Ivana Nascimento Garcia de Santana1,2; Renato Roberto Liberato Rostey2
Data de recebimento: 22/10/2020
Data de aprovação: 30/11/2020
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum
Trabalho realizado no Hospital Universitário Júlio Muller, Cuiabá (MT), Brasil
O edema tardio intermitente e persistente (ETIP) por implante de ácido hialurônico é uma reação inflamatória imunomediada decorrente de fenômenos imunogênicos ao próprio preenchedor bem como de sua capacidade em reter água, configurando assim o edema local. Pode ser desencadeado após infecções virais ou bacterianas. Assim como em muitas doenças infectocontagiosas, a COVID-19 pode vir a apresentar na pele diversos sinais e sintomas que ainda não são completamente compreendidos, porém muitas manifestações cutâneas associadas já foram descritas. Vimos, por meio deste relato de caso, apresentar o ineditismo de uma reação do tipo ETIP, desencadeada pela infecção por Sars-CoV-2.
Keywords: Coronavírus; Hipersensibilidade; Reação a corpo estranho; Implantes absorvíveis
O edema tardio intermitente e persistente (ETIP) é caracterizado por episódios transitórios, recorrentes e intermitentes que podem ocorrer após preenchimento com ácido hialurônico (AH), com surgimento de edema difuso, não depressível, localizado ao longo da área de implantação do produto, normalmente após 30 dias do implante, por isso tardio, e só ocorre enquanto houver AH no tecido.1 Estas reações inicialmente eram atribuídas a processos infecciosos junto ao implante (biofilme), mas hoje acredita-se que possam ser desencadeadas somente por fenômenos imunológicos.2-3 Fatores como infecções sistêmicas virais e/ou bacterianas, assim como infecções locais como rinossinusites e odontogênicas, foram identificados em cerca de 39% dos casos, podendo agir como gatilho para o surgimento da reação.4
O Sars-CoV-2 é um vírus zoonótico emergente da família dos coronavírus causador da pandemia nomeada COVID-19, surgida e identificada em novembro de 2019 na província de Wuhan, na China.5 Os sinais clínicos mais observados foram febre, dor de garganta, coriza, tosse, anosmia, disgeusia, mialgia, leucopenia e linfopenia.6 O período de incubação é de dois a 14 dias, com potencial transmissão assintomática, mas normalmente os sintomas se manifestam até o quinto dia da infecção.7
Paciente, 34 anos, apresenta-se com história de súbita prostração e surgimento de área elevada, indolor e bem delimitada no lábio superior, (Figura 1) no mesmo local da aplicação de preenchimento de ácido hialurônico para definição de contorno labial realizada há um ano e quatro meses (Figura 2). Refere já ter apresentado surgimento de edema na mesma localização por algumas vezes, geralmente associado a crises de rinite e faringite, porém no momento não apresentava nenhuma queixa respiratória. Após seis dias, apresentou novo episódio de prostração intensa, dessa vez acompanhada de mialgia, cefaleia e febre de 38,5°C. Aguardou mais três dias para coleta de swab nasal e faríngeo para exame de RT-PCR para Sars-CoV-2 que detectou a presença do RNA viral, fechando diagnóstico de COVID-19. Evoluiu sem retorno da febre, com melhora do estado geral e diminuição espontânea do edema em lábio superior 15 dias após o seu surgimento.
Desde sua identificação, a COVID-19 atingiu as pessoas em diferentes níveis de complexidade, demonstrando ser uma patologia de caráter principalmente respiratório, sendo os casos mais graves complicados com insuficiência respiratória aguda (SARS)8, podendo, porém, também causar afecções graves em outros órgãos como os do sistema nervoso, sistema cardiovascular e renal, além de acometer todos os demais órgãos do corpo e favorecer o surgimento de infecções secundárias.9-18
Assim como já foi descrito que outros órgãos são acometidos pela doença, surgiram descrições do acometimento da pele, com as primeiras compilações e relatos de casos já publicados. Já foram observados: rash cutâneo, acro-isquemia, erupções maculopapulares, cianose, bolhas, púrpuras, petéquias, gangrenas, urticárias, vesículas varicela-like, quadros similares à perniose e dedos de COVID.19-26 Porém, ainda não foi descrito nenhum quadro do tipo ETIP em paciente com a doença, sendo este o primeiro relato de caso dessa associação.
Os episódios de ETIP associados a infecções são precoces, de curta duração e podem apresentar resolução espontânea3 O uso de corticoides intralesionais, orais e, eventualmente, de hialuronidase foi o tratamento habitual, levando à resolução do quadro na grande maioria das vezes, o que corrobora também a hipótese da etiologia imunomediada.27
Por tratar-se de uma doença nova, em que muitos dos sinais e sintomas ainda não são completamente conhecidos, a apresentação de um quadro de ETIP, como primeira sintomatologia da COVID-19 em uma paciente hígida e que apresentou evolução paucissintomática, torna-se de suma importância, sobretudo para nós, dermatologistas, para que possamos identificar possíveis doentes da COVID-19 realizando o diagnóstico precocemente e aumentando as chances de que estes tenham um tratamento mais adequado, além de tomar as medidas necessárias de prevenção da propagação comunitária da doença.
A todos os profissionais de saúde que têm batalhado neste momento contra a COVID-19. E às nossas famílias por estes momentos de ausência.
Ivana Nascimento Garcia de Santana | 0000-0001-7029-4882
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Renato Roberto Liberato Rostey | 0000-0001-8656-4111
Contribuição no artigo: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
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