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Relato de caso

Rosetas em angiossarcoma cutâneo: uma nova pista dermatoscópica

Larissa Daniele Machado Góes1; José Genival Alves de Macedo Júnior2; Manoel Benjamim de Almeida Barbosa3; Tayenne da Silva Gomes4; Lisandro Ferreira Lopes4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20221400136

Data de submissão: 20/02/2022
Decisão final: 12/05/2022


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesse: Nenhum
Como citar este artigo: Góes LDM, Macedo Júnior JGA, Barbosa MBA, Gomes TS, Lopes LF. Rosetas em angiossarcoma cutâneo: uma nova pista dermatoscópica. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220136


Abstract

O angiossarcoma cutâneo é um câncer raro, de mau prognóstico, que acomete principalmente idosos do sexo masculino. Está relacionado à exposição solar crônica, linfedema crônico e procedimentos com uso de radiação. Relatamos o caso de um homem de 62 anos com presença de tumoração violácea de crescimento progressivo na região temporal esquerda. A dermatoscopia demonstrou áreas eritematosas de diferentes tons, estruturas semelhantes à pseudo-aberturas foliculares e rosetas. A biópsia e a análise imunohistoquímica confirmaram o diagnóstico de angiossarcoma cutâneo. O paciente atualmente está em tratamento quimioterápico no serviço de oncologia com melhora significativa da lesão.


Keywords: Dermoscopia; Hemangiossarcoma; Neoplasias cutâneas


INTRODUÇÃO

O angiossarcoma cutâneo (AC) é um tumor vascular maligno raro, agressivo e de mau prognóstico, representando cerca de 1,6% dos sarcomas de partes moles.1 De acordo com sua origem, pode ser classificado em angiossarcoma cutâneo associado a linfedema crônico (síndrome de Stewart-Treves), angiossarcoma cutâneo induzido por radiação e angiossarcoma cutâneo de cabeça e pescoço.2 O angiossarcoma cutâneo pode se desenvolver em várias regiões do corpo, como mama, face, couro cabeludo e membros.3 No entanto, mais da metade de todos os casos ocorre na cabeça e no pescoço, principalmente no couro cabeludo.2 A doença acomete mais frequentemente homens acima de 60 anos, correspondendo a cerca de 85% dos casos.4

Pesquisas indicam que a expressão exacerbada do receptor tirosina quinase e fatores de crescimento angiogênicos são responsáveis pela desregulação da angiogênese no angiossarcoma cutâneo.5 Quanto à localização, o angiossarcoma cutâneo primário ocorre preferencialmente na pele fotoexposta6 enquanto o angiossarcoma cutâneo secundário geralmente ocorre em áreas que já foram submetidas à radioterapia ou com presença de linfedema crônico. Outros estudos associam angiossarcoma cutâneo com xeroderma pigmentoso, imunossupressão e hemodiálise, devido à sua relação com a neovasculogênese.6

As lesões iniciais apresentam-se como áreas violáceas a azuladas mal definidas e com bordas endurecidas.7 Nesse estágio, a doença deve ser diferenciada de hematoma, rosácea, lúpus eritematoso e infecções como erisipela e celulite.7

A avaliação das estruturas vasculares das lesões cutâneas é aplicada em diversos campos, desde lesões tumorais, inflamatórias e do couro cabeludo até a avaliação dos capilares das pregas ungueais em doenças do tecido conjuntivo.8 No entanto, a avaliação das variações de cor das lesões tem sido negligenciada.9

Os achados dermatoscópicos do angiossarcoma são escassos, sendo descritos principalmente em relatos de casos. Estes apresentam tons variados de eritema, desde áreas rosa-púrpura com zona central branca ou cor da pele até tom violáceo periférico;9 área homogênea avermelhada com linhas brancas;10 regiões vaporosas com área central branca ou cor da pele e uma periferia violácea;11 eritema róseo a violáceo com zonas perifoliculares brancas; área violácea homogênea à preta coberta por véu esbranquiçado; ou eritema violáceo difuso com tampões foliculares.12

A roseta é um sinal dermatoscópico visível à luz polarizada, caracterizado por quatro pontos brancos dispostos em forma de trevo de quatro folhas.13 Essas estruturas podem ser encontradas em lesões melanocíticas e não melanocíticas, não sendo patognomônicas de nenhuma dermatose.14,13 Uma série de 6.108 dermatoscopias ex vivo encontrou rosetas em condições variadas, como cicatrizes (6,4%), dermatofibroma (6%), molusco contagioso (5,9%), carcinoma espinocelular (4,0%), carcinoma basocelular (1,7%), melanoma (1,4 %) e nevos (0,7%).14 Uma descrição recente na literatura brasileira identificou rosetas no pseudolinfoma de células T.15

As modalidades terapêuticas utilizadas no tratamento do angiossarcoma cutâneo são cirurgia, radioterapia e quimioterapia.2 Entretanto, ele tende a metastatizar para linfonodos regionais e pulmões, geralmente após repetidas excisões cirúrgicas do tumor primário.16 O prognóstico é ruim, com sobrevida em cinco anos de 10% a 35%.17

 

RELATO DE CASO

Homem de 62 anos, sem comorbidades, apresentava tumoração violácea de crescimento progressivo na região temporal esquerda (Figura 1) há duas semanas, acompanhada de dor e edema local, sem história prévia de trauma. A dermatoscopia revelou presença de áreas eritematosas de tons variados, estruturas semelhantes a aberturas pseudofoliculares e rosetas (Figura 2). As hipóteses diagnósticas iniciais foram abscesso cutâneo, linfoma cutâneo primário de células T do tipo centro folicular e angiossarcoma. Foi instituída antibioticoterapia sistêmica e, após 14 dias, houve aumento significativo da lesão (Figura 3), infiltração da face e couro cabeludo e áreas de ulceração e sangramento.

A tomografia computadorizada do crânio mostrou formação extracraniana no polo frontal esquerdo sem invasão intracraniana. As tomografias de tórax, abdome e tomografia foram normais. As sorologias para HIV, hepatite B, C e sífilis foram negativas. O exame histopatológico da biópsia incisional da lesão evidenciou a presença de canais vasculares anastomosados de formato irregular revestidos por células atípicas e também células fusiformes e epitelioides com amplo citoplasma eosinofílico, núcleos com cromatina grosseira, nucléolo evidente e figuras mitóticas frequentes (Figuras 4a e 4b). A imunohistoquímica foi positiva para ERG (Figura 5) e CD31 (Figura 6) e negativa para HHV-8, confirmando o diagnóstico de angiossarcoma.

O paciente foi encaminhado ao serviço de oncologia, onde atualmente está em tratamento com quimioterapia intravenosa neoadjuvante com ifosfamida 1,8 g/m2, em cinco ciclos, combinada a doxorrubicina 75 mg/m2 a cada três semanas, associada ao fator de crescimento de granulócitos (G-CSF) 300 mcg/dia, via subcutânea, com dose diária dividida em cinco aplicações. Após o tratamento, foi observada melhora substancial da lesão (Figura 7).

 

CONCLUSÃO

A descrição de rosetas em um angiossarcoma é, até onde sabemos, um novo achado dermatoscópico. Acreditamos que o compartilhamento dessas informações com a comunidade científica pode ampliar o leque de diagnósticos diferenciais de doenças dermatológicas caracterizadas pela presença de rosetas à dermatoscopia, possibilitando o diagnóstico e o tratamento precoce do angiossarcoma.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Larissa Daniele Machado Góes 0000-0003-4140-3247
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

José Genival Alves de Macedo Júnior 0000-0001-7887-3723
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; revisão crítica da literatura.

Manoel Benjamin de Almeida Barbosa 0000-0003-4283-4743
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Tayenne da Silva Gomes 0000-0003-3379-6028
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura.

Lisandro Ferreira Lopes 0000-0003-2873-4332
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

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