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Relato de caso

Lipoenxertia autóloga: uma boa opção para tratamento de deformidade facial após traumatismo craniano

Rogerio Nabor Kondo; Fabiana de Mari Scalone; Luciana Rigolin Mazoni Alves; Ricardo Hirayama Montero

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201242518

Data de recebimento: 26/01/2020
Data de aprovação: 03/11/2020
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital Universitário Evangélico Mackenzie, Curitiba (PR), Brasil


Abstract

Corrigir deformidades na face ainda é um grande desafio para o cirurgião dermatológico. As opções terapêuticas podem variar conforme a etiologia, a localização, os custos e a experiência do médico-assistente. Apesar de alguns trabalhos demonstrarem controvérsias quanto aos resultados do uso de lipoenxertia autóloga (LA) para tratamento de depressões na face, relatamos um caso com bom resultado estético, após duas sessões de LA, em paciente masculino com afundamento facial após traumatismo craniano.


Keywords: Fratura do crânio com afundamento; Transplante; Transplante autólogo; Gordura subcutânea


INTRODUÇÃO

Dependendo da deformidade facial e sua etiologia, podem ser utilizados vários métodos de correção, desde aqueles pouco invasivos (como aplicações de toxina botulínica1 e preenchimento com ácido hialurônico2) até cirurgias mais complexas (como implantação de próteses de resinas de silicone ou de acrílico3). A lipoenxertia autóloga (LA) é uma alternativa cirúrgica, principalmente em casos de lipodistrofias.4-10

Reportamos um caso de paciente com queixas de “afundamento” facial (Figura1) após traumatismo craniano, em que optamos pela LA para tratamento, com resultado estético satisfatório. Embora essa técnica tenha vantagens de custo/benefício, a literatura descreve a imprevisibilidade dos resultados devido à possibilidade de absorção com consequente perda de volume e necessidade de novas intervenções. 5,6,7

O objetivo do relato de caso é demonstrar a eficácia da técnica, de baixo custo, fácil realização e bom nível de satisfação do paciente e da equipe cirúrgica.

 

MÉTODOS

Descreve-se o caso de um paciente masculino, estudante, que, aos 15 anos de idade, sofreu acidente motociclístico, com consequente traumatismo craniano e fraturas ósseas frontal, parietal e temporal à direita. Após intervenções neurocirúrgicas de correções de afundamentos e fraturas, como enxerto ósseo e colocação de placa de platina, dias de coma induzido e cuidados em terapia intensiva, o mesmo evoluiu sem sequelas motoras em sua alta hospitalar (apenas parestesia local), mas com deformidade estética (referia um “afundamento”) que o incomodava. Foi encaminhado, então, já com 16 anos, pela Neurocirurgia para avaliação da Dermatologia.

Como se tratava de correção apenas estética, a mãe e o paciente foram informados sobre o procedimento. Houve autorização de termo de consentimento informado e autorização de fotos.

Descrição da Técnica:

I – Retirada de tecido gorduroso (Figura 2)

a) Paciente em decúbito ventral horizontal;

b) Marcação da prega infraglútea bilateral (área doadora);

c) Antissepsia com polivinil-iodine 10% tópico da área doadora;

d) Colocação de campos cirúrgicos;

e) Infiltração da área doadora com lidocaína 2% com vasoconstritor;

f) Incisão linear com lâmina 15;

g) Retirada de tecido gorduroso com pinça Adson e tesoura íris e colocação do material na cuba com soro fisiológico;

h) Fracionamento do tecido gorduroso com tesoura de íris em pequenos fragmentos para melhor aspiração do conteúdo pela seringa urológica;

i) Fechamento primário da área doadora com fio mononylon 4.0, pontos simples.

II – Lipoenxertia (Figura 3)

a) Marcação da área a ser preenchida;

b) Infiltração anestésica com lidocaína 2% com vasoconstritor, circundando a área demarcada;

c) Incisão de 6mm, com lâmina 15, na região superior das áreas demarcadas (às 12 horas);

d) Com a utilização de tentacânula, através das incisões, realização do descolamento da pele local, no plano acima da calota craniana (nesse caso), até a área delimitada previamente;

e) Com seringa urológica (60ml), injetou-se a gordura através da incisão, até que a cavidade descolada ficasse totalmente preenchida;

f) Sutura da incisão com mononylon 5.0, pontos simples;

g) Limpeza local com soro fisiológico;

h) Curativo oclusivo com gaze.

O paciente manteve o curativo durante 24 horas, tendo sido receitado sulfametoxazol e trimetoprima 400/80mg, dois comprimidos de 12/12 horas por 10 dias (Figura 4).

 

RESULTADO

O período pós-operatório imediato transcorreu bem, sem infecção dos sítios cirúrgicos e sem hemorragias. Seis meses após a intervenção, o paciente apresentava-se com boa estética e sem comprometimento funcional da face, embora tivesse ocorrido reabsorção parcial da gordura local (Figura 5). Uma segunda LA foi indicada com o consentimento do paciente e de sua mãe.

A segunda intervenção foi realizada sem complicações e, após nove meses, apresenta um resultado estético muito bom (Figura 6).

 

DISCUSSÃO

A correção de deformidades na face, qualquer que seja sua etiologia, ainda é um grande desafio para o cirurgião dermatológico. Em casos mais simples, como deformidades pós-traumáticas do mento, pode-se utilizar a toxina botulínica.1 Já para lipodistrofia ou depressões da face, há indicação de lipoenxertia autóloga (LA) ou uso de ácido hialurônico ou ácido poli-L-lático.2 Para casos de perdas de cartilagem e osso, próteses de resina de acrílico podem ser realizadas.3

A LA mostra-se muito interessante na correção de deformidades da face, tendo em vista que o tecido adiposo é relativamente abundante na superfície da pele, tem uma textura e modelagem ideais, além de índice de rejeição tecidual quase nulo.6,8,10 Embora seja proposto desde o final do século 19, alguns estudos mostraram-se controversos em relação ao procedimento, tendo em vista a eficácia dos resultados.6,8 A hipótese para a não melhora seria a absorção da gordura ou a viabilidade baixa do tecido transferido.6

Com a permissão da equipe da Neurocirurgia, em se tratando de procedimento de fins estéticos, optamos pela LA no presente caso, considerando o baixo custo, o índice de rejeição tecidual e os baixos riscos de complicações.

O paciente evoluiu com bom resultado estético e, seis meses após a primeira cirurgia (Figura 5), havia uma melhora importante da depressão local. Mesmo assim, uma segunda intervenção foi realizada para corrigir a possível absorção em algumas áreas. Nove meses após, o resultado foi excelente (Figura 6). Em alguns trabalhos também foi notada melhora muito importante com LA, principalmente após a segunda intervenção. 5,6

Os autores deste presente estudo levantam a hipótese de que, a partir da segunda sessão de LA, a eficácia seja maior devido aos adipócitos remanescentes da primeira intervenção dificultarem a absorção desse novo tecido gorduroso injetado e, de alguma forma, também estimularem os fibroblastos locais.

Outra opção a ser realizada é o ácido poli-L-lático (PPLA). PPLA é um polímero biocompatível, reabsorvível e imunologicamente inerte. Seu mecanismo de ação consiste na estimulação do fibroblasto em sua resposta inflamatória subclínica. Pode ser utilizado em casos de deformidades faciais, inclusive em placas e parafusos. 2,6 A opção de não utilizá-lo deveu-se a extensão da depressão, custos e riscos de formação de pápulas, nódulos e granulomas.

Apesar de alguns estudos exibirem resultados controversos, a técnica de LA utilizada no caso mostrou-se muito satisfatória. O defeito que o paciente nominou de “afundamento” foi solucionado e proporcionou a melhora de sua autoestima.

 

CONCLUSÃO

A LA é uma técnica de fácil execução, baixo custo, bem tolerada e com bom resultado cosmético (Figuras 5 e 6).

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Rogerio Nabor Kondo | 0000-0003-1848-3314
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Fabiana de Mari Scalone | 0000-0002-5050-8246
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Luciana Rigolin Mazoni Alves | 0000-0003-4865-4110
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Ricardo Hirayama Montero | 0000-0001-8148-1026
Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

REFERÊNCIAS

1. Park EJ, In SK, Yi HS, Kim HI, Kim HS, Kim HY. Treatment of post-traumatic chin deformities using bilateral botulinum toxin injections. Arch Craniofac Surg. 2019;20(5):310-3.

2. Zhang AJ, Moraites E, Goldfarb N, Liszewski W, Farah RS. Acquired partial lipodystrophy treated with poly-L-lactic acid and hyaluronic acid fillers: a case report. J Cosmet Laser Ther. 2019;21(4):201-2.

3. Aggarwal V, Datta K, Kaur S. Rehabilitation of post-traumatic total nasal defect using silicone and acrylic resin. J Indian Prosthodont Soc. 2016;16(1):87-90.

4. Wang KY, Yang Z, Wang WL, Xu H, Liu FY. Autologous free fat graft for repair of concave deformity after total parotidectomy. J Craniofac Surg. 2019;30(3):834-7.

5. Xie Y, Li Q, Zheng D, Lei H, Pu LLQ. Correction of hemifacial atrophy with autologous fat transplantation. Ann Plast Surg 2007;59(6):645- 653.

6. Alencar JCG, Andrade SHC, Pessoa SGP, Dias IS. Lipoenxertia autóloga no tratamento da atrofia hemifacial progressiva (síndrome de Parry-Romberg): relato de caso e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2011;86(4 Supl 1):S85-8.

7. Volker LW, Warnke PH, Douglas T, Wiltfang J. Unilateral atrophy of the cheek: autologous fat injection as treatment of choice. J Craniofac Surg. 2009;20(2):423-5.

8. Wetterau M, Szpalski C, Hazen A, Warren SM. Autologous fat grafting and facial reconstruction. J Craniofac Surg. 2012;23(1):315-8.

9. Koonce SL, Grant DG, Cook J, Stelnicki EJ. Autologous fat grafting in the treatment of cleft lip volume asymmetry. Ann Plast Surg. 2018;80(6S Suppl 6):S352-5.

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