Priscila Neri Lacerda; Maria Estela Bellini Ribeiro; Izabelle Ferreira da Silva Mazeto; Vinícius de Souza; Hélio Amante Miot
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Data de submissão: 30/04/2021
Decisão final: 18/08/2021
Como citar este artigo: Lacerda PN, Ribeiro MEB, Mazeto IFS, Souza V, Miot HA. Melanoma infantil: diagnóstico precoce pelo mapeamento corporal total em síndrome do nevo displásico. Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:20210040
O melanoma é uma neoplasia rara na população pediátrica, sendo ainda mais rara em crianças menores de 10 anos. O mapeamento corporal total constitui método não invasivo e de baixo custo, capaz de aumentar a acurácia diagnóstica na avaliação de lesões pigmentadas, principalmente em pacientes de alto risco. Relatamos um paciente de nove anos de idade com síndrome do nevo displásico, no qual uma lesão apresentou mudança sutil (assimetria de estruturas) no seguimento de seis meses. A exérese da lesão resultou em melanoma com Breslow 1mm e linfonodo-sentinela negativo. O mapeamento corporal total reduz o número de exéreses desnecessárias e permite o diagnóstico de melanomas em estágios iniciais e potencialmente curáveis, especialmente em crianças e pacientes com fatores de risco como síndrome do nevo displásico. O caso foi reportado devido à raridade da neoplasia na faixa etária e para demonstrar a importância da dermatoscopia digital seriada no diagnóstico precoce de melanoma nessa população.
Keywords: Dermoscopia; Melanoma; Síndrome do nevo displásico
Melanoma apresenta-se como a segunda principal causa de neoplasia em adolescentes e adultos jovens, e sua incidência aumenta significativamente com a idade, sendo, porém, extremamente raro em crianças.1; As interações entre exposição solar, desenvolvimento de nevos e história familiar são os principais determinantes do desenvolvimento do melanoma durante as primeiras décadas de vida.1,2 Fatores predisponentes, como nevos melanocíticos congênitos gigantes, xeroderma pigmentoso ou mutações genéticas, foram relatados em raros casos de melanoma infantil.1,2
O reconhecimento precoce é fundamental para prevenir a progressão da doença e, portanto, um alto índice de suspeita é necessário na avaliação de crianças.1,3 O exame dermatoscópico é importante para visualizar as características morfológicas das lesões pigmentadas e para diferenciar o melanoma de nevos melanocíticos.3 No entanto, melanomas precoces podem mostrar sinais extremamente discretos ou ausentes à dermatoscopia no primeiro exame, sendo apenas detectados por meio de alterações morfológicas ao longo do seguimento.3 Dessa forma, o mapeamento corporal é capaz de detectar melanomas incipientes.3
Paciente do sexo masculino, nove anos de idade, caucasoide, foi encaminhado para o Serviço de Dermatologia há dois anos para seguimento de múltiplos nevos melanocíticos. Nega história familiar ou pessoal de melanoma.
Durante o acompanhamento inicial, apresentava à dermatoscopia identidade névica com áreas homogêneas sem estrutura, hiperpigmentadas, de localização mais centralizada (Figuras 1-3). Foi realizada exérese, cujo histopatológico foi compatível com nevo displásico, e o paciente encaminhado para acompanhamento com mapeamento corporal digital seriado.
No seguimento, apresentou evolução de lesão no dorso inferior, que inicialmente apresentava características semelhantes à sua identidade névica, com padrão globular homogêneo e área central sem estrutura hiperpigmentada (Figuras 4 e 5).
Após seis meses, evidenciaram-se borrão pigmentado excêntrico e vasos atípicos centrais nessa lesão (Figura 6). Foi realizada exérese, cujo exame histopatológico revelou melanoma em fase vertical de crescimento, Breslow 1,0mm, sem ulceração, mitoses ou invasão perineural. Realizada ampliação de margens da lesão e pesquisa de linfonodo-sentinela, que resultaram negativas para neoplasia.
Melanoma é a neoplasia cutânea mais comum em crianças apesar de extremamente raro nesta população, sendo ainda mais raro em menores de 10 anos. O diagnóstico costuma ser difícil e tardio devido à sua raridade nessa faixa etária.3,4
Em comparação a adultos, as crianças apresentam lesões primárias mais espessas, frequentemente nodulares e amelanóticas, com estruturas vasculares ou crisálidas atípicas, evidenciadas apenas pela dermatoscopia, além de não atenderem aos critérios tradicionais do ABCDE.4,5 Ademais, em contraste com o melanoma adulto, uma proporção significativa de neoplasias surge de nevo preexistente (80%), sendo o acompanhamento regular das lesões imprescindível para o diagnóstico precoce.4,5,6
O mapeamento corporal ou dermatoscopia digital sequencial apresenta-se como um método de baixo custo e não invasivo, capaz de aumentar a precisão do diagnóstico na avaliação de lesões cutâneas pigmentadas.7 O exame baseia-se na análise de imagens dermatoscópicas digitais sequenciadas ao longo do tempo para encontrar critérios dinâmicos específicos que indiquem mudança no comportamento biológico da lesão.7,8 Dessa forma, o mapeamento corporal reduz o número de excisões desnecessárias e permite o diagnóstico precoce de melanomas em estágios iniciais e potencialmente curáveis.7,8
A importância do exame encontra-se principalmente em jovens, em que diversas lesões pigmentadas não apresentam características típicas à dermatoscopia inicial.6,7,8 Assim, ao comparar a mesma lesão em diferentes momentos, a dermatoscopia digital seriada permite detectar precocemente alterações sutis que podem sugerir o diagnóstico de melanoma.8,9
A identidade névica do paciente relatado é composta por diversas lesões displásicas com características dermatoscópicas muito semelhantes ou até mais atípicas do que a lesão na qual foi diagnosticado melanoma, tornando ainda mais difícil o diagnóstico precoce.
Em conclusão, este caso ratifica a importância do mapeamento corporal seriado como ferramenta fundamental para o diagnóstico precoce de melanoma incipiente nesta população.
Priscila Neri Lacerda 0000-0001-8100-5978
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Maria Estela Bellini Ribeiro 0000-0002-4116-244X
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Izabelle Ferreira da Silva Mazeto 0000-0003-2325-8701
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Vinícius de Souza 0000-0002-4971-0439
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Hélio Amante Miot 0000-0002-2596-9294
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
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