Bruna Cristina Mendes dos Santos1; Marina Riedi Guilherme1; Mayara Teixeira Cruz1; Marcelo de Souza Machado2; Lúcia Emiko Imazu3
Data de submissão: 15/04/2021
Decisão final: 15/07/2021
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Santos BCM, Guilherme MR, Cruz MT, Machado MS, Imazu LE. Carcinoma basocelular na vulva: um relato de caso de neoplasia cutânea em área especial. Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:e20210033.
O carcinoma basocelular (CBC) é o câncer de pele mais comum.1 Entre os fatores de risco para seu desenvolvimento estão a exposição a radiações ionizantes e não ionizantes, alguns produtos químicos e cicatrizes prévias.2 Porém, o fator mais importante é a exposição à radiação ultravioleta, o que explica a maior incidência dessa neoplasia em áreas fotoexpostas. O CBC em áreas não expostas é incomum. O objetivo deste relato é descrever um caso de CBC recorrente na vulva, demonstrar a importância do exame dermatológico em áreas incomuns e relatar a aplicação da cirurgia micrográfica de Mohs.
Keywords: Carcinoma basocelular; Doenças da vulva; Neoplasias vulvares
O carcinoma basocelular (CBC) é a neoplasia cutânea mais comum, representando cerca de 70% dos casos.1 Entre os fatores de risco para o desenvolvimento desse tipo de tumor estão a exposição a radiações ionizantes e não ionizantes, algumas substâncias químicas, como os derivados do alcatrão e o arsênico, e cicatrizes prévias.2 Porém, o fator de maior importância na patogênese do CBC é a exposição à radiação ultravioleta. Isso explica a maior incidência dessa neoplasia em áreas fotoexpostas, comprometendo principalmente pessoas de pele clara e olhos claros.1
O CBC em áreas não fotoexpostas, como axilas, virilhas, nádegas, região perianal, genital e pubiana, é incomum. Os CBCs que surgem na área perianal ou na vulva, especificamente na superfície não mucosa dos grandes lábios, representam menos de 2% desse tipo de tumor epitelial.3
O objetivo deste relato é descrever um caso de CBC recidivante na vulva, demonstrar a importância da vigilância do exame dermatológico em áreas incomuns e relatar a aplicação da cirurgia micrográfica de Mohs para poupar e preservar locais anatômicos especiais.
A paciente de 70 anos, branca, notou saliência pouco dolorosa e levemente pruriginosa na parte interna da vulva, à esquerda (Figura 1). Durante consulta ginecológica em 2015, a médica da paciente observou a lesão e a encaminhou ao dermatologista.
A dermatologista da sua cidade de origem avaliou a paciente e levantou a hipótese de carcinoma basocelular. Tal hipótese foi confirmada por meio de uma biópsia da lesão, que evidenciou um carcinoma basocelular superficial (Figura 2). Porém, por se tratar de um lugar raro de acometimento desse tipo de câncer de pele, encaminhou a paciente a outro serviço de Dermatologia no estado de São Paulo para ter uma segunda opinião de um dermatologista especialista em Oncologia Cutânea sobre o tratamento adequado para essa lesão. Nesse serviço, iniciou-se tratamento com imiquimode cinco vezes por semana durante seis semanas e, após esse ciclo, a lesão desapareceu.
No entanto, um ano depois, a lesão reapareceu no mesmo local e uma nova biópsia foi realizada. O anatomopatológico confirmou tratar-se de uma recidiva do carcinoma basocelular prévio. Os dermatologistas que acompanhavam a paciente, ao discutirem o caso, sugeriram à paciente a exérese da lesão com a técnica micrográfica de Mohs devido à maior precisão e à segurança de ter margens livres. Em 2016, a paciente foi submetida ao procedimento resultando margens cirúrgicas livres. (Figura 3). A paciente de 70 anos, branca, notou saliência pouco dolorosa e e não houve recidiva da lesão até o presente momento.
O CBC surge a partir das células-tronco foliculares, portanto o seu desenvolvimento em áreas sem pelos é incomum.4 O local de maior acometimento é a região cefálica (90%), principalmente na localização orbitopalpebral e nasal, seguida de tronco e membros.2 O fator mais importante na patogênese do CBC é a exposição à luz ultravioleta, no entanto até um terço deles ocorre em áreas cobertas, como axilas, virilhas, nádegas, região perianal, genital e pubiana.3,5,6
Até o momento, menos de 300 casos de CBC vulvar foram descritos na literatura. Tumores nessa localização representam aproximadamente 2% de todos os CBCs e menos de 3% dos carcinomas vulvares.4 A causa exata do desenvolvimento do CBC em áreas não expostas ao sol ainda é incerta, mas a relação com o aumento da idade foi relatada em duas grandes séries de caso, nas quais a idade média do desenvolvimento de CBC vulvar foi entre 70 e 73 anos.7,8
O CBC de vulva compartilha os mesmos fatores de risco que os CBCs de áreas fotoexpostas. O que os diferencia é que a exposição à radiação ultravioleta (UV) não desempenha um fator importante na patogênese do CBC vulvar, mas alguns autores sugerem que a exposição à radiação UV causa imunossupressão sistêmica e isso poderia estar relacionado ao surgimento de CBC em áreas não expostas ao sol.9 A radiação prévia também é um dos fatores que predispõe o CBC vulvar. Geralmente, o surgimento das lesões ocorre anos após a exposição à irradiação.10,11 Outro fator de risco a se considerar são os defeitos genéticos que também podem predispor o desenvolvimento de CBC como, por exemplo, a mutação do PTCH que leva à síndrome do nevo basocelular e aumenta substancialmente a suscetibilidade a essa neoplasia.12
As manifestações clínicas dos CBCs vulvares são inespecíficas e não apresentam características clássicas do CBC. As lesões podem surgir como pápulas, nódulos, lesões exofíticas, pediculadas, infiltrativas, pigmentadas, ulceradas em casos mais avançados e até mesmo na forma de uma combinação desses itens.13 Os sinais e sintomas não são característicos. Os mais relatados foram irritação, dor e prurido local. A inespecificidade dos sintomas faz com que, muitas vezes, as lesões sejam tratadas como dermatoses inflamatórias e infecciosas, levando ao diagnóstico tardio e, consequentemente, ao aumento do tamanho da neoplasia e da invasão local.8
Os CBCs de vulva são mais agressivos quando comparados aos CBCs de áreas fotoexpostas, estando mais associados a infiltração local profunda e extensão perineural ocasional. Esse tipo de neoplasia apresenta maior recorrência, metástases locais e à distância, e isso varia conforme o padrão histológico, sendo que os tumores morfeia-like, metatípicos, adenocísticos e os infiltrativos tendem a recorrer mais e serem mais agressivos. 14, 15, 16
A excisão cirúrgica é a melhor forma de tratamento para o CBC vulvar. As margens cirúrgicas devem ser amplas, pois até 25% das margens de biópsias excisionais estavam comprometidas em um estudo retrospectivo. Isso se deve, principalmente, à difícil demarcação, pois esse sítio é naturalmente eritematoso, e as bordas da lesão são facilmente confundidas com a pele saudável.8 O comprometimento das margens resulta em maior taxa de recorrência, podendo atingir de 10 a 20% dos casos.14
Em CBCs grandes, histologicamente agressivos e naqueles com recorrência e com bordas mal delimitadas, como o tumor do caso relatado, a cirurgia micrográfica de Mohs seria o tratamento de escolha, pois proporciona controle histológico de 100% das margens, preservando pele normal, além de diminuir alterações nas estruturas anatômicas, tornando a reconstrução mais segura e com melhores resultados estéticos e funcionais. Nos casos em que a abordagem cirúrgica está contraindicada ou há comprometimento de bordas, a radioterapia é uma opção terapêutica, porém pode levar a complicações no sítio irradiado.3,17,18
O diagnóstico precoce é crucial para garantir uma cirurgia menos invasiva. No entanto, o CBC na vulva, muitas vezes, tem diagnóstico retardado por ocorrer em um local menos monitorizado durante o exame físico.8 Conclui-se que deve haver a conscientização de que os CBCs podem surgir em áreas não fotoexpostas e, muitas vezes, podem mimetizar outras dermatoses. Assim, tanto os dermatologistas quanto os clínicos gerais e ginecologistas devem realizar o exame cutâneo completo, principalmente naqueles pacientes com histórico de câncer de pele, sendo a biópsia aconselhável em qualquer lesão cutânea suspeita nessas regiões.
Bruna Cristina Mendes dos Santos 0000-0002-3213-3962
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Marina Riedi Guilherme 0000-0003-4765-2180
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Mayara Teixeira Cruz 0000-0002-5069-0519
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Marcelo de Souza Machado 0000-0001-8817-0183
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Lúcia Emiko Imazu 0000-0002-6634-5509
Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
1. Belda Junior B, Di Chiacchio N, Criado PR. Tratado de Dermatologia. 3th ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2018.
2. Azulay RD, Azulay DR, Azulay-Abulafia L. Dermatologia. 6th ed. Rio de Janeiro: Gen; 2013.
3. Pisani C, Poggiali S, De Padova L, Andreassi A, Bilenchi R. Basal cell carcinoma of the vulva. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2006;20(4):446-8.
4. Sakai T, Goto M, Kai Y, Kato A, Shimizu F, Okamoto O, et al. Vulvar basal cell carcinoma with bone metastasis. J Dermatol. 2011;38(1):97-100.
5. Gloster HM Jr, Brodland DG. The epidemiology of skin cancer. Dermatol Surg. 1996;22(3):217-26.
6. Bhagchandani L, Sanadi RE, Sattar S, Abbott RR. Basal cell carcinoma presenting as finger mass. A case report. Am J Clin Oncol. 1995;18(2):176-9.
7. Gibson GE, Ahmed I. Perianal and genital basal cell carcinoma: A clinicopathologic review of 51 cases. J Am Acad Dermatol. 2001;45(1):68-71.
8. de Giorgi V, Salvini C, Massi D, Raspollini MR, Carli P. Vulvar basal cell carcinoma: retrospective study and review of literature. Gynecol Oncol. 2005;97(1):192-4.
9. Strickland PT, Creasia D, Kripke ML. Enhancement of two-stage skin carcinogenesis by exposure of distant skin to UV radiation. J Natl Cancer Inst. 1985;74(5):1129-34.
10. Benedet JL, Miller DM, Ehlen TG, Bertrand MA. Basal cell carcinoma of the vulva: clinical features and treatment results in 28 patients. Obstet Gynecol. 1997;90(5):765-8.
11. Mateus C, Fortier-Beaulieu M, Lhomme C, Rochard F, Castaigne D, Duvillard P, et al. Carcinome basocellulaire de la vulve: 21 cases. Ann Dermatol Venereol. 2001;128(1):11-5.
12. Susong CR, Ratz JL. Basal-cell carcinoma occurring in an axilla: a case presentation and a review of factors related to tumor development. J Dermatol Surg Oncol. 1985;11(5):526-30.
13. Mulvany NJ, Rayoo M, Allen DG. Basal cell carcinoma of the vulva: a case series. Pathology. 2012;44(6):528-33.
14. Mulayim N, Foster Silver D, Tolgay Ocal I, Babalola E. Vulvar basal cell carcinoma: two unusual presentations and review of the literature. Gynecol Oncol. 2002;85(3):532-7.
15. Watson GA, Kelly D, Prior L, Stanley E, MacEneaney O, Walsh T, et al. An unusual case of basal cell carcinoma of the vulva with lung metastases. Gynecol Oncol Rep. 2016;18:32-5.
16. Jacobs GH, Rippey JJ, Altini M. Prediction of aggressive behavior in basal cell carcinoma. Cancer. 1982;49(3):533-7.
17. Suzuki HS, Sato MS. A experiência da implantação da cirurgia micrográfica de Mohs em um serviço universitário. Surg Cosmet Dermatol. 2012;4(2):206-7.
18. Miller SJ, Alam M, Andersen J, Berg D, Bichakjian CK, Bowen G, et.al. Basal cell and squamous cell skin cancers. JNCCN. 2010(8):836-64.