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Artigo Original

Avaliação com fotografia digital polarizada estudo piloto da pele brasileira

Claudia Maria Duarte de Sá Guimarães1

Recebido em: 27/10/2010
Aprovado em: 23/11/2010

Trabalho realizado em clínica privada – Rio de Janeiro (RJ), Brasil.

Suporte financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum

Abstract

Introdução: A pele brasileira é resultado da interação de três grupos populacionais (europeu, africanos e índios). À inspeção desarmada é difícil quantificar a intensidade das colorações acastanhada ou de origem vascular. A fotografia digital com filtro polarizador circular e esquema especial de iluminação permite maior acurácia do exame dermatológico.
Objetivo: Identificar padrões vasculares, textura e pigmentações melânicas da face em grupo de pacientes dermatológicos, utilizando fotografias polarizadas.
Métodos: Estudo prospectivo e aberto com fotografias tradicionais e polarizadas de mulheres adultas.Compararam-se fotografias digitais com câmera Canon T1i, com objetiva fixa macro 100mm sem filtro polarizador (tradicionais) com outras tomadas com a mesma máquina mas com objetiva fixa macro de 60mm com filtro polarizador circular Hoya pro 1D (polarizadas), sob esquema de iluminação com 2 tochas (cabeças) de flash 140 e fundo azul-anil.
Resultados: Fotografias tradicionais e polarizadas de 34 mulheres (n=34) fizeram parte do estudo. Segundo a escala de Fitspatrick, as pacientes foram classificadas em fototipos: II (13 pacientes), III (16 pacientes), IV (4 pacientes) e V (1 paciente). Em 8 pacientes, que referiam eritema e edema faciais após exposição a fontes de calor, foi observada vascularização apenas através da fotografia polarizada.Detectaram-se também pigmentações melânicas em todas as pacientes (efelides, melasma, hiperpigmentação pós-inflamatória), lesões de acne rosácea (1 paciente) e queratoses actínicas inflamatórias (1 paciente). O exame auxiliou a indicação de tratamentos domiciliares, luz intensa pulsada, terapia fotodinâmica, laser CO2 fracionado e o acompanhamento de acne rosácea.
Conclusões: A fotografia médica com filtro polarizador circular é uma ferramenta diagnóstica e de acompanhamento terapêutico, sendo útil para a documentação dermatológica da pele de fototipos II a V.

INTRODUÇÃO

Os brasileiros formam uma população hibrida composta principalmente por europeus, africanos e índios, constituindo uma das populações mais heterogêneas do mundo. 1,2

Pimenta em 2006 informa que quando os portugueses chegaram, em 1500, encontraram aproximadamente 2,5 milhões de indígenas na área hoje conhecida como Brasil. A interação se iniciou com os primeiros colonizadores e foi estimulada a partir de 1755 como estratégia para ocupar o país. Registros históricos sugerem que entre 1551 e 1850 foram trazidos para o Brasil cerca de 3,5 milhões de africanos, e que, entre 1500 e 1808 aqui chegaram 500 mil portugueses. Após este período quatro milhões de imigrantes vieram de varias partes do mundo, sobretudo da Itália, Espanha e Alemanha. 2 Costa em 1998 comenta que o Brasil contava na época de sua independência com cerca de milhão e 347 mil brancos e três milhões e 993 mil negros e mestiços. 3 A distribuição dos negros cativos concentrava-se em algumas áreas, como Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. 3

O número relativamente pequeno de mulheres em relação aos homens contribuiu para interação do colonizador europeu com as índias e as negras. De acordo com a análise do DNA, houve predominância das linhagens indígenas na Região Norte, da africana na Região Nordeste, equilíbrio na Região Sudeste e predominância européia na Região Sul. Parra em 2003 verificou que é possível encontrar ancestralidade africana em brasileiros brancos nas quatro principais regiões do país. A contribuição africana na população urbana varia de quatro a 34% e de índios de zero a 27%. 1,3 Embora traços físicos como cor da pele e dos cabelos, textura dos cabelos, e formato dos lábios e nariz sejam constantemente utilizados para descrever a aparência das pessoas, os antropólogos e geneticistas indicam que do ponto de vista biológico, as "raças" humanas não existem. 1 A história e a estrutura social brasileiras indicam que a aparência física é resul- tado de um pequeno numero de genes e não deve ser utilizada para determinar a ancestralidade africana.

A cor da pele é resultado da reflexão da luz na epiderme, da presença de melanina, carotenóides (responsáveis pelo pigmento marrom e amarelo, respectivamente), oxi-hemoglobina e carboxi-hemoglobina (resposnsáveis pela cor vermelha dos plexos vasculares subpapilares). 4 Também depende do resultado da genética, da irradiação UV e de influências hormonais, além dos distúrbios da pigmentação melânica. Embora a classificação de fototipos de Fitspatrick5 indique resistência a queimadura para os fototipos IV e V, e sensibilidade ao sol para os fototipos II e III, a prática diária leva à observação de combinações diversas na pele do brasileiro.

A exposição solar da população brasileira depende de fatores laborais, recreacionais ou vinculados à prática de esportes, sendo a vida ao ar livre influenciada pelos climas do Brasil que variam de acordo com a região: do equatorial no norte ao temperado no sul. 6

O desencadeamento de eritema e edema aos agentes físicos (sol, luz artificial, calor) em fototipos mais altos pode significar a expressão de características genéticas conseqüentes à herança híbrida da população brasileira. A classificação dos fototipos encontra-se também muitas vezes prejudicada em função da exposição solar crônica. A inspeção desarmada da pele brasileira apresenta certas dificuldades, como quantificar a inten- sidade da coloração acastanhada ou de origem vascular.

A luz incide na pele e reflete de maneira regular ou é absorvida pela derme e toma várias direções. O uso do filtro polarizador circular em câmera digital e foco automático possibilita o registro fotográfico dos cromóforos vermelhos e marrons, alem de realçar a textura da pele e as rugas em condições normal e patológica. No ambiente externo, este filtro é utilizado para reduzir o reflexo de superfícies metálicas, vidro, água ou realçar a cor do céu.

OBJETIVO

Este trabalho tem como objetivo registrar os padrões de vascularização subpapilar e pigmentos dérmicos da pele da população brasileira , através da comparação entre fotografias digitais tradicionais e as obtidas com luz polarizada. A eliminação da reflexão regular da luz sobre a pele através do uso de filtro pola- rizador permite o reconhecimento através da fotografia, dos pigmentos acastanhados (hemossiderina ou melanina dérmicas) ou avermelhados (lesões vasculares ou inflamatórias) da pele. 7

MÉTODOS

Neste estudo prospectivo e aberto, desenvolvido na clínica privada da autora, segundo os conceitos da declaração de Helsinki de 2000, mulheres adultas entre 20 e 90 anos foram selecionadas aleatoriamente e fotografadas no sistema tradicional e através de luz polarizada. Foram excluídas pacientes que haviam se submetido previamente a tratamentos com terapia fotodinâmica, laser fracionado de CO2 ou luz intensa pulsada, posto que alteram o padrão vascular da pele.

A fotografia de padrão tradicional foi realizada com câmera digital Canon EOS T1i, com objetiva de foco fixo macro 100mm, ISO 100, velocidade 160s, f 11; e para a fotografia polarizada utilizou-se a mesma câmara com objetiva de foco fixo macro 60mm, filtro polarizador circular Hoya pro1D, ISO 100, velocidade 160s e f 11.

A iluminação foi feita por meio de duas tochas (cabeças) de flash 140 acionadas de forma sincrônica por radiotransmissão, montadas com refletores parabólicos (panelas) curtos e difusor branco e posicionadas a 45 graus do objeto fotografado, orientadas pela luz de modelagem com um esquema de luz uniforme em toda a face sob fundo azul-anil. 12 As tochas de flash foram instaladas em braços pantográficos que correm sobre trilhos no teto. O seu uso permite a simulação da "luz do dia".

Todas as fotografias foram padronizadas na posição frontal e ângulo de 45 graus. 7,8 As fotos foram tomadas a cerca de 1 metro das pacientes, respeitando-se a distância focal ideal para cada situação (Figura 1).

RESULTADOS

Fotografias tradicionais e polarizadas de 34 mulheres (n=34) fizeram parte do estudo.A idade das pacientes variou de 20 a 90 anos (50% tinham entre 50 e 70 anos). Foram classificadas como fototipos II (13 pacientes), III (16 pacientes), IV (4 pacientes) e V (1 paciente), segundo a escala de Fitspatrick. 1 Foram comparadas, nas fotografias tradicionais e com luz polarizada, características cutâneas nos terços superior, médio e inferior da face. 9

A fotografia com luz polarizada evidenciou o padrão vascular não perceptível nas fotografias tradicionais e ao olhar desarmado, realçando a rede vascular com telangiectasias e nódulos eritematosos (Figura 2).

A intensidade do padrão vascular correlacionou-se com a história clinica de intensidade do eritema e edema decorrentes da exposição solar, calor e após sessões de terapia fotodinâmica ou laser CO2 fracionado.

Em oito das 34 mulheres avaliadas (uma na faixa de 40 anos, duas na faixa dos 50 anos e cinco na faixa de 60 anos), que referiam eritema e edema faciais após exposição a fontes de calor, foi observada vascularização no terço médio ou em toda a face, evidenciada através da fotografia polarizada.Duas tinham fototipo II de Fitzpatrick, quatro eram fototipo III e duas apresentavam fototipo IV. Em 10 pacientes observaram-se telangiectasias. Em três mulheres deste grupo de oito o exame clinico e a fotografia tradicional revelaram eritema muito leve, sendo que as demais não apresentavam nenhum grau de eritema ao olhar desarmado.

Foram também registradas as pigmentações melânicas em todas as pacientes, incluindo as de fototipo mais baixo, provavelmente por habitarem em local de grande irradiação solar (Rio de Janeiro). As lesões pigmentares observadas nas fotografias polarizadas assim se caracterizaram: hiperpigmentação pós-inflamatoria (máculas acastanhadas e levemente acinzentadas, com bordas borradas e centro mais escuro) –tres pacientes (Figura 3); efélides (máculas café com leite com bordas bem definidas) - 21 pacientes,melasma (máculas acastanhadas irregulares de formato e intensidade de coloração variáveis, com ou sem trama vascular) - cinco pacientes, e melanoses solares - 9 pacientes.

Observaram-se ainda: textura da pele (poros abertos, fechados, rugas, cicatrizes), características do fotoenvelhecimento (Figura 4), rosácea e queratoses actínicas inflamatórias.

O tratamento de terapia fotodinâmica foi indicado a uma paciente com 73 anos cujas queratoses actínicas apresentavam base eritematosa e eram distribuídas em toda a face. Em uma das mulheres, que apresentava rosácea, a fotografia polarizada evidenciou pigmentação melânica formando uma máscara tênue na face, acompanhada de trama vascular fina com áreas de nodulação nas regiões malares.

DISCUSSÃO

O filtro polarizador linear foi utilizado no passado, nas fotografias analógicas, calibrado previamente ao ajuste manual do foco, com ângulo de 35º em relação ao objeto fotografado como no trabalho de Phillips e colaboradores em 1997. 10 O fil- tro polarizador circular permite a captura da imagem em maquina fotográfica digital com foco automático. Reduz a luz em 1 1/3 pois se comporta como um filtro ND (do inglês densidade neutra). A luz empregada deve atender aos valores de luminância necessários para o seu registro adequado no sensor CCD da câmera digital. 11 Além disto, o desenvolvimento de CCD com 15 megapixel para máquinas semiprofissionais ampliou o registro de pequenos detalhes.O emprego de objetivas luminosas com foco fixo de 60mm e 100mm auxilia a padronização da distância entre a câmera e o objeto a ser fotografado sem distorções anatômicas por facilitar o cálculo da distância focal.

A fotografia tem sido utilizada como base de análises de dados computacionais. 12 Setaro em 2002 observou, o índice de eritema num grupo de 348 adultos caucasianos saudáveis e verificou que as imagens digitais são mais eficientes do que a avaliação convencional dos observadores. Este estudo avaliou o eritema após procedimentos estéticos (peeling ou laser) e graduou o eritema de acordo com uma escala: 0=ausente; 1=leve eritema ou com margens não demarcadas; 2=eritema moderado, com margens bem demarcadas; 3= eritema intenso, com margens elevadas.As avaliações foram realizadas em ambiente de temperatura e umidade do ar constantes e com abstenção três horas antes de fumo, café, álcool e drogas. 13

Bae e colaboradores em 201014 verificaram a utilidade da fotografia com luz polarizada para avaliar alterações da superfície cutânea, assim como outros trabalhos anteriores. 5,8,9 Os pesquisadores utilizaram fonte de luz polarizada e filtros polarizadores lineares o que aumenta a complexidade da técnica e dificulta a obtenção do white balance com as cores reais da pele.A utilização de tochas de flash que proporcionem 5500o K equivalente à luz do dia,melhora a qualidade técnica da fotografia tradicional e a fotografia com filtro polarizador circular, permitindo o uso de máquina digital SRL, foco automático, ISO 100, velocidades do obturador alta, abertura do diafragma adequada, simplificando a técnica fotográfica e reduzindo o seu custo.

Este estudo piloto, o primeiro realizado em pele brasileira, permitiu, através da fotografia polarizada, a observação de padrões vasculares e pigmentares, bem como o diagnóstico de acne rosácea e queratoses actínicas inflamatórias não detectados na inspeção desarmada ou em fotografias tradicionais.

O exame auxiliou também a indicação de tratamentos como luz intensa pulsada, terapia fotodinâmica, laser CO2 fracionado e o acompanhamento clínico de acne rosácea.

CONCLUSÕES

A fotografia médica com filtro polarizador circular é ferramenta diagnóstica e de acompanhamento terapêutico, servindo para documentação dermatológica da pele brasileira. No ambulatório é aliada na inspeção da pele e no registro detalhado da vascularização da pele normal e patológica.

Referências

1 . Parra F, Amado RC, Lambertucci JR, Rocha J, Antunes CM, Pena SDJ. Color and genomic ancestry in Brazilians. Proc Natl Acad Sci U S A. 2003;100(1): 177-82.

2 . Pimenta JR,Zuccherato LW,Debes AA,Maselli L, Soares RP,Moura-Neto RS, et al. Color and Genomic Ancestry in Brazilians: A Study with Forensic Microsatellites.Hum Hered. 2006; 62(2):190-5.

3 . Costa EV.Da Senzala à Colonia. São Paulo. Fundação Editora da UNESP, 1998.

4 . Stewart MI, Bernhard JD. The Struture of Skin Lesions and Fundamentals of Diagnosis. In: Freedberg IM, Eisen AZ, editors. Fitzpatrick''s Dermatology in General Medicine. EUA;Mc Graw-Hill; 2003 p.12.

5 . Fitzpactrick TB, Ortonne JP. Normal Skin Color and General Considerations of Pigmentary Disorders. In: Freedberg IM, Eisen AZ, et al editors. Fitzpatrick''s Dermatology in General Medicine. The Mc Graw-Hill ; 2003 p. 819-20.

6 . IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e estatística. Disponivel em URL: HTTP://www.ibge.gov.br

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8 . Hochman B, Nahas FX, Ferreira LM. Fotografia aplicada na pesquisa clinico-cirurgica, Acta Cir Bras. 2005; 20(2):19-25.

9 . Tamura BM. Anatomia da face aplicada aos preenchedores e a toxina botulínica - parte I. Surg Cosmet Dermatol. 2010;2(3):195-204.

10 . Phillips SB, Kollias N, Gillies R, Muccini JA, Drake LA. Polarized light photography enhances visualization of inflamatory lesions of acne vulgaris. J Am Acad Dermatol.1997;37(6):948-52

11 . Nagaoka T. Inspection of skin hemodynamics with hyperspectral câmera. Proceedings of the 29th Annual International Conference of the IEEE EMBS, Lyon, France, August 2007, 23-26.

12 . Brand VC, Souza RCA,Pedrini H,Lima HC. Avaliação da intensidade das rugas periorbitais por processamento digital de imagens: um estudo de validação. Surg Cosmet Dermatol. 2009;1(1):15-20.

13 . Setaro M, Sparavigna A. Quantification of erythema using digital câmera and computed-based colour image analysis: a multicentre study. Skin ResTechnol. 2002;8:84-88.

14 . A quantitative assessment of the human skin surface using polarized light digital photography and its dermatologic significance. Skin Res and Technol. 2010; 16(3): 270-4.


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