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Relato de casos

Retalho de avanço unipediculado da bochecha inferior para reconstrução de grande defeito cirúrgico nasal após exérese de carcinoma basocelular

Thales Costa Bastos1; Natalia Cabellero Uribe1; Caroline Martins Brandão1; Mario Marques de Carvalho2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.201574626

Data de recebimento: 04/08/2014
Data de aprovação: 22/09/2015
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Abstract

Os carcinomas basocelular e espinocelular são conhecidos como câncer de pele não melanoma perfazendo 98.420 casos novos nos homens e 83.710 nas mulheres no Brasil, em 2014. A reconstrução dos defeitos cirúrgicos no nariz é um desafio para os cirurgiões dermatológicos, no que diz respeito a bons resultados nos aspectos funcional e estético, posto que sua estrutura é rígida e de pouca mobilidade. Apresentamos um interessante método de reconstrução de um grande defeito nasal após exérese de CBC, utilizando enxerto de cartilagem auricular e retalho de avanço unipediculado da bochecha.


Keywords: CARCINOMA BASOCELULAR; NEOPLASIAS NASAIS; CARTILAGEM ARTICULAR; RETALHOS CIRÚRGICOS


INTRODUÇÃO

O câncer de pele tem distribuição universal e é a neoplasia mais comum do ser humano. Suas três principais formas e frequência são: carcinoma basocelular (CBC) (75%), carcinoma espinocelular (15%) e melanoma (4%). Os carcinomas basocelular e espinocelular são conhecidos como câncer de pele não melanoma e perfizeram 98.420 casos novos nos homens e 83.710 nas mulheres no Brasil, em 2014. Esses valores correspondem a um risco estimado de 100,75 casos novos a cada 100 mil homens e 82,24 a cada 100 mil mulheres.1

O CBC é localizado mais comumente na face, estando 70% no nariz e na fronte. No nariz, a maioria localiza-se nos dois terços distais,2 principalmente asa nasal (33% dos casos) e dorso (30%).3

Gonzalez-Ulloa e colegas observaram que a face tinha unidades distintas, com linhas de transição entre elas e postularam que essas unidades seriam determinadas pelas diferenças nas características histológicas, incluindo espessura, quantidade de gordura subcutânea, cor, textura e presença de cabelo.4 Com base nesses conceitos, Burget e Menick dividiram o nariz nas seguintes subunidades estéticas: dorso, ponta, columela, asas nasais, paredes laterais e triângulos moles. Na ponta e asas nasais, a pele é espessa e sebácea, enquanto no dorso e nas paredes laterais a pele é fina. Além disso, a pele tem maior mobilidade nos dois terços superiores.5

A reconstrução dos defeitos cirúrgicos gerados pela excisão de tumores no nariz é um desafio para os cirurgiões dermatológicos, no que diz respeito a bons resultados funcional e estético, posto que sua estrutura é rígida e de pouca mobilidade. A idade do paciente, o tamanho e a localização do defeito cirúrgico segundo as subunidades estéticas são os parâmetros que nos orientam na escolha do melhor método de reconstrução. Inúmeras técnicas podem ser utilizadas, tais como síntese primária, retalho de avanço, retalho de transposição, retalho bilobado, enxertos ou associação de técnicas.6,7

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 78 anos, parda, natural de São Bernardo, SP, relata o surgimento de lesão indolor e progressiva no nariz há cinco anos. Paciente apresenta HAS e dislipidemia e negava câncer de pele prévio. Ao exame dermatológico observou-se um nódulo eritematoso e translúcido de 2,2 x 1,7cm, bem delimitado, com crosta na sua porção inferior e telangiectasias arboriformes em toda sua superfície, de localização no nariz, englobando parte de três das suas subunidades estéticas: asa nasal esquerda, parede nasal esquerda e ponta nasal (Figura 01). Foi feito o diagnóstico clínico de CBC e realizada uma biópsia incisional, que confirmou essa suspeita clínica. O tumor apresentou subtipos histológicos nodular e micronodular.

Realizou-se a exérese do tumor com margem de 6mm, após anestesia tumescente. Optou-se também por retirar a cartilagem nasal que se encontrava imediatamente abaixo do tumor, devido à chance de invasão de tal estrutura. Foram enviadas a peça cirúrgica e a cartilagem para avaliação histopatológica. A paciente ficou com um grande defeito nasal, englobando asa nasal esquerda, parede nasal esquerda, ponta e dorso (Figura 2). Inicialmente, foi transposto enxerto de cartilagem da anti-hélice da orelha esquerda para a base alar esquerda com a finalidade de sustentar a borda da narina, impedindo sua migração para cima durante a cicatrização da ferida, e tentando manter seus contornos e a passagem de ar (Figuras 3 e 4). Após, confeccionou-se retalho de avanço unipediculado da bochecha baseado superiormente, com transferência de pele da bochecha inferior, no sentido medial e superior (Figuras 5 e 6). O retalho foi amplamente dissecado no plano subcutâneo, tendo sido realizadas suturas internas com fio monocryl 5.0 para ajustá-lo no defeito primário. Após isso, foi retirado um triângulo de compensação do retalho para reconstruir a asa nasal esquerda, juntamente com pontos de ancoragem no periósteo com fio de náilon 4.0 para recriar o sulco alar facial. Posteriormente foi corrigida uma pequena orelha-de-cachorro que se formou na parte superior da ferida e a pele foi suturada com fio de náilon 5.0. Foi feito curativo compressivo e prescrição de cefalexina durante sete dias e analgésico. A paciente evoluiu bem no pós-operatório, com bom resultado estético e funcional (Figuras 7 e 8). A histopatologia da peça cirúrgica evidenciou CBC de subtipos histológicos nodular e micronodular com margens laterais e profundas livres, e a cartilagem não evidenciou tumor. A paciente se encontra em acompanhamento ambulatorial, sem recidiva há um ano e quatro meses.

 

DISCUSSÃO

A reconstrução nasal teve grandes progressos nos últimos 50 anos. Nos primórdios, o principal objetivo era fornecer uma cobertura de tecido para o defeito, sem preocupação significativa com a aparência cosmética. Esse conceito começou a mudar em 1950, quando os cirurgiões começaram a defender o uso de "tecido semelhante" para substituir "tecido semelhante, de acordo com as unidades estéticas da face.6,7

Assim sendo, devem ser restauradas a capacidade funcional e a respiração do nariz, mantendo ou recuperando a integridade estrutural do local do defeito. Em segundo lugar, deve haver esforço para conseguir resultado esteticamente agradável que esteja em harmonia com o resto do rosto, em termos de textura, cor e forma.7 Para isso, é necessária a compreensão da estratigrafia dos tecidos nasais, considerando que, ao analisar o defeito a ser reparado, o cirurgião deve avaliar e determinar as camadas do nariz que estão envolvidas no defeito e as que estão em falta. Assim sendo, Manson e colegas descreveram a reconstrução nasal como uma abordagem de três planos, ou seja, a cobertura (pele, TCS e músculos), o arcabouço estrutural (cartilagens, septo e ossos nasais) e o revestimento interno (pele vestibular e mucosa nasal), que devem ser avaliados individualmente antes das decisões finais do reparo.6,7

A paciente apresentava um grande defeito da cobertura, envolvendo ponta, asa nasal, dorso e parede lateral e também no arcabouço estrutural, necessitando de um enxerto de cartilagem da anti-hélice na base alar esquerda, para a manutenção da curvatura natural sem a achatar, da função respiratória e do equilíbrio com o lado oposto. A cartilagem auricular dá bom apoio, é prontamente disponível e pode ser colhida facilmente com deformidade estética mínima. Os enxertos podem ser colhidos a partir das diferentes áreas do pavilhão auricular, como a borda helicoidal, a concha superior ou inferior, a anti-hélice e a fossa triangular, sendo que a localização específica depende do tamanho e localização do defeito e da preferência do cirurgião.8

Retalhos cutâneos oriundos somente do nariz ficaram impossíveis devido às grandes dimensões do defeito cirúrgico. Nossas opções de reconstrução foram o retalho frontal paramediano de interposição, retalho nasogeniano de interposição com pedículo cutâneo, enxerto de pele de espessura total e retalho de avanço unipediculado da bochecha baseado superiormente. Optamos por este último, por ser realizado em apenas um tempo cirúrgico e devido ao fato de a paciente apresentar muita flacidez e excesso de pele na bochecha inferior. Foi realizada incisão única e longa junto ao defeito, passando sobre o sulco nasogeniano até a bochecha inferolateral. Após ampla dissecção no plano subcutâneo, a pele foi avançada medial e superiormente no sentido do defeito, com um pequeno movimento adicional de pivô.7,9,10

O cirurgião dermatológico deve reconhecer os diversos tipos de retalhos cutâneos uma vez que é crescente a incidência de tumores nasais. Dessa forma, os autores apresentam um interessante método de reconstrução de um grande defeito nasal, com excelente resultado funcional e estético.

 

Referências

1. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2014 : incidência de câncer no Brasil. [Internet]. Rio de Janeiro: Inca; 2014. Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/sintese-de-resultados-comentarios.asp

2. Batra RS, Kelley LC. Predictors of Extensive Subclinical Spread in Non-melanoma Skin Cancer Treated With Mohs Micrographic Surgery. Arch Dermatol. 2002;138(8):1043-51.

3. Padoveze EH, Cernea SS. Reconstrução dos defeitos nasais após exérese de tumores pela cirurgia micrográfica de Mohs. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(2):116-120.

4. Gonzalez-Ulloa M, Castillo A, Stevens E, et al. Preliminary study of the total restoration of the facial skin. Plast Reconstr Surg. 1954;13(3):151-61.

5. Burget GC, Menick FJ. The subunit principle in nasal reconstruction. Plast Reconstr Surg.1985;76(2): 239-47.

6. Bloom JD, Antunes MB, Becker DG. Anatomy, physiology and general concepts in nasal reconstruction. Facial Plast Surg Clin North Am. 2011;19(1):1-11.

7. Papadopoulos O, Kostopoulos E, Karypidis D, Tsantoulas Z, Moustaki M. Review of nasal reconstruction. J Craniofac Surg. 2009;20(4):1072-7.

8. Immerman S, White WM, Constantinides M. Cartilage grafting in nasal reconstruction. Facial Plast Surg Clin North Am. 2011;19(1):175-82.

9. Shan R. Baker. Retalhos de Avanço. In: Baker SR. Retalhos Locais em Reconstrução Facial. Rio de Janeiro: Di Livros, 2009. p.159-89.

10. Shan R. Baker. Reconstrução do nariz. In: Baker SR. Retalhos Locais em Reconstrução Facial. Rio de Janeiro: Di Livros, 2009. p. 417-77.

 

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do ABC - Santo André (SP), Brasil.


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