram estipulados em 2 meses, 6 meses e um ano.

 

RESULTADOS

Foi injetado hidroxiapatita de cálcio num volume médio de 1,6 ml por paciente, variando de 0,75 ml a 3ml. Embora em alguns casos o volume tenha sido pequeno, os resultados referidos pelas pacientes variaram de bons (n = 54 pacientes), quando a melhora ocorria com visível mudança entre os tipos de envelhecimento, a muito bons (n = 6 pacientes), quando ocorria melhora em dois tipos de envelhecimento, segundo a classificação citada acima. O resultado referido pelo dermatologista foi nenhuma melhora em uma paciente, melhora muito boa para duas pacientes e boa para as demais.

No período pós-tratamento, uma paciente não apresentou queixas; 30 apresentaram edema discreto, eritema e dor de grau leve; e 26 tiveram dor de grau leve a moderado. Três pacientes referiram dor de grau 4 (intensa), necessitando prescrição de analgésico via oral. Dor local leve no pós-procedimento foi considerada evento normal devido à infiltração da suspensão. As pacientes não apresentaram complicações além de edema e eritema locais, que ocorreram em 100% dos casos e duraram de um a três dias após o tratamento.

Foi realizado seguimento de dois meses quando as pacientes foram questionadas sobre os resultados e também avaliadas pelo médico dermatologista. Ocorreram também retornos após 6 e 12 meses, sem evidência de eventos adversos. Todas as pacientes confirmaram que repetiriam o procedimento. No acompanhamento de um ano, os resultados foram mantidos. As Figuras 2 e 3 demonstram pacientes antes e pós-tratamento com resposta muito boa (Figuras 2, 3).

 

DISCUSSÃO

Com base na anatomia e no fato de serem muito finas a camada superficial, a fáscia e a gordura do dorso do pé, inserimos o bisel da agulha voltado para a derme, possibilitando a entrada da cânula já direcionada para o plano seguro entre a fáscia superficial e a profunda (muito semelhante ao dorso das mãos). Não há relatos do uso de bioestimuladores no dorso do pé, exceto pelo artigo publicado por Cotofana1.

O plano entre a lâmina superficial e a fáscia superficial, localizado com o auxílio da ultrassonografia, poderia ser ainda melhor, pois a cânula deslizaria facilmente, sem obstáculos e de forma indolor. A anatomia do dorso do pé é muito interessante. Note-se que, para o rejuvenescimento do dorso do pé, selecionamos pacientes ideais sem deformidades e sem comorbidades para que não houvesse qualquer tipo de questionamento, alteração biomecânica do pé ou predisposição a fenômenos trombóticos.

É útil realizar dissecções do dorso do pé não apenas para avaliar os vasos sanguíneos, nervos e tendões, mas também para definir os planos entre as estruturas e observar se haveria um espaço mais seguro entre as fáscias para a introdução das cânulas e infiltração dos bioestimuladores. Essa avaliação tem a função de minimizar complicações e possível síndrome compartimental.

Numa descrição resumida da anatomia da área a ser tratada podemos descrever as camadas da região dorsal do pé: logo abaixo da pele, levantando-a, encontra-se a lâmina superficial e, em seguida, a fáscia superficial. Abaixo da fáscia superficial está a lâmina dorsal, onde encontramos uma camada de tecido subcutâneo relativamente fina. Após a sua dissecção proximalmente, encontra-se o retináculo. Abaixo dessa camada de tecido subcutâneo da lâmina dorsal, levantam-se em bloco os tendões flexores dos dedos porque são englobados pela lâmina. Sob esse plano estão a artéria e a veia dorsal do pé, juntamente com os ramos nervosos, especialmente o fibular profundo, envolvendo os metatarsos e falanges,3 conforme o esquema com os planos anatômicos demonstrados na Figura 4. O conhecimento exato dos planos é essencial para evitar canalização vascular e, principalmente, a síndrome compartimental,4 nossa maior preocupação. Para evitar essas complicações,5 a técnica ideal é infiltrar os bioestimuladores logo abaixo da pele, onde deve ser feita a introdução da agulha que abre o pertuito para a entrada da cânula o mais superficial possível, tentando manter a injeção numa posição mais elevada em relação ao plano superior da lâmina dorsal intermédia, preferencialmente entre a pele e a fáscia superficial. Nesses planos, a cânula desliza facilmente, sem encontrar obstáculos. Caso o paciente apresente veias superficiais, a delicadeza na passagem da cânula nessas áreas impede a formação de equimoses ou hematomas. Mantendo-se a cânula em posição superficial, no plano ideal, não ocorrem acidentes com a rede venosa superficial (Figura 4).

É esperado edema do dorso do pé após o procedimento, mas a escolha cuidadosa do plano anatômico e o volume total pequeno, de no máximo 1,5 ml por pé/lado, evitam a síndrome compartimental. Para não ocorrerem acúmulos de produto, a distribuição com a cânula foi feita em leque e não em bolus. Recomenda-se esse movimento para que, durante a massagem, o produto possa ser distribuído de forma homogênea em toda a área a ser tratada, sendo importante também a participação do paciente durante os primeiros dias pós-procedimento, realizando as massagens.

 

CONCLUSÃO

A injeção de bioestimuladores de colágeno no dorso dos pés, com base em uma classificação adequada do envelhecimento desta região, conhecimento anatômico profundo e emprego de volume adequado, pode abrir promissoras perspectivas para o tratamento dessa nova área corporal.

 

CONTRIBUIÇÃO DO AUTOR:

Bhertha Miyuki Tamura
ORCID:
0000-0001-7259-2998
Análise estatística, Aprovação da versão final do manuscrito, Concepção e planejamento do estudo, Elaboração e redação do manuscrito, Obtenção, análise e interpretação dos dados, Participação efetiva na orientação da pesquisa, Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados, Revisão crítica da literatura, Revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

1. Custozzo A, Konstantin F, Schenck TL, Gotkin RH, Smith MP, Green JB, Sykes J, et al. Anatomy of the dorsum of the foot and its relevance for nonsurgical cosmetic procedures. Plast Reconstr Surg. 2020;146(1):64-72.

2. Vazquez-Zorrilla D, Millan-Alanis JM, Alvarez-Villalobos NA, Elizondo-Omaña RE, Guzman-Lopez S, Vilchez-Cavazos JF, Fernandez-Rodarte BA, et al. Anatomy of foot compartments: a systematic review. Ann Anat. 2020;229:151465.

3. Al-Himdani S, Din A, Wright TC, Wheble G, Chapman TWL, Khan U. The medial sural artery perforator (MSAP) flap: a versatile flap for lower extremity reconstruction. Injury. 2020;51(4):1077-1085.

4. Yunoki M. Analysis of surgical cases of tarsal tunner syndrome in our department: case series and literature review. Asian J Neurosurg. 2020;15(1):59-64.

5. Forsythe RO, Apelqvist J, Boyko EJ, Fitridge R, Hong JP, Katsanos K, Mills JL, et al. Effectiveness of revascularization of the ulcerated foot in patients with diabetes and peripheral artery disease: a systematic review. Diabetes Metab Res Ver. 2020;36(Suppl 1):e3279.

 

Agradecimento: A Sebastian Cotofana, Division of Anatomy, Department of Medical Education, Albany Medical College, Albany, NY, EUA.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773