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Artigo Original

Fatores de risco correlacionados à alopecia frontal fibrosante em Criciúma, Santa Catarina: estudo caso-controle

Lara Xavier Bazotti; Leticia Maoletti Teixeira; Ana Paula Naspolini

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2022140042

Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum


Data de submissão: 05/05/2021
Decisão final: 05/08/2021
Como citar este artigo: Bazotti LX, Teixeira LM, Naspolini AP. Fatores de risco correlacionados à alopecia frontal fibrosante em Criciúma, Santa Catarina: estudo caso-controle. Surg Cosmet Dermatol. 2022;14:e20220042


Abstract

INTRODUÇÃO: A alopecia frontal fibrosante (AFF) é uma forma de alopecia cicatricial, em que os pacientes apresentam perda irreversível dos folículos pilosos, principalmente em região frontal e tempoparietal. Sua etiopatogenia não está totalmente elucidada, embora hipóteses sobre fatores genéticos, hormonais e comportamentais, como o uso de filtro solar e hidratante facial, já tenham sido descritas.
MÉTODOS: estudo de caso-controle, realizado com aplicação de um questionário objetivo com 33 perguntas. Foram avaliadas 60 pacientes do sexo feminino, 30 diagnosticadas com AFF e 30 não acometidas pela doença.
RESULTADOS: a média de idade da amostra foi de 64 anos (± 10,37 para casos e ± 9,40 para os controles). 76,7% das pacientes com AFF e 23,3% dos controles faziam uso de filtro solar, sendo a diferença estatisticamente significativa (p<0,001). Além disso, o uso de hidratante facial mostrou-se significativamente maior nas pacientes com alopecia (63,3%) quando comparadas aos controles (33,3%; p=0,038). Notou-se a frequência de uso de sabonete comum na face significativamente menor nas pacientes com AFF (46,7%), quando comparada ao grupo controle (83,3%; p=0,006).
CONCLUSÃO: nossos resultados sugerem uma possível associação entre AFF e uso de produtos faciais, como filtro solar e hidratante. Todas as pacientes eram menopausadas, reforçando a relação hormonal com a doença.


Keywords: Alopecia; Anticoncepcionais; Finasterida; Menopausa; Tamoxifeno


INTRODUÇÃO

O termo alopecia cicatricial representa um grupo de doenças caracterizado pela substituição da estrutura folicular por tecido fibroso.1,2 A alopecia frontal fibrosante (AFF) é uma alopecia cicatricial, marginal e simétrica ao longo da linha de implantação capilar frontotemporal. Descrita pela primeira vez por Axel Munthe em 19293, a AFF pode ter sido esporádica e ignorada por mais de seis décadas até que, em 1994, Kossard publicou uma série de casos com seis mulheres afetadas pela doença.4 Nesse relato, as pacientes eram caucasianas e menopausadas, apresentavam recesso na implantação capilar frontotemporal associado a eritema perifolicular e diminuição ou perda completa das sobrancelhas. Desde sua descoberta, houve um aumento de sua incidência, observado em todo o mundo. Inclusive, há evidências que sugerem que a AFF seja, na verdade, uma epidemia em evolução.5 Não se sabe ao certo se esse aumento no número de casos seja devido ao melhor reconhecimento da doença pelos dermatologistas ou se, de fato, houve um aumento na sua incidência, visto que a AFF tem sido diagnosticada também em mulheres na menacme e, mais raramente, em homens.6

A etiopatogenia da AFF não está totalmente elucidada, embora inúmeras hipóteses tenham sido propostas. Dentre elas, o fator genético é relevante, uma vez que há casos diagnosticados em irmãos e membros da mesma família7, propondo-se uma herança autossômica dominante com dominância incompleta.8 A identificação recente de lócus genômicos fortemente associados à inflamação liquenoide e à AFF reforça essa ideia. O lócus de maior suscetibilidade parece ser o 6p21, localizado na região de HLA. De acordo com a literatura, o risco de desenvolvimento de AFF parece aumentar em cinco vezes com a implantação do alelo da classe HLA-B 07:02.9 Ainda, um possível mecanismo hormonal já foi levantado em virtude da sua predominância em mulheres na pós-menopausa ou em uso de terapia antiandrogênica.10,11 O receptor ativado por proliferadores de peroxissoma gama (PPAR-γ) possui forte atividade antifibrótica e seu declínio pode correlacionar-se ao processo inflamatório fibrogênico da AFF. Os fatores desencadeantes que levam à deficiência de PPAR-γ e consequente inflamação ainda são desconhecidos.9 O componente ambiental, por sua vez, pode participar como fator etiopatogênico na doença, principalmente pelo surgimento tardio dos sintomas na maioria dos casos.12 A exposição ambiental, por meio de hábitos cosméticos como o uso de hidratantes faciais, bases em maquiagem, protetores solares e tinturas de cabelo - produtos estes que contêm componentes como nanopartículas de dióxido de titânio, também já foi aventada como hipótese para favorecer o desenvolvimento de AFF.13

O diagnóstico da AFF pode ser feito clinicamente guiado por achados na tricoscopia, como eritema perifolicular e hiperqueratose folicular, antes mesmo da fase final e permanente da evolução, com alopecia cicatricial.14 A avaliação histopatológica é necessária nos estágios iniciais ou em casos de dúvida diagnóstica.15

A AFF é uma condição crônica que requer tratamento em longo prazo. Atualmente, não há um consenso sobre os tratamentos efetivos16, sendo constantemente associada à diminuição da qualidade de vida devido, principalmente, à presença de sintomas como prurido e sensibilidade no couro cabeludo, incômodo inestético e à frustração em relação à incapacidade de controlar o curso da doença.17

Tendo em vista a importância dessa condição clínica, um estudo bem delineado que avalie fatores de risco em pacientes diagnosticadas com AFF poderá contribuir para o esclarecimento das características predominantemente envolvidas nesta patologia em nossa população. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar os fatores correlacionados à AFF em pacientes atendidos em consultórios dermatológicos particulares no município de Criciúma (SC), de julho de 2019 até abril de 2020.

 

MÉTODOS

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Humanos (3.938.659) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). As pacientes participaram do estudo após concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo sua privacidade e identificação respeitadas.

O presente estudo foi do tipo caso-controle, realizado em 17 consultórios dermatológicos particulares na cidade de Criciúma, Santa Catarina, Brasil.

Avaliaram-se 60 pacientes do sexo feminino, residentes no município de Criciúma (SC), no período de julho de 2019 até abril de 2020. 30 pacientes apresentavam diagnóstico clínico ou histopatológico de AFF e 30 pacientes não acometidas pela doença integraram o grupo controle, após avaliação com médicos dermatologistas e patologistas experientes. Os critérios de inclusão considerados foram: idade maior que 18 anos, estar em acompanhamento com dermatologista, apresentar AFF no grupo de casos e não apresentar alopecias no grupo controle. Foram excluídas pacientes em uso de quimioterapia, com questionários preenchidos incorretamente e pacientes que possuíam outras patologias que pudessem apresentar sintomas clínicos semelhantes (tinea capitis, dermatite seborreica ativa, eflúvio telógeno, alopecia areata, outras alopecias cicatriciais, rosácea).

Instrumento de coleta

Os dados da pesquisa foram coletados com base na aplicação de um questionário objetivo composto por 33 perguntas, elaborado pelos pesquisadores e aplicado pelo médico dermatologista assistente.

O questionário foi dividido em duas partes. A primeira foi direcionada ao médico especialista com interrogatório sobre doenças autoimunes e alergias de pele.

A segunda foi direcionada às pacientes para avaliação de parâmetros sociodemográficos e comportamentais. As perguntas em comum para os dois grupos abordaram a frequência de uso atual de filtro solar, base facial, hidratante facial, xampu antirresíduo e sabonete comum na face, tratamento quimioterápico prévio, tabagismo, dieta vegetariana ou rica em doces, prática de alisamento ou tintura capilar.

O histórico hormonal foi avaliado pela presença de menopausa, histerectomia prévia, uso de tamoxifeno, dispositivo intrauterino (DIU) ou anticoncepcional oral combinado (AOC).

Em relação à AFF, foram abordados sintomas prévios (ardência, sensibilidade, prurido), tratamentos em uso e percepção de resposta aos mesmos, tempo entre surgimento dos sintomas e o diagnóstico, e qualidade de vida (se a paciente considera ou não ter sido afetada pela doença).

Análise estatística

Os dados coletados foram analisados com auxílio do software IBM Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0. As variáveis quantitativas foram expressas por meio de média e desvio-padrão. As variáveis qualitativas foram expressas por meio de frequência e porcentagem.

Os testes estatísticos foram realizados com um nível de significância α=0,05 e confiança de 95%. A distribuição dos dados quanto à normalidade foi avaliada por meio da aplicação do teste de Shapiro-Wilk.

A comparação da média das variáveis quantitativas entre as categorias das variáveis qualitativas dicotômicas foi realizada por meio da aplicação do teste U de Mann-Whitney. A investigação da existência de associação entre as variáveis qualitativas foi realizada por meio da aplicação do teste exato de Fisher e qui-quadrado de Pearson, seguida de análise de resíduo quando observada significância estatística. A medida da força de associação utilizada foi o Odds Ratio (OR), obtido por meio da regressão logística binária.

 

RESULTADOS

A amostra total, composta por 60 participantes do sexo feminino, foi distribuída em 30 casos e 30 controles. Os dados demográficos são demonstrados na Tabela 1.

Na avaliação de doenças autoimunes, como hipotireoidismo, lúpus eritematoso sistêmico e esclerodermia, não houve diferença estatística (p=0,299; p=0,492 e p=0,999, respectivamente - Tabela 2). Em relação à presença de alergias, como dermatite de contato ou alergias medicamentosas, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa (p=0,112 e p=0,999, nesta ordem - Tabela 2).

De acordo com a evolução dos sintomas relacionados à AFF, 66,7% dos casos relataram a presença dos mesmos, sendo prurido o sintoma mais comum (53,3%), seguido de sensibilidade (23,3%) e ardência (20%). Quando questionadas sobre o tratamento, 53,3% relataram tratamento com percepção de melhora, 13,3% sem percepção de melhora e 33,3% estavam sem tratamento no momento da avaliação. O tempo entre início das manifestações clínicas até o diagnóstico ocorreu entre um a cinco anos em 50% dos casos, entre seis meses a um ano em 20%, mais que cinco anos em 16,7% e menos que seis meses em 13,3%. Ainda, 53,3% relataram alteração da qualidade de vida pela AFF (Tabela 3).

Em relação ao uso de produtos faciais tópicos, não houve diferença significativa entre os grupos ao avaliar o uso atual de cosméticos faciais, dentre eles o uso de filtro solar, hidratante facial, base (maquiagem), sabonete comum na face ou xampu antirresíduo (p=0,353; p=0,532; p=0,602; p=0,605 e p=0,254, respectivamente - Tabela 4).

Ao se questionar o uso prévio das mesmas substâncias, as pacientes com AFF mostraram um uso maior de filtro solar (76,7%) quando comparadas ao grupo controle (23,3%), sendo essa diferença estatisticamente significativa (p<0,001 - Tabela 5). Ainda, 78,3% das pacientes com AFF faziam uso do produto diariamente. Além disso, o uso de hidratante facial também mostrou ser mais presente nas pacientes com alopecia (63,3%) quando comparado ao grupo controle (33,3%), com diferença estatisticamente significativa (p=0,020 - Tabela 5). Acrescenta-se ainda que o uso diário também foi mais frequente (84,2%) entre as pacientes com AFF. Em contrapartida, ao se analisar a utilização de sabonete comum na face, notou-se um uso significativamente menor nas pacientes com AFF (46,7%) quando comparada com o grupo controle (83,3%; p=0,003), sendo novamente o uso diário do produto mais frequente (92%). Por fim, o uso de base e xampu antirresíduo no passado não demonstrou diferença estatisticamente significativa entre os grupos (Tabela 5).

A avaliação complementar em relação ao uso de quimioterápicos ou tamoxifeno, dieta vegetariana ou rica em açúcar, prática de alisamentos ou tinturas capilares, tabagismo, menopausa, DIU, uso de AOC e histerectomia foi demonstrada na Tabela 6. Nenhum dos fatores analisados apresentou diferença estatística quando comparados os dois grupos.

No que se refere aos tratamentos tópicos utilizados, 30% das pacientes com AFF fizeram uso de minoxidil, 26,7% de corticoides e 20% usaram tacrolimus. Por fim, como terapêutica sistêmica, 20% das pacientes receberam hidroxicloroquina e 6,7%, finasterida (Tabela 7).

 

DISCUSSÃO

A amostra com AFF do presente estudo obteve, na sua totalidade, pacientes caucasianas, provavelmente pelo fato de a região sul do país ter maior prevalência dessa população. Segundo o IBGE18, em 2010, cerca de 84% dos catarinenses se declararam brancos, o maior número do país. Entretanto, sabe-se que a AFF é encontrada em todas as populações. Uma revisão clínica de 20 pacientes negros na África do Sul reforçou a escassez de informações sobre a epidemiologia da AFF nessa população e a dificuldade para estabelecer diagnóstico diferencial correto entre AFF e alopecia de tração.19

Em relação à faixa etária e gênero, todas as participantes do estudo são mulheres, com média de idade de 64 anos (±10,37 para casos e ±9,40 para os controles), 90% delas menopausadas. Em estudo transversal de 60 casos, a média de idade das participantes na apresentação da AFF foi de 64 anos.20 Sugere-se que os estrogênios desempenhem um papel importante na regulação do ciclo capilar, produzindo uma diminuição no crescimento da haste capilar, ou seja, levando à indução da fase catágena de forma prematura e manutenção da fase telógena.21 Sendo assim, a diminuição dos estrogênios na menopausa pode alterar o controle do ciclo capilar e, de certa forma, predispor ao desenvolvimento de AFF. A predominância feminina na pós-menopausa na AFF, juntamente com a eficácia relatada de inibidores da 5-alfa-redutase no gerenciamento da doença, fez surgir diversas teorias sobre o papel dos hormônios sexuais na patogênese da doença.16

Na análise de histerectomia prévia, notou-se que um considerável número de mulheres foi submetido ao procedimento, achado também descrito por outros autores22, em que 55 das 139 pacientes analisadas relataram histerectomia prévia. Ainda sobre a relação hormonal, evidenciou-se uma diminuição repentina dos níveis séricos de estrogênio nas pacientes submetidas à menopausa cirúrgica.22 Embora sejam necessárias mais pesquisas sobre uma patogênese hormonal, acredita-se que o seu desequilíbrio possa ser o gatilho causador da reação inflamatória cicatricial da AFF em pacientes predispostas.13

No presente estudo, verificou-se a presença de hipotireoidismo em 23,3% e doenças autoimunes em 30% das pacientes com AFF, semelhante à frequência observada em demais estudos.20 Uma revisão sistemática da literatura mostrou que cerca de 34,4% da coorte de 1.083 pacientes compartilhavam o fenômeno de poliautoimunidade.23 Isso pode ser explicado pelo fato de que fatores genéticos e ambientais são similares entre as doenças autoimunes, o que poderia levar ao desenvolvimento de distúrbios autoimunes concomitantes.23,24

Em relação à qualidade de vida, apesar de não serem aplicados questionários específicos e validados para avaliação da mesma, 53,3% das pacientes relataram alteração da qualidade de vida pela AFF. Assim como citado por outros autores25,26, a alopecia tem uma associação negativa com a qualidade de vida. Já foi demonstrado que pacientes mais velhas com AFF podem ter mais probabilidade de apresentar ansiedade ou depressão, e pacientes com alopecia grave podem se sentir impotentes sobre o controle da doença.17

Na análise entre tempo de início da clínica e diagnóstico, 50% das pacientes relataram que ocorreu entre um e cinco anos. Estudos anteriores descobriram um tempo médio para apresentação de 3,4 a 5,3 anos.10,20 A perda de sobrancelha e cílios pode ser o primeiro sinal de apresentação da AFF.20,27,28 Apesar de a linha de implantação capilar frontal ser a mais comumente afetada, pode haver também acometimento destas regiões, além dos pelos do corpo.2 A perda de pelos corporais geralmente é confundida ou relacionada à idade e dificilmente relatada pelos próprios pacientes28,29,30 acarretando atraso pela procura médica e, consequentemente, pelo tratamento.

Sobre os tratamentos prévios ou atuais para AFF, minoxidil tópico, corticosteroide tópico, tacrolimus pomada, hidroxicloroquina e inibidores 5-alfa-redutase foram os mais utilizados pelas participantes. Todos esses tratamentos são trazidos pela literatura como opções terapêuticas, porém não há tratamento curativo, e a falta de ensaios clínicos randomizados não permite conclusões definitivas sobre o tratamento mais eficaz.15

A análise do presente estudo mostrou que as mulheres com AFF faziam mais uso de filtro solar facial que os controles (Figura 1), resultado esse semelhante ao demonstrado em estudo de caso-controle, com 664 mulheres e 106 homens britânicos.12 Em relação ao componente do filtro solar, já foram detectadas nanopartículas de dióxido de titânio na haste capilar de um paciente com AFF. Esse resultado foi confirmado por outro estudo recente28, que também detectou dióxido de titânio nas hastes capilares de 16 dos 20 pacientes com AFF. Suspeita-se, portanto, do envolvimento dessa molécula na patogênese da AFF e, por estar presente em muitos dos filtros solares de uso rotineiro, torna-se um fator de risco de extrema importância.31,32 Em contrapartida, alguns autores reconhecem que o uso de filtro solar não pode explicar alguns aspectos da AFF,31,21 como, por exemplo, o fato de indivíduos na população em geral usarem produtos com filtro solar e não desenvolverem AFF, assim como pacientes com AFF não usarem filtro solar regularmente. Outro aspecto que não se explica é o envolvimento occipital da AFF, local onde os filtros solares não seriam habitualmente aplicados. Um estudo de caso-controle brasileiro com 902 participantes encontrou uma baixa adesão ao uso de filtro solar facial nas pacientes diagnosticadas com AFF, não havendo associação ao uso a longo prazo.33 Portanto, uma verdadeira relação causal entre filtros solares e AFF não pode ser concluída neste momento.

Embora o uso de filtros solares pelas pacientes com AFF não tenha se aproximado da universalidade, é importante ressaltar que muitos hidratantes faciais atuais contêm produtos químicos para proteção solar.31 Na análise do presente estudo, a frequência de uso isolado de hidratante facial no passado foi maior nas pacientes com alopecia quando comparadas ao grupo controle (Figura 1). Valores semelhantes foram relatados nas literaturas já citadas anteriormente.10 Dados como esses corroboram a ideia de que produtos faciais parecem, de fato, estar relacionados à AFF.

Vale ressaltar que o maior uso desses cosméticos faciais (filtro solar e hidratante) pelas pacientes com alopecia não foi demonstrado quando se questionou sobre o uso atual, ou seja, após o diagnóstico de AFF (Figura 2). Sugere-se que a diminuição do uso estaria relacionada a uma resposta comum entre as pacientes com queda de cabelo, por relacionarem o uso desses produtos com a queda, seja por conhecimentos leigos, por meio de pesquisas ou mesmo falas do próprio profissional de saúde.31 O mesmo raciocínio pode explicar uma menor adesão das pacientes com AFF a procedimentos capilares e um maior uso de xampu antirresíduo por esse grupo após o diagnóstico de AFF. Nesse caso, o uso do xampu seria uma resposta comum ao fato de as pacientes relacionarem a queda com os resíduos capilares acumulados, fato esse que também pode ser observado na nossa amostra. Esses resultados mostram a importância do conhecimento acerca dos reais fatores de risco conhecidos para AFF, minimizando fatores estressores e investimento em produtos com baixa efetividade.

Outros fatores ambientais também foram analisados, como a dieta seguida pelas pacientes. Apenas uma das pacientes com AFF seguia dieta vegetariana. Alguns estudos já demonstraram a ausência de relação entre AFF e dieta rica em soja e seus derivados.13 Porém, um recente estudo32 demonstrou uma possível relação existente entre o surgimento de AFF e uma dieta rica em trigo e milho. Portanto, mais estudos são necessários para confirmação da relação causal entre elementos dietéticos e a fisiopatologia de AFF.

Em relação ao uso de tamoxifeno, um estudo realizado com 100 pacientes portadoras de AFF levantou a hipótese de que o uso de tamoxifeno pode gerar uma perda do efeito de regulação estrogênica sobre fibrose e imunidade10, porém, em nossa amostra, apenas duas pacientes com AFF fizeram uso anterior do medicamento.

Em contrapartida, algumas literaturas sugerem três fatores protetores para o surgimento de AFF, como o uso prévio de DIU10, AOC31 e tabagismo prévio ou atual.33 Esses estudos usaram como justificativa o fato de o uso ser mais comumente relatado nos pacientes não acometidos pela doença e de uma possível relação hormonal relacionada à exposição aos mesmos. Além disso, foi visto no nosso estudo um maior uso de sabonete comum pelo grupo controle (83,3%) quando comparado ao grupo caso (46%) (Figura 1), dado este ainda não demonstrado em outros estudos, que pode ser entendido como um fator protetor, visto que indicaria uma maior higiene da face, auxiliando a remoção de produtos tópicos depositados no folículo ao longo dos anos.34 Entretanto, tornam-se necessários mais estudos acerca dos possíveis fatores de proteção.

 

CONCLUSÃO

As questões levantadas pelo presente trabalho trazem a necessidade de realização de um estudo multicêntrico, bem delineado, com número maior de pacientes e acompanhamento a longo prazo. O resultado significativo encontrado no uso dos produtos faciais destaca a importância de trabalhos que investiguem o componente específico de cada um e sua relação com a doença. Ainda, a aplicação de questionários validados de qualidade de vida poderia quantificar o impacto da doença na vida das pacientes.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Lara Xavier Bazotti 0000-0002-1607-9257
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Leticia Maoletti Teixeira 0000-0002-6307-933X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Ana Paula Naspolini 0000-0002-7201-5709
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

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