Carla Aguiar Andrade1; Cláudia Cardoso de Macedo Oliveira1; Eduardo Vinícius Mendes Roncada1; Diogo Gonçalves Ribeiro2
Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum
Como citar este artigo: Andrade CA, Oliveira CCM, Roncada EVM, Ribeiro DG. Melanoma primário de mucosa oral: relato de caso. Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:e20210029
O melanoma de mucosa oral (MMO) representa de 0,2 a 8% dos casos de melanoma. Acomete, principalmente, palato e gengiva de pacientes entre 40 e 70 anos. Inicialmente é assintomático, contribuindo para o diagnóstico tardio e prognóstico reservado. O tratamento de escolha consiste na ressecção cirúrgica, podendo ser utilizadas radioterapia e quimioterapia adjuvantes. Relatamos um caso em paciente de 80 anos do sexo masculino, com melanoma primário na gengiva e palato duro, que foi submetido à ressecção tumoral seguida de reconstrução de palato. Ressaltamos a importância do exame físico completo e da busca ativa por lesões na mucosa oral para diagnóstico precoce.
Keywords: Melanoma; Mucosa bucal; Palato
O melanoma é o terceiro tipo de câncer mais frequente na pele, porém é incomum na mucosa oral.1,2 Acomete, principalmente, indivíduos acima dos 40 anos de idade,3,4 com discreto predomínio no sexo masculino.5,6 Localiza-se, preferencialmente, no palato e na gengiva, com morfologia variada, incialmente sem sintomas, resultando na diagnóstico tardio e prognóstico reservado.7,8 O tratamento de escolha é a ressecção cirúrgica, seguida ou não de dissecção do pescoço, com opção de quimioterapia ou radioterapia adjuvantes.9,10
Apresentamos um caso de melanoma na mucosa oral e discutimos a respeito do diagnóstico diferencial, tratamento e prognóstico dessas lesões.
Paciente do sexo masculino, 80 anos de idade, pardo, foi encaminhado pelo dentista para avaliação de lesão pigmentada assintomática, com quatro meses de evolução, no palato duro e região superior da gengiva, à direita. Não fazia uso de próteses dentárias, negou etilismo e tabagismo.
A oroscopia revelou placa enegrecida no palato duro direito, medindo cerca de 1cm, com área ulcerada, acompanhada por lesões-satélites, e placa enegrecida na gengiva superior direita, com aproximadamente 2,5cm (Figuras 1 e 2). O exame clínico não apresentou outras lesões suspeitas nem linfonodos cervicais palpáveis. A tomografia computadorizada de crânio, pescoço, tórax, ultrassonografia de abdome e exames laboratoriais não mostraram achados significativos. Procedeu-se à biópsia incisional que apresentou neoplasia de crescimento infiltrativo, constituída por células anaplásicas, contendo grande quantidade de melanina nos citoplasmas, com intenso grau de pleomorfismo e atipias nucleares (Figura 3). O perfil imuno-histoquímico foi compatível com melanoma melanótico maligno infiltrativo com coloração positiva de HMB-45 e melan A (Figura 4).
O paciente foi submetido à ressecção de palato duro, fragmento de gengiva superior medial, dentes e processo alveolar superior à direita, seguida de reconstrução de palato, utilizando-se retalho de mucosa jugal direita (Figuras 5 e 6). O exame histopatológico da peça cirúrgica confirmou o diagnóstico prévio de melanoma maligno invasivo, com componente in situ presente e extenso na periferia da lesão, ulceração presente, invasão perineural e angiolinfática ausentes e margens cirúrgicas livres de neoplasia. Optou-se por não realizar ressecção de linfonodos cervicais e tratamento adjuvante. O paciente não apresentou sinais de recidiva nem disfunções associadas ao procedimento cirúrgico durante seguimento de 12 meses (Figura 7).
O melanoma de mucosa oral (MMO) resulta do crescimento descontrolado de melanócitos encontrados na camada basal da membrana mucosa oral.1-3 É um tumor raro, representando apenas 0,2 a 8,0% de todos os melanomas e apenas 0,5% de malignidades orais,4-6 com relatos de prevalência em negros e japoneses.7,8 A maior incidência ocorre após os 40 anos, entre a quinta e sexta décadas de vida, com ligeira preponderância masculina.9,10 Estão localizados, em 80% dos casos, na mucosa do palato e gengiva, e, em 20% dos casos, em mucosa bucal, lábios, língua, base da boca e úvula.7,9,10 Sua etiologia é desconhecida, pois não está associado à exposição solar.1,7,8 Alguns fatores de risco foram relacionados, como traumas, lesões por próteses mal ajustadas e exposição ao álcool, formaldeído e tabaco por longos períodos.3,4,6,10 Embora a maioria dos MMOs surja de novo, mais de um terço desenvolve-se de lesões melanocíticas benignas.1,5,8
Inicialmente, apresenta-se como uma mácula ou placa assintomática que evolui com edema, ulceração, sangramento, dor, mobilidade dentária e surgimento de lesões-satélites.7-10 Sua coloração varia em tons de preto, marrom, cinza, roxo e vermelho, porém um terço não possui pigmento.3 Possui tendência de recorrer localmente e desenvolver metástase para linfonodos (33%), enquanto o envolvimento de pulmões, cérebro, ossos e fígado afeta até 85% dos pacientes.4,5 O diagnóstico diferencial inclui tatuagem de amálgama, melanoacantoma, melanose associada ao tabagismo, pigmentação pós-inflamatória, nevo melanocítico, melanose induzida por medicamentos (como minociclina e antimaláricos), síndrome de Peutz-Jeghers, síndrome de Cushing, doença de Addison, sarcoma de Kaposi e outras diversas condições que causam pigmentação na mucosa oral.1,2,8,9
Histologicamente, as células tumorais são caracterizadas pela proliferação de melanócitos atípicos, e os parâmetros avaliados incluem presença ou ausência de melanócitos no tumor; morfologia celular (epitelioide, fusocelular, plasmocitoide ou mista); organização celular (sólido, alveolar, organoide ou pagetoide); presença de necrose, invasão perineural e perivascular e profundidade da invasão tumoral.7,10 Devido à falta de marcos histológicos análogos entre a pele e mucosa oral, o diagnóstico da profundidade ou espessura dos tumores, conforme definido por Clark e Breslow, não é aceito na prática cotidiana do MMO.4,7 Portanto, tem sido implicada uma classificação com base no padrão histopatológico do tumor: melanoma in situ, limitado à epiderme e sua junção com o tecido conjuntivo (15%); melanomas invasivos, que se estendem para o tecido conjuntivo (30%); e melanomas com um padrão combinado entre invasivo e in situ (55%).1,5,8,10 O uso de coloração imuno-histoquímica é útil para ajudar na confirmação diagnóstica.9 Os marcadores envolvidos no diagnóstico de melanoma são S-100, HMB-45, melan-A e tirosinase.7,8 O S-100 é sensível (97%-100%), mas não específico (75%-87%); HMB-45 e melan-A são considerados marcadores mais específicos.8
O sistema TNM (tumor, linfonodo e metástase) reconhece três estágios para o MMO1,8:
- Estágio I: Presença apenas de tumor primário (N0M0)
Nível I: Melanoma in situ sem evidência de invasão ou com “microinvasão”
Nível II: Invasão até a lâmina própria
Nível III: Invasão musculoesquelética, de osso ou cartilagem
- Estágio II: Tumor com metástase para linfonodos regionais (N1M0)
- Estágio III: Tumor com metástase à distância (M1)
Atualmente, a melhor opção para o tratamento é a ressecção cirúrgica completa da lesão com 1,5cm de tecido saudável circundante, com ou sem dissecção linfonodal do pescoço.7,8,10 Alguns autores recomendam radioterapia adjuvante para maximizar o controle regional;3,4,6 a quimioterapia e a imunoterapia podem prevenir metástases à distância.1 É essencial o monitoramento cuidadoso do paciente para verificar recorrências.2
O prognóstico é reservado, relacionado com idade avançada, extensão do tumor, baixa ressecabilidade, lesões amelanóticas, envolvimento linfonodal, alta taxa mitótica de melanócitos atípicos e invasão vascular ou neural. A sobrevida em cinco anos para MMO é em torno de 15 a 30%.1,6,10
Relatamos um caso de melanoma de cavidade oral em paciente masculino, que obteve sucesso terapêutico após ressecção tumoral e continua o seguimento em nosso Serviço para avaliação de recorrência ou surgimento de novas lesões suspeitas. Os autores enfatizam a importância do exame clínico cuidadoso para detecção precoce de lesões suspeitas, visto que, frequentemente, os casos de MMO são inicialmente assintomáticos e que a biópsia precoce tem papel fundamental no prognóstico.
Carla Aguiar Andrade | 0000-0002-9348-5304
Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Cláudia Cardoso de Macedo Oliveira | 0000-0002-2367-1662
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Eduardo Vinícius Mendes Roncada | 0000-0002-2149-2388
Approval of the final version of the manuscript; study design and planning; active participation in research orientation; critical revision of the manuscript.
Diogo Gonçalves Ribeiro | 0000-0003-2024-1162
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
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