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Artigo Original

Avaliação de uma intervenção educativa sobre câncer de pele realizada no contexto da pandemia da covid-19

Gabriela Souza Diniz Ricardo; Luciana Monteiro Gontijo; Mariana Azevedo Santa Bárbara; Rafaella Morés Artifon; Gláucia Vianna

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20221400103

Data de submissão: 14/10/2021
Decisão Final: 12/01/2022


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Ricardo GSD, Gontijo LM, Bárbara MAS, Artifon RM, Vianna G. Avaliação de uma intervenção educativa sobre câncer de pele realizada no contexto da pandemia da covid-19. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220103


Abstract

INTRODUÇÃO: o câncer de pele é uma das neoplasias prevalentes, e o melanoma consiste em sua forma mais agressiva por ser responsável pela maioria das mortes devido ao seu alto potencial metastático. O diagnóstico precoce afeta o prognóstico do paciente e pode ser estimulado educando-se a população quanto à realização do autoexame da pele e ao reconhecimento de características marcantes das lesões.
OBJETIVOS: avaliar o impacto de uma intervenção educativa em víde
CONCLUSÕES: a intervenção educativa contribuiu para aumentar significativamente o conhecimento dos participantes acerca do câncer de pele. Com as restrições de contato impostas pela pandemia da COVID-19, ações que disseminem informações e estimulem o autoexame da pele se tornam ainda mais essenciais visando ao diagnóstico precoce.

o sobre câncer de pele com a aplicação de questionário antes e após a intervenção.
MÉTODOS: estudo prospectivo quase-experimental que incluiu os pacientes assistidos no Serviço de Dermatologia de um hospital público de Belo Horizonte.
RESULTADOS: 196 pacientes foram incluídos. Apesar de a maioria dos participantes reconhecer a importância do acompanhamento com o médico dermatologista (81,1%), a maior parte desconhecia o melanoma (70,9%). Houve significativa mudança no conhecimento sobre neoplasias de pele, principalmente no que diz respeito ao mnemônico do ABCDE (p<0,01).


Keywords: Conhecimento; Dermatologia; Educação; Melanoma; Neoplasias cutâneas


INTRODUÇÃO

O câncer de pele é uma das neoplasias prevalentes, sendo o não melanoma o mais incidente em ambos os sexos. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva/Ministério da Saúde (INCA/MS), estimam-se 177 mil novos casos para cada ano do triênio 2020-2022, sendo 83.770 casos em homens e 93.160 em mulheres. Em relação ao câncer de pele melanoma, é estimado em 4.200 os novos casos em homens e 4.250 em mulheres.1

Embora seja menos prevalente, a incidência de melanoma cutâneo primário é crescente, e a doença é a forma mais agressiva do câncer de pele, sendo responsável pela maioria das mortes pelo alto potencial metastático. Seu tratamento, usualmente, é curativo, caso haja detecção precoce da doença. Dessa forma, é necessário que o reconheça, para reduzir o número de casos, aumentar as chances de cura e diminuir os gastos com os diversos tratamentos aos quais o paciente deve ser submetido ao ter a doença.2

O diagnóstico precoce do melanoma é imprescindível para o sucesso do tratamento. Para isso, médicos e pacientes devem estar familiarizados com a doença. O conhecimento dos fatores de risco, que incluem indivíduos com os fototipos I e II de pele, estar acima de 40 anos, histórico familiar positivo de câncer de pele e exposição solar prolongada, principalmente na infância e adolescência, é essencial nesse contexto.3,4

O autoexame da pele facilita a detecção precoce do melanoma. Deve ser realizado periodicamente e é representado pelo mnemônico do ABCDE, criado com o objetivo de auxiliar no diagnóstico precoce da doença e estimular a procura por um dermatologista no caso de suspeita clínica.

Nesse contexto, as ações básicas de educação em saúde em locais de grande circulação de usuários do SUS (Sistema Único de Saúde) são responsáveis por proporcionar o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e comportamentos favoráveis ao cuidado da saúde. Os programas de extensão universitária mostram a importância de sua existência na relação estabelecida entre instituição e sociedade. Esse tipo de iniciativa possibilita a aproximação e troca de conhecimentos e experiências entre professores, alunos e população. 5,6

Diante dessa demanda, a Liga Acadêmica de Dermatologia de uma instituição de ensino de Belo Horizonte desenvolveu o projeto de extensão “Olhe para a sua pele”, que busca levar à comunidade diversas informações da ciência dermatológica relacionadas ao câncer de pele e à fotoproteção, estimulando o autoexame da pele e, consequentemente, a detecção precoce das lesões potencialmente malignas.

Este estudo tem como objetivo avaliar o conhecimento e os hábitos da população em relação ao câncer da pele e à exposição solar, promovendo maior discussão e análise acerca desse assunto, além de avaliar a eficácia de uma ação educativa promovida pela Liga Acadêmica, anteriormente mencionada, adaptada para ser realizada no contexto da pandemia da COVID-19.

 

MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo com delineamento quase-experimental, com análise em duas fases (antes e após uma intervenção educativa). A amostra foi selecionada por conveniência, baseada no aceite em participar da pesquisa. A pesquisa quase-experimental, do tipo antes e depois, envolve a manipulação de uma variável (intervenção educativa), na qual o controle será o próprio indivíduo. Dessa forma, os dados são coletados tanto antes quanto depois de uma intervenção.

Pretendeu-se responder à questão de investigação: “Qual a eficácia de uma intervenção educativa sobre câncer de pele em uma população atendida em um hospital de referência no Brasil?”. O estudo aconteceu entre março de 2020 e janeiro de 2021. Participaram da investigação 196 pacientes atendidos em um centro de atenção terciária em Dermatologia de um hospital público localizado na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais.

Foram incluídas na pesquisa pessoas com mais de 18 anos de idade, alfabetizadas, independentemente do sexo e da raça, e que tivessem sido ou fossem pacientes na instituição em questão. Da mesma forma, foram excluídos do estudo aqueles menores de 18 anos, não alfabetizados ou que se recusaram a responder ao questionário.

Os dados foram obtidos por meio de um questionário desenvolvido pelos autores, baseado na literatura científica e adaptado para o formato on-line, uma vez que a abordagem presencial tornou-se impossível devido às condições de isolamento social impostas pela pandemia da COVID-19. Todos os participantes foram informados quanto aos aspectos éticos envolvidos na pesquisa por meio da leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) presente na primeira parte do formulário e somente puderam prosseguir com o questionário on-line após assinalar que concordavam em participar do estudo.

O questionário foi elaborado em duas etapas: a primeira etapa compreendia questões de caracterização da amostra, abrangendo questões sobre as características sociodemográficas dos voluntários (idade, sexo, escolaridade), renda familiar, fototipos (fototipo I: pele muito clara, queima com facilidade, nunca bronzeia; II: pele clara, queima com facilidade, bronzeia muito pouco; III: pele morena clara, queima moderadamente e bronzeia moderadamente; IV: pele morena moderada, queima pouco, bronzeia com facilidade; V: pele morena escura, queima raramente, bronzeia bastante; VI: pele negra, nunca queima, bronzeia sempre) e se há casos de câncer de pele na família. A segunda etapa do questionário englobava questões fechadas referentes aos conhecimentos dos participantes sobre o câncer de pele, como sua prevalência e as principais características possivelmente encontradas em lesões potencialmente malignas. Além disso, com o objetivo de avaliar o reconhecimento visual dos participantes em relação ao câncer de pele, foram incluídas cinco imagens ao final do questionário, das quais três compreendiam lesões potencialmente malignas.

Para avaliação da aquisição de conhecimento, os participantes responderam ao questionário em dois momentos: no início da pesquisa (incluindo as etapas um e dois) e após a intervenção, que consistiu em um vídeo elaborado pela equipe contendo as principais informações referentes ao câncer de pele, quando responderam novamente à etapa dois. Em seguida, os participantes avaliaram a importância das informações repassadas e se, a partir delas, iriam se atentar e mudariam os cuidados com a pele.

As variáveis categóricas foram apresentadas como frequências absolutas e relativas, e as variáveis numéricas, como média ± desvio-padrão e mediana (1º quartil – 3º quartil). A comparação entre variáveis categóricas pareadas foi realizada pelos testes de McNemar e Multinomial, quando apropriados. As análises foram realizadas no software R versão 4.0.3 e foi considerado nível de significância de 5%. Foram avaliados 196 participantes, sendo 124 (63,3%) mulheres.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa das instituições envolvidas sob os registros – 25805319.6.0000.5134 e 25805319.6.3001.5138.

 

RESULTADOS

A amostra foi composta por 196 pacientes, dos quais 124 eram do sexo feminino (63,3%). A média de idade encontrada entre os participantes foi de 43,1 anos (± 10,8). Quanto ao grau de escolaridade, as 196 pessoas tinham algum grau de instrução, sendo 10,2% (n=20) das pessoas com ensino fundamental incompleto e 11,2% (n=22) com o ensino superior completo.

Com relação à renda familiar mensal, 5,6% (n=11) dos participantes recebiam até 1 salário mínimo; 27% (n=53) recebiam entre 1 a 3 salários mínimos; 29,1% (n=57) recebiam de 3 a 6 salários mínimos; 20,9% (n=41) recebiam de 6 a 9 salários mínimos; 13,3% (n=26) recebiam de 9 a 12 salários mínimos; 4,1% (n=8) recebiam entre 12 a 15 salários mínimos.

Quanto ao fototipo, declararam-se como fototipo I 9,7% das pessoas (n=19); fototipo II 18,4% (n=36); fototipo III 21,4% (n=42); fototipo IV 19,9% (n=39); fototipo V 20,4% (n=40) e fototipo VI 10,2% dos entrevistados (n=20).

Os participantes precisaram responder sobre as medidas de proteção solar que utilizavam (Tabela 1). 29,1% (n=57) declararam que não utilizavam qualquer medida de proteção; 45,9% (n=90) utilizavam roupas que cobrissem mais a pele; 36,2% (n=71) evitavam tomar sol entre 10h-16h; 32,1% (n=63) utilizavam chapéus ou bonés; 24% (n=47) faziam uso de filtro solar; 3,6% (n=7) usavam sombrinhas como proteção solar. Somadas as medidas de proteção solar utilizadas, uma pessoa utilizava as cinco medidas questionadas; 19,9% dos entrevistados (n=39) utilizavam uma das medidas de proteção; 35,2% (n=69) utilizavam duas medidas de proteção; 12,2% (n=24) utilizavam três medidas de proteção e 3,1% (n=6) utilizavam quatro medidas de proteção. Quanto ao uso de filtro solar, 76% (n=149) afirmaram que não utilizavam.

Quanto ao conhecimento dos cânceres de pele, 70,9% (n=139) nunca ouviram falar sobre melanoma; 97,4% (n=191) nunca ouviram falar sobre carcinoma espinocelular; e 94,4% (n=185) nunca ouviram falar sobre carcinoma basocelular.

Ao compararem-se as taxas de acertos nas questões antes e após a intervenção, observa-se que 30 participantes (15,3% do total) acertaram a questão “Qual o tipo de câncer mais comum entre os brasileiros?”. Após a intervenção, 195 participantes (99,5%) acertaram a mesma questão. Na questão “Histórico familiar (pessoas da família que tiveram ou têm câncer de pele) aumenta as chances de se ter câncer de pele?”, antes da intervenção, 117 pessoas (59,7%) acertaram a questão e, após a intervenção, 193 participantes (98,5%) acertaram a mesma questão.

Na afirmação “É de extrema importância que todos façam acompanhamento de suas “pintas” com dermatologistas para evitar o câncer de pele”, de 81,1% de acerto na pré-intervenção (n= 159) passou-se a 100% de acerto na pós-intervenção.

Quanto às perguntas que pediam para indicar o significado do mnemônico “ABCDE” (Tabela 2), no pré-teste, 15,3% (n=30) souberam indicar o que o A significa; 36,7% (n=72) souberam dizer o significado do B; 37,8% (n=74) acertaram o significado do C; 23% (n=45) acertaram o significado do D e 23% (n=45) souberam responder ao significado do E. Após a intervenção, nenhuma pergunta foi respondida corretamente por todos os participantes. A pergunta sobre o A teve 73,5% (n=144) de acertos; sobre o B, 93,9% (n=184) de acertos; sobre o C, 89,8% (n=176) de acertos; sobre o D, 65,3% (n=128) de acertos e, na questão sobre o E, 90,3% (n=77) dos participantes acertaram.

Nas questões que envolviam as imagens de lesões de peles (Figura 1) e que perguntavam quais tinham o maior risco de evolução para câncer de pele, melanoma ou não melanoma, na pré-intervenção houve apenas 3,1% (n=6) de acerto em relação à combinação correta das imagens (1, 2 e 5) e, após a intervenção, a porcentagem de acertos subiu para 70,9% (n=139).7

Ao final do questionário, todos os participantes julgaram as informações como importantes (Tabela 3); 99,5% afirmaram que repassarão essas informações para outras pessoas; 96,9% afirmaram que irão mudar os cuidados com a pele após o aprendizado adquirido com a pesquisa.

 

DISCUSSÃO

O projeto de extensão “Olhe para a sua pele”, desenvolvido pela Liga Acadêmica de Dermatologia de uma instituição de ensino de Belo Horizonte, é uma ação de prevenção primária do câncer de pele e utiliza a cartilha informativa da Sociedade Brasileira de Dermatologia como veículo de informação. A intervenção é realizada em espaços públicos da cidade de Belo Horizonte – Minas Gerais, como parques e praças, e os acadêmicos envolvidos são responsáveis por orientar os participantes quanto à associação entre o sol e câncer da pele, à aplicação de protetor solar, à utilização de roupas apropriadas, ao uso de chapéus e óculos de sol, a permanecer na sombra e a limitar o tempo de exposição ao sol. São responsáveis também por ampliar o conhecimento acerca das neoplasias de pele mais frequentes (melanoma, carcinoma espinocelular e carcinoma basocelular), reforçando as características mais marcantes de cada uma delas, incentivando a realização do autoexame da pele e do acompanhamento periódico com um médico dermatologista a fim de contribuir para o diagnóstico precoce dessas lesões de pele.

No ano de 2019, no entanto, ocorreu o surto do vírus SARS-CoV-2 na China, o que culminou em uma pandemia mundial, exigindo a adoção de medidas preventivas severas, incluindo o isolamento domiciliar, uma das condutas adotadas para conter a disseminação do vírus e prevenir sua principal complicação, a síndrome respiratória aguda grave. Nessa perspectiva, a maioria dos procedimentos ambulatoriais e tratamentos dermatológicos foi postergada, excetuando-se consultas de urgência e pacientes oncológicos. Diante da evolução dessa crise sanitária, os dermatologistas adotaram o uso da telemedicina como a melhor solução para o distanciamento social imposto. No entanto, embora seja uma forma de atender os pacientes com mais segurança, limita a realização do exame completo da pele e a avaliação de lesões pigmentadas.7,8

Um atraso no diagnóstico e no tratamento do câncer de pele, em especial do melanoma, pode provocar um aumento da morbidade, mortalidade e dos custos para o sistema de saúde. Por esse motivo, as iniciativas relacionadas à educação populacional e rastreamento das neoplasias de pele, incluindo o projeto “Olhe para a sua pele”, desenvolvido pela Liga Acadêmica, deverão ser adaptadas de modo a se encaixarem em um modelo alternativo de campanha de prevenção baseado nos mesmos princípios originais, mas que explorem os diversos serviços de informação disponíveis atualmente que permitem a conexão à distância das pessoas.

Um ensaio clínico randomizado realizado em um departamento de Dermatologia da Califórnia comparou a eficácia de materiais educacionais escritos e em vídeo sobre a compreensão do melanoma por indivíduos. Os resultados encontrados forneceram evidências de que os vídeos on-line são uma ferramenta mais eficaz do que os materiais escritos, ou seja, os folhetos informativos. A população estudada classificou a intervenção em vídeo como sendo mais atraente e foi capaz de apresentar melhor desempenho no questionário avaliativo aplicado pela equipe de pesquisadores.9

O projeto mencionado anteriormente, realizado por meio da entrega de cartilhas informativas, precisou sofrer modificações para que a intervenção continuasse beneficiando a comunidade local e disseminando informações a respeito do câncer de pele, mesmo com as limitações impostas pela pandemia. A solução encontrada foi transformar a abordagem em um vídeo e avaliar a retenção das informações por meio de um questionário on-line autoaplicável em uma população atendida em um serviço de referência de Dermatologia.

Em relação ao predomínio do sexo feminino entre os participantes do estudo (63,3%), pode-se relacionar ao fato de que, com base na revisão bibliográfica realizada pelos pesquisadores, há maior predominância de mulheres em consultas dermatológicas, o que sugere maior cuidado do gênero em relação à estética e à proteção da pele contra os efeitos nocivos provocados pela exposição solar. Além disso, alguns estudos revelaram prevalência de neoplasias de pele no sexo feminino, o que poderia contribuir para despertar o interesse desse grupo em receber mais informações a respeito do tema.10,11

A média de idade encontrada foi de 43,1 anos, o que evidencia o fato de a amostra ser composta por indivíduos relativamente jovens, situados na faixa etária economicamente produtiva, e que utilizam mais os meios de comunicação disponíveis atualmente.

Quanto à frequência de uso de filtro solar pelos entrevistados, observou-se que cerca de 76% dos participantes não utilizam o filtro solar. Esse dado evidencia a necessidade de realizarem-se iniciativas que reforcem a importância de seu uso na prevenção de neoplasias de pele, associadas ainda à instrução da população quanto ao correto uso de filtro solar. O desuso desse fotoprotetor pode estar relacionado ao elevado custo que ele representa no orçamento da população e ao fato de não pertencer à lista de medicamentos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde, uma vez que 61,6% dos participantes declararam renda familiar mensal entre um e seis salários mínimos. Nesse contexto, é necessário incentivar também o uso recorrente de fotoprotetores físicos, como chapéus, camisas que cubram a pele e sombrinhas, por se tratar de itens mais acessíveis e duradouros.12

Outro fator preocupante encontrado no presente estudo está relacionado ao nível de conhecimento prévio dos participantes sobre a neoplasia de pele. Cerca de 70% dos pacientes nunca haviam ouvido falar sobre melanoma, prevalência que se agrava ainda mais quando analisado o nível de conhecimento dos cânceres de pele não melanoma: mais de 95% desconheciam essas lesões.

O desconhecimento acerca das neoplasias de pele pode estar relacionado ao baixo nível de escolaridade dos participantes, considerando-se que 68,3% deles possuíam, no máximo, o ensino médio completo. Fatores relacionados ao aumento do risco do câncer de pele incluem baixo nível socioeconômico e menor escolaridade.13,14

A avaliação da abordagem educativa baseou-se no conhecimento dos participantes sobre os aspectos que caracterizam a identificação do melanoma utilizando a sigla dos critérios de triagem no exame visual de lesões de pele pigmentadas, o mnemônico do ABCDE (assimetria, bordas irregulares, variação de cor, diâmetro maior que 6mm e evolução da lesão). Utilizamos ainda imagens de lesões pigmentadas de pele para avaliar se os participantes saberiam identificar na prática os aspectos que caracterizam visualmente o melanoma. Foi possível observar que a capacidade de reconhecimento das neoplasias malignas de pele melhorou significativamente após a intervenção.

Um ensaio clínico randomizado realizado em Chicago recrutou 100 voluntários, selecionados aleatoriamente entre aqueles que preenchiam o critério de inclusão de não ter histórico anterior de aconselhamento sobre como realizar o autoexame da pele. Os voluntários participaram de uma intervenção educacional, e questionários de pré-avaliação e pós-avaliação foram administrados antes e depois da abordagem para avaliar a retenção das informações transmitidas. O estudo concluiu que determinar a presença do critério ABCDE é uma habilidade desafiadora, no entanto a intervenção realizada contribuiu significativamente para aprimorar a capacidade dos participantes em realizar o autoexame da pele e identificar lesões potencialmente malignas.15

Da mesma forma, o presente estudo buscou avaliar o grau de conhecimento dos participantes sobre os aspectos que envolvem a identificação de lesões de pele pigmentadas potencialmente malignas antes e após uma intervenção educacional, buscando aprimorar as habilidades relacionadas ao autoexame da pele.

O questionário aplicado antes da abordagem educativa representou o primeiro contato dos participantes da pesquisa com a informação sobre as neoplasias de pele e como realizar o autoexame da pele. Em relação à avaliação do conhecimento sobre os aspectos que envolvem o mnemônico do ABCDE e ao reconhecimento de lesões potencialmente malignas, ficou evidente que a maior parte dos participantes desconhecia as informações necessárias para identificar corretamente o melanoma. Apenas 11,7% declararam conhecer o método antes da intervenção educativa. De maneira semelhante, foi possível observar defasagem significativa nos aspectos que compõem a identificação dessas lesões, tais como assimetria, bordas irregulares, variação da cor, diâmetro e evolução. Apenas 3,1% dos participantes souberam identificar a combinação correta de imagens que correspondiam a lesões melanocíticas malignas.

O questionário aplicado após a intervenção demonstrou aumento significativo nos acertos das perguntas do questionário após a intervenção. O acerto na combinação correta de imagens que correspondiam a lesões melanocíticas malignas passou para 70,09%. Esse maior aproveitamento evidencia que ações educativas, como as realizadas pela Liga Acadêmica, parecem ser eficientes para a conscientização da população acerca das neoplasias de pele, tais como realizar o autoexame e como utilizar corretamente as proteções da fotoexposição.

Um estudo realizado com base em 3.187 casos de câncer de pele melanoma no estado de São Paulo evidenciou o custo total e o custo unitário com o tratamento da neoplasia baseados em seu estadiamento. Melanomas estágio 0, que é a lesão in situ, representaram, na época, um custo unitário para o SUS de R$ 382,84. Já para o tratamento dos melanomas em estágios avançados, III e IV, o custo foi de R$ 30.969,67 e R$ 32.054,23, respectivamente.16,17

A diferença entre o custo do tratamento do melanoma em estágio inicial para o estágio avançado é significante. Mais de 95% dos custos do tratamento são destinados para os estágios mais avançados, o que aumenta a importância das campanhas de conscientização e prevenção. O reconhecimento das lesões potencialmente neoplásicas possibilita que o paciente procure ajuda médica precocemente, reduzindo as chances de metástases e a necessidade de tratamentos prolongados, com custos onerosos para o SUS. Desse modo, campanhas educativas em formato de vídeo são capazes de educar a população para buscar atendimento em fases iniciais da doença e a proteger-se da fotoexposição danosa à pele.

A principal limitação deste estudo advém de seu delineamento em duas fases, antes e depois de uma intervenção educativa. O fato de não se constituir como um ensaio clínico randomizado impede que o impacto observado sobre os fatores estudados seja atribuído exclusivamente à intervenção educativa realizada. Outro aspecto é que apenas indivíduos letrados, com acesso à internet e a meios de comunicação móveis foram incluídos, considerando que o fato de não serem alfabetizados impediria que respondessem ao questionário autoaplicável. Além disso, deve ser observado que o estudo foi realizado em um centro de referência público, o que torna a amostra direcionada a uma população com nível socioeconômico mais baixo, gerando limitações na generalização dos resultados.

 

CONCLUSÃO

Em função do baixo custo de produção, da facilidade de distribuição e da linguagem acessível, o uso do vídeo mostrou-se uma ferramenta de comunicação eficaz no estudo realizado. Tendo em vista os altos custos necessários para o tratamento de uma neoplasia avançada, justifica-se, então, a implementação de campanhas educativas, em formato de vídeo, para a conscientização da população acerca de fotoproteção e das manifestações cutâneas potencialmente neoplásicas de modo que procurem atendimento médico especializado quando reconhecerem lesões potencialmente malignas e que saibam proteger-se de modo eficaz da radiação ultravioleta.

Além disso, ações educativas que envolvam o reconhecimento de lesões de pele potencialmente neoplásicas e que estimulem a realização do autoexame precisam ser encorajadas especialmente no período de pandemia da COVID-19, responsável por limitar o contato do paciente com o médico dermatologista. Por meio dessas iniciativas, é possível chamar a atenção dos pacientes aos sinais de alerta para a doença, impulsionando a procura imediata pelo especialista frente ao reconhecimento das características que a cerca.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Gabriela Souza Diniz Ricardo 0000-0003-3596-4558
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Luciana Monteiro Gontijo 0000-0002-7173-6379
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura.

Mariana Azevedo Santa Bárbara 0000-0002-9870-3892
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Rafaella Morés Artifon 0000-0003-2996-1131
Statistical analysis; approval of the final version of the manuscript; study design and planning; preparation and writing of the manuscript; data collection, analysis, and interpretation; critical literature review; critical revision of the manuscript.

Gláucia Vianna 0000-0003-2070-3750
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

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