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Como eu faço ?

Tratamento das cicatrizes atróficas com insulina subcutânea

Adriana de Carvalho Corrêa1,2,3; Daniela Alves Pereira Antelo3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201243610

Data de recebimento: 06/03/2020
Data de aprovação: 01/12/2020
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil


Abstract

As cicatrizes atróficas de acne, sequelas persistentes, são indesejáveis e causam impacto negativo cosmético e psicossocial nos pacientes. A questão torna-se mais delicada quando tais cicatrizes localizam-se na região pré-esternal, pelo risco do surgimento de cicatrizes hipertróficas com a realização de procedimentos na região. O papel da insulina na promoção da síntese de proteínas e gorduras é, há muito tempo, reconhecido. A utilização de suas propriedades como fator de crescimento para tratar estas sequelas parece lógica e provou ser gratificante cosmeticamente, com melhora na qualidade de vida.


Keywords: Acne vulgar; Atrofia; Cicatriz; Cicatrização; Injeções Subcutâneas; Insulinas; Procedimentos Cirúrgicos Ambulatoriais; Qualidade de Vida, Terapêutica


INTRODUÇÃO

As cicatrizes de acne têm um impacto negativo na qualidade de vida e levam a sentimentos de vergonha e baixa autoestima.1,2 A destruição dos componentes da matriz extracelular (EMC) no início das lesões acneicas é um dos fundamentos para a resultante atrofia das cicatrizes.3 Este padrão de cicatrizes foi classificado nos três tipos básicos por Jacob et al.: icepick (<2mm, afunila conforme se estende até derme profunda), rolling (4-5mm, bordas inclinadas e rasas) e boxcar (1,5-4mm, depressões redondas a ovais, com limites verticais acentuadamente demarcados).1,4 Há vários tratamentos para atenuar estas cicatrizes1,3, porém na região pré-esternal há tendência à cicatrização hipertrófica5, o que desencoraja a abordagem agressiva. Escassas observações da administração subcutânea de insulina sugerem boa resposta nas cicatrizes atróficas.6-8

 

RELATO DO CASO / MÉTODOS

ACC, sexo masculino, 20 anos, sem morbidades, apresentava cicatrizes de acne atróficas dos tipos rolling e boxcar, distensíveis e hipocrômicas na região pré-esternal.

Dividimos a região esternal em duas partes (superior e inferior) e realizamos a aplicação de insulina NPH 5 unidades, conforme o protocolo descrito nas figuras 1 e 2.

Após o microagulhamento, são observados petéquias, eritema e edema.

Em uma semana, observamos hiperemia e hipercromia na área tratada, além de melhora parcial de algumas cicatrizes. Dada a melhora clínica, a aplicação da insulina NPH foi realizada em toda a extensão da lesão.

A cada sessão, foram infundidas até 15 unidades da insulina NPH devido à extensão das lesões. Foram realizadas 11 sessões, com intervalo semanal. Não ocorreram eventos adversos como hipoglicemia ou lipotímia.

O paciente apresentou resultado satisfatório, com melhora da atrofia, como pode ser observado nas fotografias do seguimento (Figuras 3 e 4) após sete meses.

 

DISCUSSÃO

A insulina é um hormônio peptídico e fator de crescimento com inúmeros papéis fisiológicos. Além da regulação dos níveis séricos de glicose, exerce papel promotor na cicatrização de feridas.9 Sabemos que sua deficiência retarda a reparação tecidual. Os pacientes queimados submetidos à sua administração sistêmica evoluem com melhora das lesões, em parte pela melhora do balanço proteico local.10 Porém, a administração sistêmica gera alterações metabólicas e desequilíbrios (hipoglicemia e hipocalemia) que limitam seu uso.10

Sua administração tópica foi descrita em modelos animais e ensaios clínicos.11-13 A aplicação local de insulina evita a repercussão sistêmica mantendo sua ação benéfica sobre a cicatrização local. Liu et al. observaram que a insulina age por meio de seus receptores, auxiliando na migração dos queratinócitos nas feridas sem interação com os receptores do fator de crescimento epidérmico.14 Acredita-se que seu efeito seja mediado pela ação direta em fibroblastos e queratinócitos, células nas quais se identificou a presença do receptor de insulina.9

Evidências da literatura sugerem o papel da insulina na regulação do metabolismo energético, síntese de proteínas, diferenciação e no crescimento celular. Assim, a sua injeção local promove o crescimento e desenvolvimento de tecido de granulação, com consequente cicatrização.15-18

Sabe-se que a insulina estimula a incorporação de (3H) timidina nos fibroblastos da pele, resultando na síntese de colágeno.19 Topicamente, acelera a cicatrização de feridas no diabetes aprimorando as vias proteína quinase B (AKT) e quinase regulada extracelularmente (ERK). Supõe-se que ela utilize estas duas vias para aumentar a reparação.16 Ao se conectarem no receptor, as tirosinas intracelulares localizadas nas subunidades-b deste são fosforiladas e permitem que a proteína da homologia Src 2/a-relacionada ao colágeno (SHC), encontrada no citosol, se ligue por meio dos domínios da homologia-Src-2.14 O sinal é transduzido por meio de uma série de moléculas mensageiras para ativar Ras (membro de uma grande família de proteínas de ligação a GTP de pequeno peso molecular)16 e transmitido via Raf, MEK (membros da família das proteínas de ligação ao GTP) e ERK.20 Esta se transloca ao núcleo onde a célula recebe o comando de replicar o DNA e proliferar, com consequente reparo de tecidos e cicatrização de feridas.9 Na outra via, o substrato 1/2 do receptor insulínico se liga a ele e transduz o sinal via PI(3)-quinase, PDK e AKT. Tal reação induz à produção de NO (óxido nítrico), ao aumento do fluxo sanguíneo, à maior sobrevivência celular, morfogênese e angiogênese. O aumento da fosforilação de GSK-3β (glicogênio sintase quinase-3β) por AKT diminui sua atividade, podendo ser outro mecanismo para elevar a produção de colágeno, reduzir apoptose e acelerar o fechamento de feridas.21

Por meio do fator de crescimento semelhante à insulina-1 (IGF-1), ocorre o estímulo à produção de componentes da matriz extracelular22 e indução do fator de transformação do crescimento beta (TGF-β) nos fibroblastos dérmicos, corroborando a cicatrização de feridas.23,24

Collens descreveu primeiramente a técnica da reversão da lipoatrofia em diabéticos pela injeção de formas mais puras de insulina.25 A insulina é um hormônio anabólico no metabolismo de gorduras e proteínas. O tecido adiposo é primorosamente sensível à insulina, porque quantidades muito pequenas inibem a lipólise6 e promovem a síntese de proteínas e gorduras.7

Amroliwalla administrou injeções subcutâneas de insulina e conseguiu regressão completa de cicatriz atrófica pós-vacinal.6 Igualmente, Kalil-Gaspar et al., em lipoatrofias induzidas por insulina e corticosteroides, respectivamente, obtiveram remissão total das lesões.7 Hallam et al. conduziram estudo controlado randomizado para avaliar o potencial da insulina como terapia anticicatriz, utilizando pacientes submetidas a operações estéticas mamárias bilaterais. Observaram que as injeções subcutâneas nas cicatrizes reduziram a aparência destas comparadas com o placebo, mas sugerem que as propriedades da insulina em redução de cicatrizes são mais eficazes em indivíduos que estão sob risco de cicatrizes excessivas ou patológicas.8

Diante de um paciente bastante angustiado com cicatrizes tipo boxcar e rolling alargadas na região pré-esternal, o emprego da infiltração de insulina, técnica esquecida por muitos dermatologistas, poderia lograr benefícios na sua recuperação tecidual. A maior vantagem do método seria a facilidade de encontrar o medicamento e o seu custo, enquanto a grande desvantagem seria a necessidade da repetição do esquema por longo período.

O paciente foi tratado com sessões de infiltração intralesional semanais por três meses. Segundo os trabalhos de Amroliwalla6 e Kalil-Gaspar7, que mantinham a terapia com frequência diária e por um tempo médio de 90 dias, estaria indicada a continuidade por maior período, porém o paciente era universitário e estaria impedido de frequentar o ambulatório nos próximos meses por motivos acadêmicos. Após sete meses (livre de tratamento), embora haja grande dificuldade de documentação fotográfica (bidimensional) de cicatrizes atróficas normocrômicas, o paciente e as médicas assistentes observaram melhora objetiva das lesões. A manutenção dos resultados, sem a lipoatrofia de longo prazo que era produzida pela insulina no passado, pode ser explicada pela utilização de formas mais puras de insulina atualmente.

 

CONCLUSÃO

A insulina aumenta a síntese de proteínas na pele e estimula o crescimento e o desenvolvimento de diferentes tipos celulares, assim como afeta a proliferação, migração e secreção de queratinócitos, células endoteliais e fibroblastos.26,27 Portanto, pode corrigir o bloqueio à proliferação de queratinócitos, assim como repor o colágeno excessivamente destruído, o que ajudaria na recuperação de alguns dos defeitos responsáveis pelas cicatrizes atróficas de acne.3 É de interesse no campo do tratamento de feridas e, possivelmente também, no de cicatrizes, particularmente pelo baixo custo em relação a outros fatores de crescimento e por estar disponível de forma universal. Mais estudos são necessários para alcançar um melhor entendimento do papel da insulina na cicatrização de feridas e para delinear mais precisamente quais indivíduos podem ser beneficiados pela terapêutica insulínica anticicatrizes.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Adriana de Carvalho Corrêa | 0000-0002-6519-0971
Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual no manejo propedêutico e/ou terapêutico dos casos estudados; revisão crítica do manuscrito; preparação e redação do manuscrito; concepção do estudo e planejamento.

Daniela Alves Pereira Antelo | 0000-0001-8203-1772
Revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

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