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Relato de casos

Carcinoma basocelular da pálpebra inferior com invasão do canalículo lacrimal e reconstrução com retalho de transposição e enxertia de mucosa oral

Manoel Gomes Filho Neto; Solange Cardoso Maciel Silva

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201243826

Data de recebimento: 12/03/2021
Data de aprovação: 16/03/2021
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Suporte Financeiro: Nenhum. Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

A pálpebra inferior é uma das regiões mais acometidas pelo carcinoma basocelular (CBC). Apresentamos uma opção de retalho da pele do canto interno com enxerto de mucosa oral para reconstrução palpebral após exérese de CBC acometendo aproximadamente 60% da pálpebra inferior e com comprometimento completo pelo tumor do canalículo lacrimal inferior. A utilização do retalho de transposição de pele do canto interno e enxertia de mucosa oral é segura. Apresentamos uma técnica reproduzível e com boa evolução no pós-operatório. O posicionamento e a movimentação palpebral foram restabelecidos, permitindo a drenagem da lágrima pelo canalículo superior com correção da epífora.


Keywords: Carcinoma Basocelular; Neoplasias Cutâneas; Procedimentos Cirúrgicos Dermatológicos; Retalhos Cirúrgicos


INTRODUÇÃO

As pálpebras constituem o local preferencial de acometimento de 5 a 10% de todos os tumores cutâneos, sendo o tumor maligno mais diagnosticado o carcinoma basocelular (CBC), seguido dos carcinomas epidermoides, carcinomas de glândulas sebáceas e melanomas.1 A pálpebra inferior é a região mais acometida pelo CBC com 70% de prevalência, seguida do canto medial (20%), da pálpebra superior (7%) e do canto lateral (3%).1-2

A pele da pálpebra é a mais fina do corpo, não havendo praticamente tecido celular subcutâneo. Internamente, possui revestimento de conjuntiva, permitindo o movimento palpebral com mínimo atrito. As pálpebras são reforçadas por faixas densas de tecido conjuntivo denso denominado tarso, cuja função é dar sustentação à mesma. A pálpebra constitui-se por três lamelas: a anterior, composta de pele e músculo orbicular; a média, composta pelo septo orbicular; e a lamela posterior, composta por tarso, fáscia palpebral e conjuntiva.3-4

As pálpebras albergam funções essenciais para a integridade da viabilidade ocular: proteção mecânica de córnea e bulbo ocular, umidificação e transporte de oxigênio e nutrientes por movimentação da lágrima, retirada de substâncias estranhas e proteção contra a luz excessiva.3-4 Estes aspectos funcionais devem ser primariamente priorizados numa reconstrução palpebral, valorizando em conjunto os aspectos estéticos. O cirurgião dermatológico deve ter conhecimento da anatomia e fisiologia da região para adequada programação da reconstrução.

Apresentamos uma opção de retalho da pele do canto interno com enxerto de mucosa oral para reconstrução palpebral após exérese de CBC, acometendo aproximadamente 60% da pálpebra inferior e exibindo comprometimento completo pelo tumor do canalículo lacrimal inferior.

 

RELATO DO CASO

Paciente de 68 anos, branco, referia surgimento há cerca de um ano de lesão na pálpebra inferior, com crescimento lento e progressivo; relatava lacrimejamento (epífora) sintomático. Ao exame, apresentava lesão nodular normocrômica translúcida de limites bem definidos, acometendo terço proximal e parte de terço médio da pálpebra inferior (Figuras 1A e 1B). Avaliação oftalmológica por meio do teste de Monier com fluoresceína demonstrou acometimento e destruição total do canalículo inferior. Realizada assepsia, antissepsia, marcação da lesão e anestesia com solução tumescente. Procedeu-se à incisão com retirada total da lesão (com margens de 4mm, criando um defeito cirúrgico primário que ocupava 60 a 70%) (Figura 2) da pálpebra inferior. Realizada incisão de pele e tecido celular subcutâneo e parte do músculo orbicular do canto interno do olho para confecção do retalho de transposição. No mesmo ato operatório, foi incisada a mucosa jugal, e esta foi suturada na superfície interna do retalho músculo-cutâneo. Utilizou-se o movimento de lateralidade para preencher a área do defeito cirúrgico (Figura 3), sendo o retalho posicionado e suturado por planos (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

O objetivo do tratamento dos tumores malignos é a excisão cirúrgica completa do tumor. A reconstrução cirúrgica de grandes defeitos palpebrais é um processo complexo que se baseia na extensão da perda tecidual, localização e experiência do cirurgião. Os defeitos palpebrais de espessura total dividem-se em: pequenos e menores de 1/3 do tamanho palpebral; moderados, entre 1/3 e ½; e grandes se ocupam mais da metade da margem palpebral.

O fechamento primário direto da pálpebra é uma opção possível nos defeitos de espessura total de até 1/3 da sua extensão horizontal, porém para defeitos maiores é necessária a reconstrução com retalhos cutâneos associados ou não a enxertos. São opções descritas pela literatura: avançamento; transposição; Mustardé e Mcgregor; Fricke2; Landolt-Hughes; Dutupuys-Dutemps-Hughes (utiliza pele e mucosa da pálpebra superior); e Abbe.5

O enxerto cartilaginoso é indicado habitualmente para defeitos que ocupem mais de 50% da pálpebra inferior ou para ressecções palpebrais totais.2 Porém, nesse caso, achamos que um retalho músculo-cutâneo exato para a região preenchida e com perfeita coaptação das margens palpebrais seria suficiente para o perfeito funcionamento do ducto lacrimal superior corrigindo, portanto, a epífora que o paciente apresentava.

O enxerto da mucosa oral tem a função de substituir a lamela posterior na reconstrução palpebral.

Neste caso, a escolha da mucosa jugal sobre a mucosa do palato se faz por ser de mais fácil acesso e apresentar menor taxa de complicação quando comparada a enxerto de palato, cuja hemorragia e fístulas oronasais são complicações temidas.4

Considerada a terapia de mais alta efetividade para os carcinomas basocelulares, a exérese cirúrgica apresenta taxas de cura de 95 a 98% quando o tumor é completamente excisado.6 Nesse caso, o tumor apresentava-se bem delimitado, o que facilitou a retirada cirúrgica com a análise histopatológica confirmando margens livres e retirada completa da lesão. A utilização do retalho de transposição de pele do canto interno e enxertia de mucosa oral é seguro, com pouca morbidade na área doadora, e resultou em manutenção da funcionalidade e preservação do aspecto estético, com rápida recuperação pós-operatória. Apresentamos uma técnica reproduzível capaz de restaurar a anatomia palpebral, com boa evolução no pós-operatório, em que não ocorreram ectrópio, retração ou distorções anatômicas. O posicionamento e a movimentação palpebral foram restabelecidos (Figura 5) bem como a perfeita oclusão da fenda palpebral, permitindo a drenagem da lágrima pelo canalículo superior com correção completa do lacrimejamento (epífora).

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Manoel Gomes Filho Neto | 0000-0003-1278-8758
Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; coleta, análise e interpretação dos dados; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica do manuscrito; preparação e redação do manuscrito; análise estatística; concepção e planejamento do estudo.

Solange Cardoso Maciel Silva | 0000-0003-0812-908X
Participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados.

 

REFERÊNCIAS

1. Cook Jr BE, Bartley GB. Epidemiologic characteristics and clinical course of patients with malignant eyelid tumors in an incidence cohort in Olmsted County, Min Ophthalmol. 1999;106(4):746-50.

2. Herzog Neto G, Sebastiá R, Viana GAP, Machado F. Reconstrução palpebral com retalho de Fricke: relato de dois casos. Arq. Bras. Oftalmol. 2006;69(1):123-6.

3. Chedid R, Borges KS, Santos P, Sbalchiero JC, Dibe MA, Leal PR, et al. Perfil das reconstruções de palpebral inferior no Instituto Nacional do Câncer: estudo retrospectivo de 137 casos. Rev. Bras. Cir. Plást. 2010;25(3):22.

4. Fernandes JB, Dias V, Nunes TP, Matayoshi S, Moura E. Enxerto de mucosa do palato duro: complicações na área doadora - Relato de casos. Arq. Bras. Oftalmol. 2003;66(6):884-6.

5. Benez MDV, Sforza D, Mann D, Silva SCM. Reconstrução de pálpebra inferior com retalho cutâneo e enxerto de mucosa oral. Surg Cosm Dermatol. 2014;6(2):178-82.

6. Arias SJC, Abreu PFA, Ortiz SM, Despaigne DJ, Matienzo VSC. Reconstrucción palpebral inferior después de la escisión de tumores malignos. MediSan. 2013;17(07):2053-8.


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