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Relato de caso

Lipoma gigante na mão: um desafio cirúrgico

Katherine Santacoloma; Gabriella Mazzarone de Sá Barreto; Guillermo Loda; Marcela Duarte Benez Miller

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2021130009

Data de Submissão: 25/03/2021
Decisão final: 25/03/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum


Como citar este artigo: Almeida Santacoloma K, Barreto GMS, Loda G, Miller MDB. Lipoma gigante na mão: um desafio cirúrgico. Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:e20210009.


Abstract

O lipoma é um tumor frequente dos tecidos moles e pode localizar-se em qualquer parte do corpo; no entanto, sua apresentação na mão é rara. São chamados gigantes quando excedem 5cm; nestes casos, o diagnóstico diferencial deve ser feito com lipossarcoma. Os lipomas devem ser caracterizados no pré-operatório com um exame de imagem, e seu tratamento é cirúrgico. Apresentamos o caso de uma paciente com um lipoma gigante da mão dominante, tratada com sucesso com uma abordagem cirúrgica modificada de Bruner.


Keywords: Lipoma; Lipossarcoma; Neoplasias lipomatosas; Lipoma gigante na mão


INTRODUÇÃO

Os lipomas são os tumores de tecido mole mais frequentes da população. São benignos e compostos por tecido adiposo. Eles podem apresentar-se em qualquer local do corpo, acometendo frequentemente os membros superiores, porém a localização na mão é rara.1

São caracterizados por ter crescimento lento, ser indolores, móveis e de consistência fibroelástica. Podem ter localização subcutânea, intermuscular ou intramuscular.1

Quando medem mais de 5cm em diâmetro, são considerados lipomas gigantes. Esta forma de apresentação é rara, especialmente quando localizada na mão. Nesse caso, esses tumores podem desempenhar papel de massa e causar limitação de função ou gerar sintomas, como parestesia, sendo necessária a abordagem cirúrgica. Da mesma forma, é importante descartar a degeneração maligna, geralmente rara, sendo seu principal representante o lipossarcoma.1

Relatamos um caso de lipoma gigante localizado no dorso da mão dominante. A paciente apresentava limitação da função ao exercer funções diárias, sem outros sintomas. Descrevemos a abordagem cirúrgica bem-sucedida, realizada pela técnica modificada de Bruner.

 

RELATO DO CASO

Paciente de 62 anos, do sexo feminino, sem comorbidades, consultou o serviço de cirurgia dermatológica por apresentar tumefação na face dorsal da mão direita (mão dominante) estendendo-se para o dedo indicador, de crescimento progressivo ao longo do último ano. A paciente não apresentava dor, parestesias nem alteração na sensibilidade, mas apresentava limitação da mobilidade para suas atividades diárias. No exame físico, o tumor era de consistência amolecida, de superfície lisa e não aderido aos planos profundos, localizado no dorso da mão sobre o segundo e terceiro metacarpo até o segundo espaço interdigital e a falange proximal do dedo indicador, com um tamanho de 7x4cm (Figura 1). Foi realizada uma ultrassonografia que sugeriu lipoma.

Em relação à abordagem cirúrgica, primeiro foi demarcado o tumor, em seguida desenhou-se uma incisão em zigue-zague no dorso da mão e dedo indicador, seguindo-se os princípios cirúrgicos de Bruner (Figura 2). A anestesia foi regional para o bloqueio do nervo radial e, posteriormente, tumescente, para se obter uma hidrodissecção e proteção das estruturas tendinosas ao redor do tumor. A lesão foi cuidadosamente dissecada das bainhas do tendão e das estruturas neurovasculares, realizando-se uma exérese completa (Figuras 3a, 3b e 3c e Figuras 4a e 4b). O procedimento não apresentou intercorrências e foram preservadas a mobilidade e a sensibilidade da mão da paciente. O estudo histopatológico confirmou o diagnóstico de lipoma.

 

DISCUSSÃO

Os lipomas são tumores benignos formados por adipócitos maduros, responsáveis por aproximadamente 16% dos tumores mesenquimais das partes moles. São os tumores mais comuns nos adultos com uma prevalência de 1% e podem localizar-se em qualquer parte do corpo em nível subcutâneo, intermuscular ou intramuscular, e, menos frequentemente, em órgãos internos.2,3,4

Sua localização nas mãos é pouco frequente, em torno de 5%, prevalecendo na região tênar e hipotênar, sendo mais raro nas falanges, com 1% de prevalência. Os tumores benignos do tecido mole mais comuns na mão são o granuloma piogênico, cisto gangliônico, tumor de célula gigante de bainha tendinosa, hemangiomas e outros.2,3,4,5

Clinicamente, os lipomas são nódulos subcutâneos firmes, flexíveis e relativamente móveis, de crescimento lento e assintomático, mas, quando têm um tamanho importante ou estão na mão, podem comprimir algum nervo e causar alterações na sensibilidade (parestesias e disestesias), ou também podem produzir alterações funcionais, como no caso dessa paciente que apresentava limitação na flexão do dedo indicador.3,4 Eles aparecem principalmente na quinta e sexta décadas de vida, como evidenciado na paciente.2

Por outro lado, a etiologia desses tumores é desconhecida, mas múltiplos fatores causais foram propostos, como fatores genéticos, traumáticos e metabólicos.2,4 Dentro dos fatores genéticos, os lipomas são mais comumente associados a translocações e rearranjos das regiões cromossômicas 12q13-q15 e 6p13q.4,6 Em relação aos fatores traumáticos, anteriormente se achava que era uma hérnia do tecido adiposo preexistente através da fáscia; posteriormente, surgiu a teoria de que fatores de crescimento, citocinas e outros mediadores inflamatórios liberados após trauma induzem a diferenciação de pré-adipócitos em adipócitos maduros, formando o tumor.6

Podem ser considerados sinais de malignidade o rápido crescimento, a dor, o tamanho grande (sendo considerado gigante, quando for maior que 5cm) ou a presença de invasão local para outras estruturas na ressonância magnética. Por isso, é muito importante fazer um estudo com imagem, tanto pelo planejamento da abordagem cirúrgica quanto para descartar malignidade, sendo o lipossarcoma seu principal diagnóstico diferencial.2,7

Os estudos de imagem são diagnósticos em 71% dos casos, sendo a tomografia computadorizada e a ressonância magnética o padrão-ouro.2 Outras modalidades de baixo custo podem ser realizadas, como a radiografia e a ultrassonografia, tendo sido essa última realizada na paciente, demonstrando uma área hiperecoica circunscrita e homogênea. O ultrassom é diagnóstico na maioria dos casos, mas a sensibilidade da ressonância magnética é de 94%, além de demarcar a extensão anatômica da lesão e sua relação com estruturas importantes.4,7

Em relação à cirurgia, primeiro foi demarcado o tumor, e a abordagem ocorreu segundo os princípios da técnica cirúrgica de Bruner, especial para as áreas de flexoextensão dos dedos, podendo se estender até a mão para evitar posterior limitação funcional com cicatrizes hipertróficas e contraturas. Bruner descreveu uma incisão volar em zigue-zague, em que os ângulos do retalho têm 90 graus ou mais e estão ao nível das pregas da articulação, garantindo que a incisão não atravesse as pregas.8,9 No caso dessa paciente, a técnica de Bruner foi modificada, a incisão em zigue-zague foi realizada em nível dorsal da mão e do dedo indicador, pela localização dorsal do tumor, sem atravessar a segunda articulação metacarpofalângica e com ângulos de 90 graus ou menos nos retalhos. Isso permitiu uma boa exposição do lipoma e das estruturas ao redor e manteve a vascularização e sensibilidade dos retalhos.

Com essa abordagem modificada de Bruner, foi possível fazer uma exérese completa do lipoma gigante, preservando a sensibilidade e motricidade da mão e conseguindo prevenir a síndrome compartimental. Depois de mais de um ano de seguimento, a paciente também não apresentou contraturas, cicatriz hipertrófica nem síndrome de dor regional complexa, as quais são possíveis complicações pós-cirúrgicas.2,4

 

CONCLUSÃO

Os lipomas gigantes da mão são tumores raros, benignos, com um excelente prognóstico após uma excisão cirúrgica bem-sucedida, e com baixa recorrência. No entanto, a avaliação pré-operatória com imagem é importante para o planejamento da abordagem cirúrgica. A técnica de Bruner é uma estratégia interessante a ser considerada na região da mão por seus resultados funcionais e cosméticos satisfatórios.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Katherine Santacoloma 0000-0002-6645-7826
Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Gabriella Mazzarone de Sá Barreto 0000-0002-6650-9737
Elaboração e redação do manuscrito. Guillermo Loda 0000-0003-0511-0025 Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.

Marcela Duarte Benez Miller 0000-0003-0289-5656
Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Kim KS, Lee H, Lim DS, Hwang JH, Lee SY. Giant lipoma in the hand: a case report. Medicine. 2019;98(52):e18434.

2. Ramirez-Montaño L, Pacheco-López R, Sastre-Ortiz N. Giant lipoma of the third finger of the hand. SpringerPlus. 2013;2(164):1-4.

3. Morales C, López-Mendoza J, Gargollo-Orvañanos C, Jiménez Y. Lipoma de la mano, clínica y quirúrgimente un tumor menospreciado. Cir Plást Iberolatinoam. 2011;37(4):349-53.

4. Enríquez-Merino J, Navarrete-Franco G, Nava-Estrada M, Espinosa-Villaseñor N. Lipoma en falange. Rev Cent Dermatol Pascua. 2016;25(1):24-6.

5. Irmak F, Basdelioglu K, Serhat SS, Sevim KZ, Yesilada AK. Benign soft tissue tumors of the hand: a retrospective review of 17-year experience. Hand Microsurg. 2018;7(2):88-92.

6. Nadar MM, Bartoli CR, Kasdan ML. Lipomas of the hand: a review and 13 patient case series. E-plasty. 2010;10:e66.

7. Mota FP, Díaz HFS, Hualda AL, Egea Gámez RM, García HV. Lipoma gigante bilobular en la mano: caso clínico y revisión de la literatura. Rev Iberoam Cir Mano. 2011;39(1):70-4.

8. Bruner JM. The zig-zag-volar-digital incision for flexor-tendon surgery. Plast Reconstr Surg. 1967;40(6):571-4.

9. Hsu CS, Hentz VR, Yao J. Tumours of the hand. Lancet Oncol. 2007;8(2):157-66.


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