Talira Caserta Gon1; Trícia Caserta Gon2; Airton dos Santos Gon3
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Gon TC, Gon TC, Gon AS. Tratamento bem-sucedido da cromoblastomicose pela associação entre criocirurgia e itraconazol em dose baixa. Surg Cosmet Dermatol. 2023;15:e20220154.
Cromoblastomicose é uma infecção granulomatosa crônica causada por fungos dematiáceos, com apresentações clínicas variadas, que podem representar um desafio terapêutico. Neste relato, apresentamos um caso de cromoblastomicose em forma localizada, de longa evolução, em paciente idoso, resistente a terapêuticas medicamentosas prévias, tratado com sucesso pela associação entre um método físico e tratamento farmacológico sistêmico, o que permitiu o uso de dose reduzida do medicamento.
Keywords: Cromoblastomicose; Criocirurgia; Itraconazol
Cromoblastomicose é uma infecção granulomatosa crônica que acomete a pele e o tecido subcutâneo, causada por fungos dematiáceos (produtores de pigmento marrom). Em áreas endêmicas, as espécies prevalentes são Fonsecaea pedrosoi e Cladophialophora carrionii.1 As lesões apresentam-se como placas verrucosas de crescimento lento, podendo ocorrer atrofia ou formação de nódulos e tumores. Pode ser considerada uma doença ocupacional, ocorrendo frequentemente em trabalhadores rurais. A maioria das lesões ocorre em áreas expostas, uma vez que o fungo é geralmente inoculado por trauma.2,3
Em muitos casos, o tratamento da cromoblastomicose ainda representa um desafio, devido ao caráter crônico e recorrente das lesões, seja nas formas localizadas ou extensas da doença. Vários relatos têm demonstrado a utilidade de se associarem tratamentos farmacológicos a procedimentos físicos para se obterem melhores resultados.1
A seguir, relata-se o tratamento bem-sucedido de um caso de cromoblastomicose de longa evolução pela associação entre criocirurgia com nitrogênio líquido e itraconazol em dose baixa.
Paciente do sexo masculino, de 71 anos, apresentava lesões pruriginosas no abdome há 20 anos, sem melhora após várias tentativas de tratamento com agentes de uso tópico e antifúngicos sistêmicos. À época do surgimento das lesões, o paciente residia e trabalhava na zona rural, onde relatava, como atividade rotineira, o hábito de carregar lenha em contato com o abdome, sem qualquer proteção. Ao exame dermatológico, o paciente apresentava pápulas e placas verrucosas, bem delimitadas, na região periumbilical, mais à esquerda, em disposição corimbiforme (Figura 1). O diagnóstico de cromoblastomicose foi realizado pelo exame histopatológico, que mostrou reação granulomatosa crônica e hiperplasia epitelial, com presença de fungos refringentes acastanhados; e confirmado pelo isolamento em cultura de tecido obtido por biópsia do fungo Fonsecaea pedrosoi. O paciente foi submetido a dois ciclos de aplicação de nitrogênio líquido em spray aberto. Devido à extensão, as lesões foram divididas por áreas e tratadas sequencialmente até atingir o congelamento e formação de halo (60 segundos). O segundo ciclo foi realizado após o descongelamento total das lesões (10 minutos). Itraconazol, na dose de 100mg ao dia por via oral, foi prescrito para uso contínuo até o retorno. Após 45 dias, o paciente apresentava melhora importante e regressão parcial das lesões (Figura 2), sendo submetido à segunda sessão de criocirurgia e sendo mantido o itraconazol na mesma dosagem. Aos 90 dias, apresentava regressão completa das lesões, sendo suspenso o tratamento (Figura 3). Foi realizado seguimento por cinco anos, sem recidiva do quadro (Figura 4).
Pacientes com cromoblastomicose de longa evolução, tanto em formas localizadas quanto extensas, necessitam de tratamentos prolongados com antifúngicos sistêmicos em doses altas, por vezes associados a métodos físicos.4
Em recente revisão sistemática sobre a ação in vitro das drogas antifúngicas orais disponíveis para o tratamento da cromoblastomicose, com base na concentração inibitória mínima, as drogas mais efetivas foram, em ordem decrescente, posaconazol, terbinafina, itraconazol e voriconazol.5 No entanto, na prática clínica, dentre os antifúngicos utilizados, o itraconazol pode ser considerado a droga padrão. Seu uso é reconhecido de longa data por meio de relatos de curas clínicas e biológicas em cerca de 40% dos pacientes quando utilizado por períodos prolongados em dosagens que variam de 200mg a 400mg por dia.6 Durante o tratamento com itraconazol, as respostas teciduais mais importantes foram registradas na derme, observando-se redução da espessura da epiderme, diminuição parcial ou total do infiltrado granulomatoso, aumento da fibrose e alterações quantitativas/morfológicas.7
A criocirurgia com nitrogênio líquido tem sido descrita como método eficaz no tratamento da cromoblastomicose há várias décadas.8-10 Embora seja aceita como modalidade eficaz de tratamento, ainda não se sabe ao certo qual o mecanismo que leva à cura da doença. A exposição de culturas dos microrganismos causadores a temperaturas tão baixas como -196°C não ocasionou a morte dos agentes.11 Estes resultados demonstram que o frio isoladamente não pode ser responsabilizado pela destruição dos mesmos. Acredita-se que fenômenos biológicos tardios, como necrose com destruição tecidual e alterações na resposta imunológica do hospedeiro, sejam os verdadeiros responsáveis pela erradicação dos fungos nas lesões.12,13
Uma estratégia para incrementar as taxas de cura e reduzir recorrências é a associação entre diferentes drogas, como o itraconazol e a terbinafina, bem como de métodos físicos associados aos antifúngicos orais. Dentre estes, a associação entre uma droga antifúngica oral e a criocirurgia com nitrogênio líquido tem sido um dos métodos mais descritos.14-16 No entanto, o uso de antifúngicos orais, em dosagem elevada, por períodos prolongados, tem seu uso limitado pelo custo elevado e pelos riscos de efeitos adversos importantes.
Neste paciente, em virtude da localização e extensão das lesões, a realização de cirurgia para remoção das lesões foi considerada pouco viável. Pela dimensão do defeito cirúrgico resultante, um fechamento primário por aproximação das bordas era improvável, o que implicaria necessidade de utilização de técnicas mais complexas como enxertos ou retalhos. Outro aspecto considerado, em se tratando de um paciente idoso, foi o de se evitar a utilização, em altas doses e por período prolongado, de drogas com potenciais efeitos adversos.
Diante desse contexto, a conduta terapêutica adotada foi a de se associar a criocirurgia com nitrogênio líquido, de forma não agressiva, com o antifúngico oral, em dosagem menor que a recomendada na literatura. Essa estratégia mostrou-se eficaz, reduzindo os custos e potenciais efeitos adversos, conferindo cura clínica e, consequentemente, melhor qualidade de vida para o paciente.
Talira Caserta Gon 0000-0002-1567-680X
Approval of the final version of the manuscript; preparation and writing of the manuscript; critical literature review; critical revision of the manuscript.
Trícia Caserta Gon 0000-0003-4169-1840
Approval of the final version of the manuscript; preparation and writing of the manuscript; critical literature review; critical revision of the manuscript.
Airton dos Santos Gon 0000-0003-1219-5581
Approval of the final version of the manuscript; study design and planning; preparation and writing of the manuscript; data collection, analysis, and interpretation; active participation in research orientation; intellectual participation in propaedeutic and/or therapeutic conduct of studied cases; critical revision of the manuscript.
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