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Artigo Original

Desenvolvimento e validação de rede neural artificial para suporte ao diagnóstico de melanoma em imagens dermatoscópicas

César Augusto Zago Ferreira1; Vinícius de Souza1; Hélio Amante Miot2; Juliano Vilaverde Schmitt2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2021130015

Data de Submissão: 12/01/2021
Decisão final: 14/02/2021


Fonte de financiamento: Nenhum
Conflito de interesses: Nenhum


Como citar este artigo: Ferreira CAZ, Souza V, Miot HA, Schmitt JA. Desenvolvimento e validação de rede neural artificial para suporte ao diagnóstico de melanoma em imagens dermatoscópicas. Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:e20210015.


Abstract

INTRODUÇÃO: Com o avanço da análise digital de imagens, análises preditivas e métodos de aprendizagem de máquina, surgiram estudos referentes ao uso da inteligência artificial nos exames de imagem como a dermatoscopia.
OBJETIVO: Construção, teste e implementação de uma rede neural artificial baseada em características de imagens dermatoscópicas.
MÉTODOS: Foram incluídas 1949 imagens de nevos melanocíticos e melanomas, tanto de arquivos dos autores, quanto de bancos de imagens dermatoscópicas disponíveis na internet, e desenvolvidas rotinas e plugins para a extração de 58 características aplicadas a um algoritmo de construção de rede neural multicamadas. Quarenta imagens aleatórias foram também avaliadas por 52 dermatologistas e os acertos comparados.
RESULTADOS: O treinamento e o teste da rede neural obtiveram uma porcentagem correta de classificação de 78,5 e 79,1%, respectivamente, com uma curva ROC abrangendo 86,5% da área. A sensibilidade e especificidade dos dermatologistas foi de 71,8 e 52%. Para as mesmas imagens e um ponto de corte de 0,4 (40%) do valor de saída, o aplicativo obteve valores de 62 e 56%, respectivamente.
CONCLUSÕES: Modelos de rede neural multicamada podem auxiliar na avaliação dermatoscópica de nevos melanocíticos e melanomas, quanto ao diagnóstico diferencial entre eles.


Keywords: Diagnóstico clínico; Inteligência artificial; Melanoma; Nevos e melanomas


INTRODUÇÃO

O melanoma, assim como a maioria dos cânceres, apresenta melhor prognóstico e disponibilidade de tratamentos menos mórbidos se diagnosticado precocemente. Existem diversas ferramentas para a realização do diagnóstico precoce do melanoma, sendo a mais destacada a dermatoscopia em vista da acessibilidade da pele à avaliação visual e da praticidade deste exame. Além disso, pode ser realizada ambulatorialmente no momento da consulta dermatológica.1

Apesar de largamente utilizada, o acréscimo de acurácia no diagnóstico do melanoma da dermatoscopia em comparação ao exame a olho nu foi evidenciado mais efetivamente nas últimas duas décadas. Em meta-análise publicada em 2008, houve acréscimo significativo na sensibilidade, de 71% para 90%, porém sem diferença significativa na especificidade. Da mesma forma, Hoorens et al. identificaram uma redução de 3,5% na especificidade apesar de um aumento significativo na sensibilidade do diagnóstico de neoplasias malignas cutâneas.2-4

Com o avanço da análise digital de imagens, das análises preditivas e de métodos de aprendizagem de máquina surgiram estudos referentes ao uso da inteligência artificial nos exames de imagem como a dermatoscopia. Neste sentido, têm se destacado os resultados obtidos por redes neurais convolucionais com milhares de neurônios, sendo que estudos recentes indicaram acurácia diagnóstica para melanoma superior ao exame de especialistas. Por outro lado, tais modelos matemáticos e algoritmos normalmente exigem alto poder computacional para a obtenção dos resultados.5,6

Modelos menos complexos de análise preditiva ou inteligência artificial por meio de aprendizagem de máquina apresentam menor custo computacional, podendo ser aplicados como ferramentas colaborativas na avaliação dermatológica, apesar de poderem apresentar resultados menos acurados.7,8

No presente estudo, realizamos a construção, teste e implementação de uma rede neural artificial baseada em características globais de imagens dermatoscópicas de nevos melanocíticos e melanomas com o objetivo de predizer o tipo da imagem analisada.

 

MÉTODOS

Foram incluídas imagens de nevos melanocíticos e melanomas, tanto de arquivos dos autores quanto de bancos de imagens dermatoscópicas disponíveis na internet (ISIC - The International Skin Imaging Collaboration - https://www.isic-archive.com/). Apenas foram incluídas imagens de lesões com diagnóstico confirmado histopatologicamente, e foram excluídas lesões não pigmentadas, com pelos grossos, de mucosa, de região ungueal ou palmoplantar ou que extrapolassem o campo de imagem da foto dermatoscópica para melhor desempenho do modelo. As imagens com artefatos periféricos, como bordas do dermatoscópio, foram recortadas de forma retangular para exclusão dos mesmos (Figura 2-A,D).9

O presente estudo foi realizado entre abril e julho de 2018. As imagens foram pré-processadas pelo software imageJ 1.48v e foram desenvolvidas rotinas e plugins para a extração de 58 características das imagens que, após segmentação entre lesão e fundo, incluíam a distribuição, variabilidade e entropia das cores (25 itens), histograma (16 itens), forma (cinco itens), bordas (quatro itens) e tamanho (dois itens), assim como a distribuição de filtros de forma aplicados à imagem (seis itens). Cada imagem foi avaliada em duas dimensões diferentes para reduzir efeitos de artefato de corte nas imagens, porém, de um modo geral, as lesões cobriam mais de um quinto dos pixels das imagens submetidas à extração de características.

As 58 características obtidas de cada uma das 1.949 imagens (50,3% melanoma) foram tabuladas e analisadas pelo software IBM SPSS 20v (Multilayer Perceptron Network) com padronização dos dados de entrada, dividindo a amostra em 80% treinamento e 20% teste, com função de ativação tangente hiperbólica, saída função softmax e método de otimização escalar conjugado, obtendo-se uma rede com uma camada oculta de sete percéptrons.

O resultado da rede neural caracteriza-se por um valor percentual (pseudoprobabilidade) resultante da função softmax da camada de saída, variando de 0-100%, de modo que valores acima de 50 foram preditos como melanoma e abaixo, como nevo (Figura 1).

Quarenta imagens do banco de imagens utilizado no estudo foram escolhidas aleatoriamente, excluídas do treinamento da rede neural e analisadas por 52 dermatologistas com uma média de 9,3 anos de prática dermatológica e 7,6 anos de uso da dermatoscopia. Os avaliadores eram informados de que se tratava de lesões melanocíticas e respondiam se cada lesão era benigna ou maligna (incluindo in situ).

 

RESULTADOS

O treinamento e o teste obtiveram uma porcentagem correta de classificação de 78,5 e 79,1%, respectivamente, com uma curva ROC abrangendo 86,5% da área (Figura 1). Os pesos e parâmetros obtidos da rede neural foram utilizados para desenvolvimento de um aplicativo (Figura 2), o qual foi hospedado em servidor público web permitindo a avaliação on-line experimental de imagens dermatoscópicas (http://200.145.131.197/mmview/index.php).

A dificuldade ou incerteza em analisar as lesões pelos dermatologistas teve um valor médio de 3,3 em uma escala de 0 a 5. A sensibilidade e especificidade geral das 2.080 avaliações pelos dermatologistas foi de 71,8 e 52%, respectivamente. Para as mesmas imagens e um ponto de corte de 0,4 (40%) do valor de saída, o aplicativo obteve valores de 62 e 56%, respectivamente.

 

DISCUSSÃO

Os resultados do estudo demonstram que métodos preditivos menos complexos como redes neurais artificiais podem trazer resultados significativos apesar de suas limitações. A disponibilização on-line e aberta do algoritmo estudado pode adicionar informação na tomada de decisões sobre lesões melanocíticas, principalmente quando obtidos valores mais extremos. De qualquer forma, deve-se reconhecer que a ferramenta possui limitações de desempenho, sendo treinada apenas com imagens selecionadas de nevos e melanoma, sem pelos grossos, e pigmentadas.

Há outros algoritmos de classificação como k-nearest neighbors algorithm (k-NN) e Support Vector Machine (SVM) que podem apresentar performances diferentes da rede neural artificial, e serão explorados posteriormente pelo grupo. Assim também, a extração de novas variáveis a partir da análise de imagem pode levar ao ganho de desempenho do sistema.10

Os métodos de visão artificial têm evoluído significativamente com o artefato da computação em nuvem, disseminando o uso de redes neurais convolucionais com até bilhões de neurônios, porém dependem de número elevado de imagens para aprendizado e custos significativos de manutenção. De qualquer forma, o uso da aprendizagem de máquina provavelmente será cada dia mais frequente nas atividades médicas, principalmente na análise de imagens, assim como já é em outras atividades humanas.

 

CONCLUSÕES

Desenvolveu-se e implementou-se uma rede neural baseada em imagens dermatoscópicas que pode auxiliar colaborativamente no diagnóstico diferencial entre nevo melanocítico e melanoma.

 

CONTRIBUIÇÃO DO AUTOR:

César Augusto Zago Ferreira 0000-0001-7299-1710
Aprovação da versão final do manuscrito; Elaboração e redação do manuscrito; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Revisão crítica do manuscrito.

Vinícius de Souza 0000-0001-8819-6906
Aprovação da versão final do manuscrito; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Revisão crítica do manuscrito.

Hélio Amante Miot 0000-0002-2596-9294
Análise estatística; Aprovação da versão final do manuscrito; Concepção e planejamento do estudo; Elaboração e redação do manuscrito; Revisão crítica do manuscrito.

Juliano Vilaverde Schmitt 0000-0002-7975-2429
Análise estatística; Aprovação da versão final do manuscrito; Concepção e planejamento do estudo; Elaboração e redação do manuscrito; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Revisão crítica da literatura; Revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Souza RJ, Mattedi AP, Rezende ML, Corrêa Mde P, Duarte EM. An estimate of the cost of treating melanoma disease in the state of Sao Paulo - Brazil. An Bras Dermatol. 2009;84(3):237-43.

2. Vestergaard ME, Macaskill P, Holt PE, Menzies SW. Dermoscopy compared with naked eye examination for the diagnosis of primary melanoma: a meta-analysis of studies performed in a clinical setting. Br J Dermatol. 2008;159(3):669-76.

3. van der Rhee JI, Bergman W, Kukutsch NA. The impact of dermoscopy on the management of pigmented lesions in everyday clinical practice of general dermatologists: a prospective study. Br J Dermatol. 2010;162(3):563-7.

4. Hoorens I, Vossaert K, Lanssens S, Dierckxsens L, Argenziano G, Brochez L. Value of dermoscopy in a population-based screening sample by dermatologists. Dermatol Pract Concept. 2019;9(3):200-6.

5. Cui X, Wei R, Gong L, Qi R, Zhao Z, Chen H, et al. Assessing the effectiveness of artificial intelligence methods for melanoma: a retrospective review. J Am Acad Dermatol. 2019;81(5):1176-80.

6. Brinker TJ, Hekler A, Enk AH, Berking C, Haferkamp S, Hauschild A, et al. Deep neural networks are superior to dermatologists in melanoma image classification. Eur J Cancer. 2019;119:11-7.

7. Basheer IA, Hajmeer M. Artificial neural networks: fundamentals, computing, design, and application. J Microbiol Methods. 2000;43(1):3-31.

8. Cullell-Dalmau M, Otero-Viñas M, Manzo C. Research techniques made simple: deep learning for the classification of dermatological images. J Invest Dermatol. 2020;140(3):507-14

9. ISIC. The International Skin Imaging Collaboration. Available from: https://www.isic- archive.com/#!/topWithHeader/wideContentTop/main. 2020. Acessed 21 Oct 2020.

10. Islam MM, Iqbal H, Haque MR, Hasan MK. Prediction of breast cancer using support vector machine and K-Nearest neighbors. IEEE Region 10 Humanitarian Technology Conference (R10-HTC), Dhaka. 2017;226-9.


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