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Relato de caso

Desenvolvimento de alopecia fibrosante frontal em duas pacientes usuárias de toxina botulínica: relação ou coincidência?

Mariana Abdo de Almeida1; Michele Maria Reis-Feroldi2; Marcia Lanzoni Alvarenga Lira3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2021130036

Data de submissão: 15/04/2021
Decisão final: 13/10/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesse: Nenhuma
Como citar este artigo: Almeida MA, Reis-Feroldi MM, Lira MLA. Desenvolvimento de alopecia fibrosante frontal em duas pacientes usuárias de toxina botulínica: relação ou coincidência? Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:20210036.


Abstract

A alopecia frontal fibrosante é uma alopecia cicatricial linfocítica primária de difícil controle, com infiltrado liquenoide perifolicular marcando sua histologia. Desde a sua descrição em 1994 por Kossard houve um aumento de casos descritos pelo mundo. Este artigo relata dois casos em que foram realizadas biópsias incisionais com cortes longitudinais e transversais nas áreas que apresentaram maior atividade da doença e revisa alguns aspectos dessa dermatose, além de abordar a suspeita de uma possível relação com a aplicação de toxina botulínica - questão já aventada por outros autores, porém sem estabelecimento de confirmação.


Keywords: Alopecia; Toxinas botulínicas; Toxinas botulínicas tipo A


INTRODUÇÃO

A alopecia frontal fibrosante (AFF) possui etiologia ainda desconhecida e tem evoluído cada vez mais em todo o mundo. Ela foi descrita pela primeira vez em 1994 por Kossard,1 na Austrália, é mais comum em mulheres na pós-menopausa, embora também tenham sido relatados casos em homens e mulheres em idade reprodutiva.2

A AAF é caracterizada pela perda de folículos terminais e/ou velo na região frontotemporal, associada a eritema perifolicular e hiperqueratose folicular. Também pode apresentar sintomas inespecíficos, como coceira e tricodinia. Apresenta características fibrosantes, cicatrizantes, progressivas e, na maioria das vezes, irreversíveis.3 Atualmente é classificada no espectro do líquen plano pilar (LPP) – entidade que hoje se subdivide em AAF, líquen plano pilar clássico e síndrome de Graham-Little-Piccardi-Lasseur (SGLPL).

É comum observar folículos terminais e queda de pelos em tufos na região temporal anterior durante o exame dermatológico, associada a eritema e descamação na placa de alopecia.1,2 A área afetada pode ser levemente atrófica, com perda dos óstios foliculares. Também é comum observar eritema perifolicular na linha frontal do cabelo.2,3

A dermatoscopia é um método não invasivo que auxilia no diagnóstico e acompanhamento da doença e permite uma melhor identificação do local para a biópsia. A técnica contribui para achados como eritema perifolicular, hiperqueratose folicular, redução dos óstios foliculares e ausência de folículos velo, que são achados significativos para melhor esclarecimento diagnóstico.3

Embora seja um procedimento invasivo, a biópsia do couro cabeludo contribui significativamente para o diagnóstico por meio do exame histopatológico. Para a biópsia, o material deve ser coletado em área portadora de cabelo com sinais clínicos de doença ativa, o que reforça a importância do uso da dermatoscopia para identificar o melhor local.4

Os achados histopatológicos de AFF são semelhantes ou quase idênticos aos observados no líquen plano pilar. Ambas as doenças apresentam infiltrado inflamatório linfocítico envolvendo o istmo e os folículos pilosos do infundíbulo. O epitélio folicular mostra exocitose de linfócitos, células apoptóticas e/ou disqueratóticas, fibroplasia concêntrica ao redor dos folículos inflamados e subsequente destruição de alguns folículos.5

Uma possível correlação entre a aplicação de toxina botulínica e a presença de AFF foi recentemente investigada.6,7

Dois relatos de caso

1. Uma mulher de 54 anos recebeu aplicação de toxina botulínica (Botox® - Allergan, Irvine, CA, USA) no terço superior da face e preenchimento com ácido hialurônico em sulco nasolabial mais de cinco anos antes do exame dermatológico, sem apresentar queixas locais. A paciente relatou queda de cabelo frontal e presença de cabelo ralo na região frontal. O exame dermatológico evidenciou implantação capilar elevada ao levantar a franja da paciente, além de diminuição dos folículos velos na linha do cabelo frontal. A dermatoscopia mostrou sinais de “cabelo solitário”, escamas perifoliculares e manchas pretas sem alterações nas sobrancelhas (Figura 1). Uma biópsia incisional foi realizada. À microscopia óptica, os cortes transversais apresentavam tratos cicatriciais ao nível do istmo folicular e um infiltrado inflamatório linfomononuclear perifolicular moderado ao nível do infundíbulo e istmo folicular. O epitélio folicular apresentava exocitose linfocítica e alteração vacuolar. O tratamento consistiu em terapia tópica com propionato de clobetasol e solução de minoxidil 5% no couro cabeludo e nas sobrancelhas. Após oito meses de acompanhamento clínico, a paciente permaneceu sem sinais de atividade de AFF.

2. Uma mulher de 79 anos, hipertensa, recebeu aplicações de toxina botulínica (Botox® - Allergan, Irvine, CA, USA) no terço superior da face um ano antes do exame dermatológico; preenchimento com ácido hialurônico cinco anos antes do exame dos sulcos nasolabiais; e um lifting facial completo 15 anos antes do exame. Ela apresentava cicatriz cirúrgica na implantação frontal do couro cabeludo. A paciente procurou atendimento dermatológico para nova aplicação de toxina botulínica no terço superior da face. Ela não relatou queixas de cabelo ou couro cabeludo e usava corte de cabelo com franja cobrindo totalmente a região frontal para esconder a queda de cabelo na região. O exame dermatológico mostrou implantação capilar elevada percebida ao levantar a franja; alteração da cor da pele na implantação capilar na linha frontal do cabelo; contração do músculo frontal mais evidente com o alargamento da implantação capilar do couro cabeludo; redução do folículo velo na linha do couro cabeludo; e afinamento das sobrancelhas (Figura 2A). A dermatoscopia mostrou sinais de “cabelo solitário”; escamas perifoliculares; eritema perifolicular; rarefação capilar nas áreas frontal, linha média e vértice; e redução das sobrancelhas (Figura 2B). Uma biópsia incisional foi realizada. O exame microscópico revelou infiltrado inflamatório linfomononuclear periférico ao nível do infundíbulo, fibrose perifolicular e infiltrado inflamatório linfomononuclear moderado ao redor do trato cicatricial (Figura 2C). A paciente foi submetida a terapia oral com finasterida, terapia tópica com propionato de clobetasol e solução de minoxidil 5% no couro cabeludo e sobrancelhas. Após sete meses de acompanhamento clínico, ela permaneceu livre de sinais de atividade de AFF.

 

DISCUSSÃO

Nos dois casos relatados, os pacientes eram mulheres, com idades entre 54 e 79 anos. Além disso, as pacientes receberam aplicações de toxina botulínica (Botox® - Allergan, Irvine, CA, USA) e ácido hialurônico. A segundo paciente também havia realizado lifting facial completo 15 anos antes do exame dermatológico, apresentando cicatriz cirúrgica na linha frontal do cabelo. Encontramos na literatura o relato de um paciente de 55 anos apresentando escleroatrofia na linha capilar frontal da inserção do couro cabeludo dez dias após injeção local de toxina botulínica tipo A para fins estéticos. Porém, os autores não descartaram aplicação inadequada de toxina ou overdose do medicamento.6 Outro artigo relata cinco casos de pacientes submetidos à toxina botulínica periodicamente. Esses casos relataram regressão da linha frontal do cabelo, o que levou os autores a questionar uma correlação conhecida como “alopecia induzida por toxina botulínica” (botulin-induced frontal alopecia - BIFA). No entanto, não foi possível confirmar os aspectos dessa provável doença, pois os pacientes não aceitaram realizar a biópsia.7

Um estudo caso-controle recente mostrou que a relação entre AFF e fatores ambientais ainda é controversa. De acordo com este estudo, a AFF foi associada ao uso de hidratantes faciais, sabonetes faciais não dermatológicos e alisamento de cabelo com formalina. A literatura tem sugerido o uso de soluções anti-resíduos capilares e tabaco como fatores de proteção. Não houve associação com o uso de protetores solares. A aplicação de toxina botulínica ou ácido hialurônico não foi mencionada neste estudo.8 Os casos relatados no presente estudo mostraram uma associação de AFF com a aplicação de toxina botulínica. Mais estudos são necessários para averiguar essa possível relação, fato que corrobora com os estudos Piraccini6 e Persechino7.

Em relação a paciente que também foi submetida a um lifting facial, a possível correlação entre o procedimento e a AFF foi descrita em uma série de casos onde três pacientes desenvolveram AFF após realizarem lifting facial. Uma possível explicação para essa correlação é a indução do fenômeno de Koebner em que um trauma ou processo inflamatório inespecífico em pele sã ocorre em indivíduos suscetíveis.9

 

CONCLUSÃO

Relatamos dois casos de alopecia no presente estudo, em mulheres com idade entre 54 e 79 anos, com achados clínicos, dermatoscópicos e histológicos compatíveis com AFF. As pacientes foram tratadas e não apresentaram progressão das lesões no seguimento clínico. Ambas tinham história prévia de aplicação única de toxina botulínica (Botox® - Allergan, Irvine, CA, USA). O presente estudo aborda uma possível relação entre AFF e a aplicação de toxina botulínica e apresenta estudos que suspeitam dessa relação.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Mariana Abdo de Almeida 0000-0002-7080-689X
Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Michele Maria Reis-Feroldi 0000-0003-4900-3598
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura.

Marcia Lanzoni Alvarenga Lira 0000-0002-1208-7911
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação de pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS:

1. Kossard S. Postmenopausal frontal fibrosing alopecia. Scarring alopecia in a pattern distribution. Arch Dermatol. 1994;130(6):770-4.

2. Dawn G, Holmes SC, Moffat D, Munro CS. Post-menopausal frontal fibrosing alopecia. Clin Exp Dermatol. 2003;28(1):43-5.

3. Crisóstomo MR, Crisóstomo MCC, Crisóstomo MGR, Gondim VJT, CrisóstomoMR, Benevides NA. Perda pilosa por líquen plano pilar após transplante capilar: relato de dois casos e revisão da literatura. Na Bras Dermatol. 2011;86(2):359-62.

4. Donati A, Molina L, Doche I, Valente NS, Romiti R. Facial papules in frontal fibrosing alopecia: evidence of vellus follicle involvement. Arch Dermatol. 2011;147(12):1424-7.

5. Sperling LC, Cowper SE, Knopp EA. An Atlas of Hair Pathology with Clinical Correlations. 2nd ed. Florida: CRC Press; 2012.

6. Di Pietro A, Piraccini BM. Frontal alopecia after repeated botulinum toxin type A injections for forehead wrinkles: an underestimated entity? Skin Appendage Disord. 2016;2(1-2):67-9.

7. Persechino S, Lupi F, Di Vito E, Romano I, Persechino F, et al. Sclero- Atrophic Reaction after Botulinum Toxin Injection. Clin Res Dermatol Open Access. 2016;3(2):1-2.

8. Ramos PM, Anzai A, Duque-Estrada B, Farias DC, Melo DF, Mulinari-Brenner F, et al. Risk factors for frontal fibrosing alopecia: a case-control study in a multiracial population. J Am Acad Dermatol. 2021;84(3):712-8.

9. Chiang YZ, Tosti A, Chaudhry IH, Lyne L, Farjo B, Farjo N, et al. Lichen planopilaris following hair transplantation and face-lift surgery. Br J Dermatol. 2012;166(3):666-370.


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