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Relato de caso

Enxerto composto de gordura para correção de distrofia facial em caso de esclerodermia localizada

Srinjoy Saha

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2023150181

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesse: Nenhuma
Como citar este artigo: Saha S. Enxerto de gordura composta para correção de distrofia facial em caso de esclerodermia localizada. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20230181.


Abstract

A esclerodermia localizada (morfeia linear) é uma doença rara que causa distrofia e assimetria faciais em mulheres jovens. É relatado o caso de uma paciente de 20 anos que foi tratada com enxertos compostos de gordura. Após a coleta do lipoaspirado de gordura subcutânea profunda, a microgordura e a nanogordura não filtrada foram processadas separadamente para formar enxertos compostos de gordura. Estes foram meticulosamente transplantados em camadas, para reconstruir o subcutaneo da face da paciente. Após um ano, observou-se boa pega de gordura com correção bem-sucedida da assimetria e restabelecimento do equilíbrio facial.


Keywords: Procedimentos cirúrgicos ambulatórios; Gordura subcutânea abdominal; Assimetria facial; Injeções subcutâneas; Esclerodermia localizada


INTRODUÇÃO

A esclerodermia localizada é uma doença autoimune rara que afeta principalmente mulheres jovens. Também é conhecida como morfeia linear e se caracteriza por fibrose progressiva da pele. Atualmente não há cura. Os tratamentos médicos podem retardar a progressão da doença e manter os pacientes em remissão, mas não podem prevenir complicações como fibrose cutânea e assimetria facial.1 Em algumas mulheres jovens, os efeitos psicológicos da desfiguração facial podem ser devastadores, pois podem prejudicar gravemente a autoimagem e causar depressão. As opções terapêuticas atualmente disponíveis envolvem a volumização das áreas afetadas da face. Transferências microcirúrgicas de tecido livre, enxertos de derme e gordura, enxertos ósseos, implantes, derme artificial, preenchimentos dérmicos e enxertos autólogos de gordura são procedimentos que corrigem déficits de volume. A lipoenxertia é uma opção simples, mas eficaz para o preenchimento de deformidades faciais de grande volume, com complicações mínimas.2

 

RELATO DE CASO

Uma mulher de 20 anos com pele tipo V de Fitzpatrick apresentou-se em nossa clínica de com distrofia facial envolvendo o lado esquerdo, levando a assimetria facial. Ela já havia sido diagnosticada com esclerodermia localizada e completou o tratamento médico para induzir a remissão na progressão da doença.

Outro cirurgião realizou enxerto ósseo da crista ilíaca na paciente dois anos antes, para corrigir o defeito em “coupe de sabre” na região frontal e também elevar a eminência malar esquerda. Ela estava, no entanto, insatisfeita com os resultados de sua cirurgia anterior e desejava melhorar o contorno e a simetria dos tecidos moles faciais. Ao exame, ela apresentava manchas cutâneas fibróticas hiperpigmentadas com atrofia do tecido subcutâneo na testa, bochecha, nariz e queixo esquerdos. Também pele atrófica e hiperpigmentada, aderida aos enxertos ósseos previamente realizados em áreas irregulares de sua testa e bochecha, sem tecido subcutâneo abaixo (Figuras 1A-C). Sua abertura bucal era adequada e não apresentava boca seca. Não houve evidência de distrofia significativa ou desvio da mandíbula na radiografia. A paciente recusou outras cirurgias reconstrutivas, como transferência de tecido livre microvascular e preenchimentos dérmicos cosméticos, após amplo aconselhamento sobre suas opções de tratamento, preferindo enxertos de gordura.

As camadas subcutâneas profundas de gordura abdominal foram infiltradas com solução tumescente (mistura de 1000 ml de solução salina normal, 25 ml de lidocaína 2%, 1 ml de epinefrina 1:1000 e 10 ml de bicarbonato de sódio 8,4%) após sedação da paciente. O lipoaspirado foi extraído utilizando-se técnica de baixa sucção com cânula de 3 mm com orifícios laterais de 1 mm e seringa Luer Lock de 10 ml. Foi sedimentado por gravidade durante 15 minutos para permitir que a gordura na camada intermediária se separasse do óleo superior e das camadas sanguíneas inferiores, que foram descartadas.3

Em seguida, por floculação mecânica repetida, parte do lipoaspirado colhido foi convertido em enxerto de nanogordura não filtrado.4 O lipoaspirado foi forçado através de transferidores de gordura com diâmetros progressivamente menores de 2,4 mm, 1,4 mm e 1,2 mm até se tornar completamente fluido (Figura 2A). Para produzir enxertos compostos de gordura, microgordura e nanogordura não filtrada foram completamente misturadas em uma proporção de 4:1 e transferidas para várias seringas de 1 ml conectadas a uma cânula de ponta romba de 1 mm para a enxertia de gordura facial

Gota a gota e camada por camada, 25 ml de enxertos combinados de gordura foram cuidadosamente injetados na testa, bochecha, nariz e queixo afetados.3,4 As injeções de gordura continuaram até que a pele facial fibrótica não permitisse mais distensão. Os contornos ósseos sobre a bochecha esquerda, nariz e queixo foram aumentados, enquanto as bordas afiadas de um enxerto ósseo previamente colocado sobre a testa foram cobertas. Os resultados pós-operatórios imediatos foram satisfatórios, com adequada restauração da simetria e equilíbrio facial (Figuras 2B-C). No entanto, devido à tensão na pele sobrejacente, não foi possível preencher completamente o lado afetado como é feito comumente. A recuperação pós-operatória da paciente transcorreu sem intercorrências.

A paciente foi acompanhada por um ano após a cirurgia, também sem intercorrências.

Antes e um ano após a cirurgia, um questionário de resultados relatados pelo paciente foi usado para documentar a satisfação com o tratamento utilizando uma escala analógica visual. A paciente percebeu uma melhora significativa individual em todas as áreas da face tratadas, principalmente nas bochechas, queixo e aparência facial geral (Tabela 1). Após um ano, houve boa retenção do volume do enxerto de gordura e melhora da qualidade da pele (Figuras 3A-C).

 

DISCUSSÃO

Fibroblastos imunologicamente hiperativos desempenham um papel fundamental na patogênese da esclerodermia, secretando excessivamente colágeno e matriz extracelular na derme afetada, resultando em fibrose.5 Rigidez facial, assimetria e deformidades são sintomas da fibrose cutânea progressiva. A perda de elasticidade e o espessamento da pele ao redor da boca podem causar estreitamento da boca, causando dificuldades para comer, falar, escovar, manter a higiene bucal e tratamentos odontológicos.6 Todos esses fatores, quando combinados, prejudicam gravemente a vida diária do paciente.

A lipoenxertia autóloga foi benéfica de duas maneiras. Como um preenchimento de grande volume, corrigiu a assimetria facial. E também, devido à presença de pré-adipócitos e células-tronco derivadas do tecido adiposo, o potencial regenerativo dos enxertos de gordura melhorou a qualidade da pele sobrejacente.7 Foi demonstrado que o enxerto de gordura reverte a fibrose das lesões “coupe de sabre” na testa em pacientes com esclerodermia localizada, bem como melhora a abertura da boca e reduz a fibrose em pacientes com esclerose sistêmica.8,9

O enxerto de gordura autóloga é utilizado em todo o mundo para aumento de tecidos moles faciais, com resultados geralmente positivos e satisfatórios.10 Uma nova opção que foi produzida após floculação repetida, a chamada nanogordura não filtrada, foi usada para rejuvenescer satisfatoriamente cicatrizes pós-queimaduras na face em um estudo anterior.11 Verificou-se que contém pré-adipócitos e células regenerativas derivadas do tecido adiposo, bem como melhor capacidade de regeneração.12

Uma diminuição gradual no volume de gordura transplantada permanece um tema de preocupação, necessitando novos procedimentos a cada seis meses. O tamanho inicial do enxerto de gordura é determinado pelo tamanho das gotículas de gordura que foram colocadas como um colar de contas, permitindo que a vascularização se desenvolva entre as parcelas de gordura depositadas.3 Maiores quantidades de fração vascular estromal rica em pré-adipócitos e tecido adiposo derivadas de células-tronco, aumentam a revascularização. O processamento de nanogordura com floculação mecânica repetida revelou uma alta concentração de células-tronco em enxertos de nanogordura não filtrada.4,12

Neste caso, foi formulada a hipótese de que os enxertos compostos de gordura combinando microgordura e nanogordura não filtrada aumentariam a pega após o transplante de gordura.

Altos níveis de satisfação do paciente e um alto volume de retenção de gordura enxertada um ano após a cirurgia demonstraram que os enxertos compostos de gordura foram realmente benéficos. Reduziu-se a necessidade de novos enxertos de gordura e melhorou a qualidade da pele atrófica e do tecido subcutâneo. Um estudo maior com um acompanhamento mais longo do paciente é necessário para investigar os benefícios de tal combinação de enxertos de gordura.

 

CONCLUSÃO

Em uma paciente com esclerodermia linear, a combinação de microgordura com nanogordura não filtrada para formar enxertos compostos de gordura, permitiu que a gordura enxertada sobrevivesse por mais tempo. Melhorou significativamente a aparência e a qualidade da pele facial afetada e houveram altas taxas de satisfação relatados pela paciente, nos resultados dos questionários.

 

AUTHORS' CONTRIBUTION:

Srinjoy Saha 0000-0001-8971-148X

Statistical analysis; approval of the final version of the manuscript; study design and planning; preparation and writing of the manuscript; data collection, analysis, and interpretation; active participation in research orientation; intellectual participation in propaedeutic and/or therapeutic conduct of studied cases; critical literature review; critical revision of the manuscript.

 

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