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Relato de casos

Necrobiose lipoídica e isotretinoína: Relato de caso

Marina Emiko Yagima Odo; Lilian Mayumi Odo; Estele Yumi Odo Toledo de Barros

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201243811

Data de recebimento: 03/03/2021
Data de aprovação: 14/03/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado nas Clínicas Odo, São Paulo (SP), Brasil
Agradecimentos: Agradecemos aos funcionários das Clínicas Odo


Abstract

Paciente do sexo feminino, com diabetes tipo I e tireoidite de Hashimoto, apresentou necrobiose lipoídica aos 15 anos de idade. Foi tratada com 100mg/dia de ciclosporina, porém um abscesso na região inguinal levou à interrupção do tratamento. Posteriormente, utilizou dimetil fumarato em doses crescentes até 120mg/dia por três meses e, devido à ausência de resultados, cessou o uso do medicamento. A terceira tentativa foi com isotretinoína 40mg/dia por oito meses, com cicatrização da ferida. Recentemente, após cirurgia reparadora de cicatriz no joelho, houve aparecimento de lesões de necrobiose lipoídica no local da sutura. Tomou novamente 40mg/dia de isotretinoína, e a lesão regrediu em três meses.


Keywords: Necrobiose Lipoídica; Diabetes Mellitus Tipo 1; Infecções Bacterianas


Uma paciente de 36 anos, do sexo feminino, referiu início de lesão cutânea exulcerada com crosta marrom aderida em sua superfície na região pré-tibial bilateral aos 15 anos de idade, após um trauma contuso local. Há três anos, já apresentava como comorbidade diabetes mellitus do tipo I sob controle com o uso de insulina. Procurou assistência dermatológica, quando foi realizada biópsia incisional, cujo anatomopatológico foi compatível com necrobiose lipoídica. Nesta ocasião, foi indicado o uso de ciclosporina 100mg/dia, sem melhora significativa ao longo de um mês; aparecimento de abscesso na região inguinal levou à interrupção do tratamento.

A segunda opção terapêutica foi com o medicamento dimetil fumarato, utilizado na dose recomendada para psoríase de 30mg/dia durante a primeira semana, 60mg/dia na segunda semana, 90mg/dia na terceira semana e depois 120mg/dia. Utilizou a droga por três meses, mas, como não houve melhora e a importação era complicada, desistiu do tratamento.

A única melhora observada da necrobiose lipoídica foi com a terceira opção terapêutica, a isotretinoína. A posologia foi de 40mg/dia por oito meses, culminando com a cicatrização da lesão. Teve mialgia intensa disfuncional durante o tratamento.

Há três meses, procurou o nosso serviço. Havia retirado uma cicatriz inestética do joelho, ocorrendo desenvolvimento de lesão com características de necrobiose lipoídica na área da sutura, confirmada histologicamente (Figura 1). Utiliza levotiroxina sódica para controle da doença de Hashimoto.

Por ter apresentado boa resposta anterior à isotretinoína oral, foram pedidos os exames de controle pré-tratamento que resultaram em:

Glicemia: 361mg/dl e Hb glicada: 6,7%

Colesterol total: 198mg/dl com HDL: 88mg/dl

Anticorpo antiperoxidase tireoidiana: 214,80UI/ml (Normal até 34UI/ml)

Anticorpo antitireoglobulina: 487,4UI/ml (Normal até 115UI/ml)

TSH: 1,370uUI/ml (Normal: 0,400 a 4,500uUI/ml)

Creatinina sérica: 0,82 (Normal: 0,50 - 0,90mg/dl)

Após 12 semanas de tratamento com a isotretinoína 40mg/dia, não havia mais lesões de necrobiose lipoídica (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

Segundo Burgdorf et al.1, a necrobiose lipoídica tem similaridade com o xantogranuloma necrobiótico com paraproteinemia, apresentando-se como placas amareladas enduradas, com atrofia central e vasos telangiectásicos ou veias azuis, grandes e visíveis pela atrofia. Histopatologicamente, observam-se massas granulomatosas, interseccionando bandas da derme e tecido subcutâneo, mostrando extensa necrobiose. Os granulomas contêm histiócitos, células espumosas e, frequentemente, uma mistura de células inflamatórias e presença de numerosas células gigantes tipo Touton, com um anel periférico de citoplasma espumoso, e do tipo corpo estranho. São comuns os agregados de colesterol nas feridas.

Na maioria dos pacientes, a eletroforese de proteínas mostra IgG monoclonal, gamopatia que usualmente consiste em kappa da cadeia leve. Em vários pacientes, o exame da medula óssea tem revelado mieloma múltiplo.

A necrobiose lipoídica2 é uma patologia rara idiopática, granulomatosa, que afeta indivíduos diabéticos em 0,3% a 1,2% dos casos. Pode preceder diabetes em mais de 14% dos casos, surgir simultaneamente em 24% ou aparecer após o diagnóstico em 62%. Pode estar associada a outras doenças como tireoidopatias (Graves, Hashimoto), doença de Crohn, colite ulcerativa, artrite reumatoide e sarcoidose; e também a outras doenças cutâneas, como granuloma anular, eritema nodoso, xantogranuloma necrobiótico e úlcera crônica venosa de estase. O mieloma múltiplo é a patologia que pode acompanhar esse quadro ou aparecer no futuro. A discussão da etiopatogenia está em aberto. Discute-se deposição de imunocomplexos nos vasos ou degeneração microangiopática levando à alteração do colágeno. A anormalidade do colágeno se observa nas fibrilas. A ausência de estrias transversais3 é o achado mais importante. Em alguns casos, a perda completa de colágeno e elastina ou o aumento da reticulação de colágeno causado por níveis mais elevados de lisil oxidase, típico de pacientes diabéticos, têm sido aventados na contribuição para o espessamento da membrana basal visto na necrobiose lipoídica. Depósitos de fibrina e imunoglobulina M (Ig M) e C3 na junção dos vasos sanguíneos também têm sido encontrados. Em 30% dos casos, foi demonstrada vasculite na derme por anticorpos, levando à oclusão vascular. O fato mais comum encontrado na necrobiose é o espessamento das paredes vasculares, pelo aumento endotelial, responsável pela oclusão nas camadas mais profundas da derme. A diminuição do fluxo é um fator em potencial que também pode ser consequente à deposição de glicoproteínas na parede vascular e aumento do Glut-1 (transportador eritrocitário de glicose humano).

O exato mecanismo para aumento de receptores Glut-1 ainda está em discussão. Os pesquisadores continuam considerando o fator inflamatório, pois dentro e fora da lesão há fluxos sanguíneos semelhantes. Em relato de caso, descreveu-se também a ocorrência simultânea de necrobiose lipoídica ulcerada e granuloma anular.4

As terapias já descritas são inúmeras, clínicas e através de procedimentos: corticosteroide tópico e intralesional se a lesão estiver fechada, dapsona, injeções de ouro e bismuto, isoniazida, colchicina, clofazimina, mostarda nitrogenada tópica, imiquimode, colágeno bovino, PUVA, UVA-1, terapia fotodinâmica, controle glicêmico, curativos com géis de animais, GM-CSF (Recombinant Human Granulocyte Macrophage Colony - Stimulating Factor), cloroquina, hidroxicloroquina, ciclosporina, éster de ácido fumárico, adalimumabe, etanercepte sistêmico e intralesional, infliximabe sistêmico e intralesional, tacrolimus, pentoxifilina, aspirina, ticlopidina, laser de CO2, transplante de pâncreas, talidomida, plasma rico em plaquetas, tretinoína tópica, imunoglobulina intravenosa, pioglitazona, pulsed dye laser, tratamentos cirúrgicos, como enxertos, crioterapia, medicamentos anti-TNF, oxigênio hiperbárico com esteroide.5,6,7

 

CONCLUSÃO

A necrobiose lipoídica é uma doença, cuja etiologia e patogenia ainda são pouco esclarecidas. As múltiplas opções terapêuticas para essa entidade demonstram seu difícil tratamento. É relatado um caso de necrobiose lipoídica em que a isotretinoína oral mostrou-se eficaz no seu controle, mas a recorrência pode acontecer.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Marina Emiko Yagima Odo | 0000-0003-1982-8388
Participação efetiva na orientação da pesquisa.

Lilian Mayumi Odo | 0000-0001-7341-8924
Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Estele Yumi Odo Toledo de Barros | 0000-0002-9339-2407
Elaboração e redação do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Burgdorf, WHC, The histiocytoses, in lever's histopathology of the skin, chapter 27, p. 591-605.

2. Sibbald C, Reid S, Alavi A. Necrobiosis lipoidica. Dermatologic Clinics. 2015;33(3):343-60.

3. Cunliffe WJ. Necrobiotic Disorders, Necrobiosis lipoidica. London: Oxford Blackwell Scientific publications. v. 3, p. 2033-7.

4. Homem de Mello e Souza F, Ribeiro CF, Pereira MAC, Mesquita L, Fabrício L. Ocorrência simultânea de necrobiose lipoídica ulcerada e granuloma anular em um paciente. An Bras Dermatol. 2011;86(5).

5. Peckruhn M, Tittelbach J, Elsner P. Update: treatment of necrobiosis lipoidica. J Deutsch Dermatol Ges. 2017;15(2):151-7.

6. Nguyen K, Washenik K, Shupack J. Necrobiosis lipoidica diabeticorum treated with chloroquine . J Am Acad Dermatol. 2002;46(2):34-6.

7. Medeiros KB, Torre DS, Jordão JM, Nogueira AC, Thumé T. Tratamento de necrobiose lipoídica no antebraço esquerdo com associação entre luz intensa pulsada e laser Erbium-YAG 2940nm. Surg Cosm Dermatol. 2020;12(4).


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