3642
Views
Open Access Peer-Reviewed
Relato de caso

Reconstrução de defeito de espessura total em asa nasal utilizando retalho de transposição do sulco nasogeniano combinado com retalho em dobradiça

Paula Hitomi Sakiyama; Thiago Augusto Ferrari; Raíssa Rigo Garbin; Alexandre Luiz Weber

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.2021130007

Data de submissão: 10/09/2020
Decisão final: 04/03/2021


Fonte de financiamento: Nenhuma
Conflito de interesses: Nenhum


Como citar este artigo: Sakiyama PH, Ferrari TA, Garbin RR, Weber AL. Reconstrução de defeito de espessura total em asa nasal utilizando retalho de transposição do sulco nasogeniano combinado com retalho em dobradiça. Surg Cosmet Dermatol. 2021;13:e20210004.


Abstract

A região nasal é local frequente de carcinomas queratinocíticos, e sua anatomia, seu relevo e sua tridimensionalidade peculiares tornam o reparo cirúrgico desafiador. Eventualmente, em situações de maior complexidade, uma única técnica pode não ser suficiente para a restauração da anatomia original, sendo necessária a associação de métodos. Neste artigo, descrevemos uma estratégia para reconstrução de defeito de espessura total em asa nasal, incluindo margem nasal, a partir da combinação de retalho de transposição do sulco nasogeniano com retalho em dobradiça. Trata-se de um procedimento seguro, dependente da mobilização de tecido local e realizado em um único tempo cirúrgico.


Keywords: Retalhos cirúrgicos. Neoplasias nasais. Neoplasias cutâneas. Cirurgia de Mohs. Carcinoma basocelular


INTRODUÇÃO

A região nasal é local frequente de carcinomas queratinocíticos, e sua anatomia, seu relevo e sua tridimensionalidade peculiares tornam desafiador o reparo cirúrgico. O tratamento objetiva atingir a cura oncológica com máxima preservação funcional e bom resultado estético, visto que cicatrizes inestéticas e deformidades pós-operatórias podem causar impacto psicológico. A escolha do método de fechamento do defeito cirúrgico dependerá do seu tamanho e de sua localização. Eventualmente, em cenários complexos, a associação entre métodos pode ser necessária para restaurar a anatomia original.1,2 Neste artigo, relatamos a reconstrução, em um único estágio, de defeito de espessura total em asa nasal, incluindo a margem nasal, a partir da combinação de técnicas: o retalho de transposição do sulco nasogeniano com o retalho em dobradiça.

 

RELATO DO CASO

Paciente feminina, 61 anos, com antecedente de carcinoma basocelular (CBC) de subtipo não especificado em asa nasal 14 anos antes, abordado cirurgicamente por técnica convencional com fechamento por retalho bilobado. Apresentou, adjacente à cicatriz cirúrgica, placa eritematosa, deprimida, mal delimitada e infiltrada em asa nasal esquerda, medindo 0,5cm x 0,5cm. O exame histopatológico, obtido por biópsia incisional, evidenciou CBC infiltrativo com invasão perineural associada. Considerando a possibilidade de tratar-se de uma recidiva, subtipo histológico agressivo, invasão perineural e localização em área de alto risco, optou-se por tratamento segundo a técnica de cirurgia micrográfica de Mohs (CMM).

A lesão foi submetida à CMM, sob anestesia local, com obtenção de margens cirúrgicas livres no segundo estágio, resultando em defeito cirúrgico de espessura total na asa nasal esquerda, incluindo a margem nasal (Figura 1). Devido à complexidade e às dimensões do defeito, o reparo foi realizado com a associação entre duas técnicas: retalho de transposição do sulco nasogeniano, para compor o teto do defeito, associado ao retalho em dobradiça, com a finalidade de reconstruir o assoalho. Para o retalho em dobradiça, foi utilizado o triângulo de Burow previsto da dog ear que se forma na execução do retalho de transposição de sulco nasogeniano. Esse triângulo foi incisado superiormente ao defeito, preservando um pedículo profundo na sua porção distal e desepitelizando a área que seria desprezada, e rebatido como uma dobradiça para formar o forro nasal. Em seguida, o retalho de transposição de sulco nasogeniano foi incisado conforme a técnica usual, e posicionado sobre o retalho em dobradiça, formando a cobertura externa da asa nasal. Ao nível da margem nasal, ambos os retalhos foram suturados borda a borda (Figura 2).

A paciente apresentou boa evolução pós-operatória, com resultado satisfatório tanto do ponto de vista funcional quanto estético (Figura 3).

 

DISCUSSÃO

Tumores queratinocíticos de alto risco, como o descrito no caso, são idealmente abordados por CMM. O método, que permite a avaliação próxima a 100% das margens cirúrgicas, mostra maiores índices de cura e menores taxas de recidiva quando comparado à técnica convencional, em que a análise é amostral. Além disso, permite a preservação de tecido sadio, fator importante na abordagem de áreas nobres.3,4 No entanto, mesmo com a maior conservação possível de tecido, a reconstrução da região nasal permanece desafiadora, especialmente em quadros extensos ou complexos, como o relatado, em que a exérese do tumor resultou em um defeito de espessura total na asa nasal, envolvendo a margem nasal.

O reparo dos defeitos nasais de espessura total deve incluir a recriação da cobertura cutânea, do revestimento interno e do suporte estrutural, conforme necessário.5,6 A falha em fornecer suporte mucoso adequado nos defeitos maiores pode levar a contração cicatricial e/ou falha na estrutura de retalhos ou enxertos sobrepostos, motivo que torna esta etapa do procedimento a mais crítica.

Atualmente, várias técnicas são descritas para reparo de pequenos defeitos envolvendo mucosa, como o retalho cutâneo em dobradiça, retalho paramediano frontal (RPF) dobrado, enxerto de pele de espessura total e retalho vestibular bipediculado de avanço. Quando o acometimento é mais extenso, as opções de RPF dobrado, enxerto de pele de espessura total com um RPF sobreposto ou retalhos intranasais (retalho em dobradiça mucopericondrial do septo, retalho composto condromucoso do septo) são alternativas. Os retalhos intranasais devem ser executados sob sedação ou anestesia geral. As demais opções mencionadas, entretanto, podem ser implementadas com sucesso sob anestesia local em casos selecionados.7

Para permitir sustentação tecidual e impedir o movimento da válvula nasal durante a inspiração, a maioria dos procedimentos inclui enxerto de cartilagem, porém seu emprego não é imperativo, a exemplo da técnica utilizada neste relato. O retalho em dobradiça, com sua porção distal suturada aos tecidos remanescentes e rebatida de encontro ao retalho de transposição para confecção da dobra nasal, promoveu adequado efeito de tenda, permitindo a livre passagem de ar pelas narinas. A disposição tecidual, formando um “sanduíche” pela combinação do retalho em dobradiça com a transposição do sulco nasogeniano para cobertura da pele, promoveu adequada rigidez estrutural, impedindo seu colabamento durante a inspiração.8,9

Uma opção de retalho descrita por Spear e colaboradores, em 1987, e mais recentemente publicada com detalhes por Cook, também permite a reconstrução sem enxerto de cartilagem. Contudo, apesar de ter sido originalmente descrita como reconstrução em tempo único, pode exigir uma segunda cirurgia para refinamento devido à espessura tecidual que, além de comprometer a estética, também afeta a funcionalidade, já que o estreitamento da narina prejudica a respiração.8,10

É importante ressaltar que a técnica em dobradiça impõe exame meticuloso da área doadora, que deve ter o mínimo de dano actínico possível, a fim de evitar-se o desenvolvimento de neoplasias no futuro, pois, ao ser rebatida para formar o assoalho nasal, ocupará um local de difícil avaliação e seguimento. Além disso, é fundamental garantir que as margens não apresentem neoplasia residual para não transferir tecido tumoral para o interior da cavidade nasal.5 A abordagem pela técnica de CMM, como no caso exposto, tem maiores chances de atingir esse resultado.

Acreditamos que a combinação de retalhos relatada oferece vantagens em relação às demais técnicas cirúrgicas disponíveis, dentre elas: execução em um único tempo cirúrgico, realização sob anestesia local, menor risco de necrose em comparação ao uso de enxerto cutâneo, menor sangramento comparado aos retalhos provenientes da cavidade nasal e relativa preservação de pele, poupando o reservatório tecidual da fronte, que seria utilizado no RPF.

 

CONCLUSÃO

A combinação do retalho de transposição do sulco nasogeniano com o retalho em dobradiça representa uma boa opção para reconstrução de defeitos de espessura total em asa nasal, incluindo os que acometem a margem nasal, com resultado estético e funcional satisfatórios. Apresenta-se como um método seguro, dependente da mobilização de tecido local para sua execução e realizado em um único tempo cirúrgico, reduzindo os custos e morbidade inerentes a procedimentos adicionais. l

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Paula Hitomi Sakiyama | 0000-0001-7813-8294
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Thiago Augusto Ferrari | 0000-0003-4874-483
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Raíssa Rigo Garbin | 0000-0002-9771-1209
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Alexandre Luiz Weber | 0000-0002-4862-5777 Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Joseph AW, Truesdale C, Baker SR. Reconstruction of the Nose. Clin North Am. 2020;27(1):43-54.

2. Cerci FB, Kubo E. Reconstrução nasal após cirurgia micrográfica de Mohs: análise de 208 casos. Surg Cosmet Dermatol. 2020;12(1):42-50.

3. Cernea SS, Gontijo G, Pimentel ERA, Tarlé RG, Tassara G, Ferreira JASLB, et al. Diretrizes de indicações de cirurgia micrográfica de Mohs nos tumores da pele. An Bras Dermatol. 2016;91(5):621-7.

4. Tolkachjov SN, Brodland DG, Coldiron BM, Fazio MJ, Hruza GJ, Roenigk RK, et al. Understanding Mohs micrographic surgery: a review and practical guide for the nondermatologist. Mayo Clin Proc. 2017;92(8):1261-71.

5. Taeda A, Akimoto M, Park K, Kounoike N, Shimakura Y, Nemoto M, et al. Single- stage reconstruction of a full-thickness alar defect using a folded nasolabial flap combined with a redundant skin turnover flap. J Craniofac Surg. 2014;25(6):2144-6.

6. Bedwani NH, Rizkalla M. Single-stage reconstruction of full-thickness nasal alar defect using bilobed and turnover flaps. J Craniofac Sugr. 2020;31(2):e169-71.

7. Cerci FB, Dellatorre G. Retalho paramediano frontal associado a retalho em dobradiça para reparo de defeito em ponta nasal. An Bras Dermatol. 2016;91(5 Supl 1):S140-3.

8. Sanchez FH, Estefan JL, Fernandez ID. Reconstrução completa de asa nasal com retalho de Spear após cirurgia micrográfica de Mohs no tratamento de carcinoma basocelular. Surg Cosmet Dermatol 2013;5(4):3559.

9. Sanchez FH, Estefan JL, Fernandez ID. Reconstrução nasal complexa com combinação de retalhos bilaterais em dobradiça e retalho paramediano frontal, após cirurgia de Mohs. Surg Cosmet Dermatol 2013;5(4):355-9.

10. Lane JE, Hsia LB, Merritt BG. Reconstruction of large transmural nasal defects with a nasolabial turnover interpolation flap. Dermatol Surg. 2020;46(7):899-903.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773