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Relato de caso

Tratamento da resposta inflamatória tardia ao preenchimento de tecidos moles com ácido hialurônico em indivíduo imunizado Moderna após reforço com vacina Pfizer com hialuronidase

Sabine Obagi1; Zaidal Obagi2; Yasmeen Altawaty3; Zein Obagi4

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140149

Data de submissão: 11/05/2022
Decisão final: 13/06/2022


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesse: Nenhum
Como citar este artigo: Obagi S, Obagi Z, Altawaty Y, Obagi Z. Tratamento da resposta inflamatória tardia ao preenchimento de tecidos moles com ácido hialurônico em indivíduo imunizado Moderna após reforço com vacina Pfizer com hialuronidase. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220149


Abstract

Apresentamos um caso de hipersensibilidade tardia ao preenchimento à base de ácido hialurônico na face após o reforço da vacina Pfizer em um indivíduo imunizado com Moderna. Este é o primeiro caso conhecido de tratamento da reação de hipersensibilidade tardia com hialuronidase após a vacinação anti-Covid. A hialuronidase é uma opção viável para tratar esta reação, particularmente para pacientes que podem não se favorecer com as opções de tratamento sistémico. Com uma quarta ronda de reforço de vacinas planejada no horizonte, pode haver um aumento da incidência de eventos adversos cutâneos, incluindo a reação discutida.


Keywords: COVID-19; SARS-CoV-2; Inflamação; Preenchedores dérmicos; Hipersensibilidade tardia; Ácido hialurônico


INTRODUÇÃO

A pandemia de Covid-19 apresentou inúmeros desafios que a literatura continua a explorar. Ao longo da pandemia, os procedimentos estéticos persistiram, com a cirurgia plástica estética gerando uma receita total de mais de US$ 9 bilhões em 2020.1 Com o advento das vacinas anti-Covid, a literatura sobre segurança, eficácia e efeitos adversos tornou-se de grande interesse para os médicos e para o público.

Preenchimentos dérmicos, injeções de neurotoxinas, peelings e aumentos subcutâneos representam uma parcela cada vez maior da dermatologia cosmética e cirúrgica, com um aumento de 36-58% nos preenchimentos dérmicos sendo observado anualmente nos últimos anos. Em 2020, cerca de 1,3 milhão desses procedimentos foram realizados.2

Outra rodada de reforços está em andamento, e a agência norte-americana Food and Drugs Administration (FDA) recentemente aprovou a quarta dose do imunizante contra Covid. O aumento da popularidade do preenchimento representa uma população significativa em risco de desenvolver reações adversas às vacinas anti-Covid.

Até o momento, cinco relatos de casos foram publicados sobre reações de hipersensibilidade tardia a preenchimentos de tecidos moles após a vacinação com os imunizantes Moderna e Pfizer, todos sobre preenchimentos à base de ácido hialurônico (AH). Esteroides, anti-histamínicos e inibidores da ECA foram documentados como possíveis tratamentos para essa reação.3-7

Apresentamos um caso de hipersensibilidade tardia ao preenchimento à base de AH na face após o reforço com a vacina Pfizer em um indivíduo imunizado com Moderna. A inflamação oral foi auto-resolvida; porém, a inflamação persistente da região infraorbitária e troclear apenas foi solucionada após a administração de hialuronidase. A injeção de hialuronidase (HAse) é usada off-label para dissolver preenchedores à base de AH.8 Este é o primeiro caso conhecido de tratamento da reação de hipersensibilidade tardia ao AH após a vacinação anti-Covid com hialuronidase. Além disso, constitui outra opção para tratar essa reação, principalmente para pacientes que podem não se beneficiar com a terapia sistêmica.

 

RELATO DE CASO

Uma mulher de 29 anos, com histórico de preenchimentos dérmicos e sem condições médicas ou alergias conhecidas, apresentou-se à clínica com edema no vermelhão labial bilateral (Figura 1A) e nos compartimentos suboculares bilaterais (Figura 2A), ocorrendo 36-48 horas após o reforço com a vacina Pfizer. A paciente relatou uma reação mais leve após sua segunda vacinação com Moderna nas mesmas áreas, que se resolveu sozinha. Ela negou qualquer edema na língua ou dificuldade para respirar.

Quatro meses antes dessa reação, a paciente recebeu preenchedores dérmicos de AH: Juvederm Ultra XC 0,2 mL no lábio superior e 0,1 mL no lábio inferior. Ela também recebeu 0,5 mL de Belotero injetado em cada região abaixo dos olhos.

A paciente negou qualquer histórico de infecção, trauma, rosácea ou queilite granulomatosa e não teve novos preenchimentos injetados desde que recebeu suas duas primeiras vacinas anti-Covid. O edema ocorreu apenas nos locais de preenchimento, não sendo observado nenhum edema adicional em outros lugares.

A paciente foi diagnosticada com hipersensibilidade tardia aos preenchedores dérmicos após a vacinação anti-Covid. Ela optou por acompanhamento e tratamentos não médicos. A paciente aplicou gelo intermitentemente em casa nas áreas afetadas. Após 48-72 horas, o edema do lábio desapareceu, mas a inflamação ao redor dos olhos persistiu.

Após quatro dias, a paciente continuou com edema persistente ao redor dos olhos e retornou à clínica. Cada região infraorbitária que continha o preenchedor anterior recebeu 50 unidades de hialuronidase misturada com soro fisiológico.

No dia seguinte, a paciente relatou resolução completa do edema da região periorbitária bilateral e completa satisfação com o tratamento. Não apresentou mais complicações em sua consulta de acompanhamento duas semanas depois (Figuras 1B e 2B).

 

DISCUSSÃO

O Relatório de Estatísticas da American Society of Plastic Surgeons de 2019 mostrou que os preenchimentos de tecidos moles representam o segundo procedimento cosmético minimamente invasivo mais comum após a toxina botulínica. Os preenchimentos dérmicos à base de AH representaram 79% dos 2,7 milhões de preenchimentos em 2019.9 Os preenchimentos dérmicos à base de AH podem durar entre 6 a 18 meses e são preferidos por seu perfil de segurança, pois a injeção de hialuronidase, uma enzima que hidrolisa o preenchedor, pode reverte-lo instantaneamente.

Embora bem tolerado, o aumento nos tratamentos com preenchedores levou a um aumento nos eventos adversos, incluindo reações de hipersensibilidade tardia ao preenchimento de AH. Até o momento, cinco relatos de casos descreveram essa reação. Vários tratamentos foram tentados nesses casos, como anti-histamínicos, esteroides e inibidores da ECA, quase todos com resolução final. Não encontramos nenhum caso documentado envolvendo hialuronidase como forma de tratamento.3-7

As reações de hipersensibilidade são classificadas em agudas e tardias. As reações de hipersensibilidade aguda começam dentro de minutos a horas após a injeção e são mediadas pela imunoglobulina E. Elas podem resultar em uma reação anafilática ou edema e muitas vezes se apresentam como urticária ou angioedema.10 Formas leves dessa reação respondem bem a anti-histamínicos e esteroides tópicos ou orais, com casos graves exigindo tratamentos sistêmicos.

O mecanismo de ação da hipersensibilidade tardia envolve respostas mediadas por células com sinalização a jusante improvável de responder a anti-histamínicos OTC. O mecanismo de sensibilização dos preenchedores dérmicos após a vacinação anti-Covid não é claro, mas é provável que seja multifatorial, envolvendo reatividade cruzada e possivelmente disseminação de epítopos.

Munavalli et al. sugerem o mecanismo potencial da reação inflamatória tardia aos enchimentos de AH em casos relacionados a Covid-19, envolvendo a ligação e o bloqueio dos receptores ACE2, que são direcionados pela proteína spike do vírus SARS-CoV-2 para entrar na célula.11 Munavalli postula que a reatividade cruzada entre a proteína spike e os receptores dérmicos ACE-2 forma uma resposta antigênica favorecendo uma cascata TH1 pró-inflamatória loco-regional, promovendo então uma reação mediada por células T CD8+ e levando a granulomas incipientes formados em torno de partículas de AH residuais. Os autores apoiam essa hipótese com evidências de resposta clínica da inflamação do preenchimento dérmico aos inibidores da ECA orais.11

Apresentamos um caso usando hialuronidase para melhorar a resposta inflamatória tardia após o reforço da vacina Pfizer anti-Covid-19. A injeção de hialuronidase como método alternativo para melhorar a resposta inflamatória pode ser uma opção viável para pacientes incapazes ou não dispostos a tomar medicação sistêmica.

Dados pré-existentes suportam o tratamento com hialuronidase para reações de hipersensibilidade a preenchedores à base de AH de outras etiologias. DeLorenzi et al. relatam que a injeção de hialuronidase em tecidos moles isoladamente, sem quaisquer tratamentos auxiliares, proporcionou excelentes resultados para reações de hipersensibilidade a preenchedores, superiores ao seu protocolo anterior.12,13

Os médicos devem reconhecer o benefício da hialuronidase em certas condições médicas e podem colaborar com os farmacêuticos para atingir uma dose e método de administração apropriados.

A hialuronidase deve ser administrada por um profissional médico. Além disso, os pacientes devem ser adequadamente hidratados antes do tratamento e monitorados após o tratamento quanto a sinais de trombose, anafilaxia e reações no local da injeção.14 Injeções de hialuronidase devem ser evitadas em pacientes com alergia ao colágeno bovino e picadas de abelha devido a possíveis reações cruzadas.8

Em 29 de março de 2022, o FDA autorizou uma segunda dose de reforço da vacina Pfizer ou Moderna para idosos e alguns indivíduos imunocomprometidos. Com uma quarta rodada antecipada de reforços de vacina no horizonte, pode haver um aumento na incidência de eventos adversos cutâneos, incluindo a reação discutida.

Estudos futuros são necessários para desenvolver um protocolo abrangente de compreensão e tratamento para complicações de preenchimento à base de AH relacionadas à vacina Covid-19, considerando as comorbidades dos pacientes e a segurança da medicação. Os pacientes devem ser cautelosos com reações mais graves com vacinas subsequentes, como visto em nossa paciente, que teve uma resposta leve após a segunda vacina anti-Covid e uma reação grave após o reforço.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Sabine Obagi 0000-0002-1294-547X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Zaidal Obagi 0000-0001-5773-8039
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação de pesquisa.

Yasmeen Altawaty 0000-0002-8189-2375
Coleta, análise e interpretação dos dados.

Zein Obagi 0000-0002-3350-8586
Concepção e planejamento do estudo.

 

REFERÊNCIAS:

1. Surgery. 2021. The Aesthetic Society Releases Annual Statistics Revealing Americans Spent Over $9 Billion on Aesthetic Plastic Surgery in 2020. [online] Available at: https://www.surgery.org/media/news-releases/the-aesthetic-society-stats-reveal-americans-spent-over-9-billion-aesthetic-plastic-surgery-2020.

2. CDN. 2020. Aesthetic Plastic Surgery National Databank Statistics 2020. [PDF] The Aesthetic Society. Available at: https://cdn.theaestheticsociety.org/media/statistics/aestheticplasticsurgerynationaldatabank-2020stats.pdf

3. Michon A. Hyaluronic acid soft tissue filler delayed inflammatory reaction following COVID-19 vaccination - A case report. J Cosmet Dermatol. 2021;20(9):2684-90.

4. Savva D, Battineni G, Amenta F, Nittari G. Hypersensitivity reaction to hyaluronic acid dermal filler after the Pfizer vaccination against SARS-CoV-2. Int J Infect Dis. 2021;113:233-5.

5. Munavalli GG, Guthridge R, Knutsen-Larson S, Brodsky A, Matthew E, Landau M. "COVID-19/SARS-CoV-2 virus spike protein-related delayed inflammatory reaction to hyaluronic acid dermal fillers: a challenging clinical conundrum in diagnosis and treatment". Arch Dermatol Res. 2022;314(1):1-15.

6. Rowland-Warmann MJ. Hypersensitivity reaction to Hyaluronic Acid Dermal filler following novel Coronavirus infection - a case report. J Cosmet Dermatol. 2021;20(5):1557-62.

7. Shome D, Doshi K, Vadera S, Kapoor R. Delayed hypersensitivity reaction to hyaluronic acid dermal filler post-COVID-19 viral infection. J Cosmet Dermatol. 2021;20(5):1549-50.

8. Jung H. Hyaluronidase: an overview of its properties, applications, and side effects. Arch Plast Surg. 2020;47(4):297-300.

9. Plastic Surgery. 2019. National Plastic Surgery Statistics. [PDF] American Society of Plastic Surgeons. Available at: https://www.plasticsurgery.org/documents/News/Statistics/2019/plastic-surgery-statistics-report-2019.pdf

10. Arron ST, Neuhaus IM. Persistent delayed-type hypersensitivity reaction to injectable non-animal-stabilized hyaluronic acid. J Cosmet Dermatol. 2007;6(3):167-71.

11. Munavalli GG, Knutsen-Larson S, Lupo MP, Geronemus RG. Oral angiotensin-converting enzyme inhibitors for treatment of delayed inflammatory reaction to dermal hyaluronic acid fillers following COVID-19 vaccination-a model for inhibition of angiotensin II-induced cutaneous inflammation. JAAD Case Rep. 2021;10:63-8.

12. DeLorenzi C. New high dose pulsed hyaluronidase protocol for hyaluronic acid filler vascular adverse events. Aesthet Surg J. 2017;37(7):814-25.

13. Gilson RL, Zafar Gondal A. Hyaluronidase. [Updated 2021 Jun 8]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022.

14. CDC. 2022. Centers for Disease Control and Prevention. Available at: https://www.cdc.gov/media/releases/2022/s0328-covid-19-boosters.html.


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