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Relato de caso

Agressividade tumoral óculo-facial por carcinoma epidermoide moderadamente diferenciado sob imunocompetência sistêmica

Renan Rangel Bonamigo; Laura Luzzatto; Sindy Natália Balconi; Isadora da Luz Silva; Ana Cláudia Dal Magro

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201242554

Data de recebimento: 24/03/2020
Data de aprovação: 13/11/2020

Trabalho realizado na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre (RS), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.


Abstract

O carcinoma epidermoide (carcinoma escamocelular, carcinoma de células escamosas ou CEC) representa o segundo tipo de neoplasia cutânea mais comum. O CEC origina-se da proliferação atípica das células da camada espinhosa da epiderme e é mais frequente em indivíduos do sexo masculino, maiores de 50 anos, de fototipo baixo e com história de exposição solar. Descrevemos o caso de um homem de 61 anos, previamente hígido, apresentando lesão de crescimento rápido e exuberante na face, cujo anatomopatológico e imuno-histoquímica comprovaram tratar-se de CEC moderadamente diferenciado.


Keywords: Carcinoma de Células Escamosas; Neoplasias Cutâneas; Neoplasias de Células Escamosas


INTRODUÇÃO

O câncer de pele não melanoma é o tipo mais comum de neoplasia no mundo e no Brasil, sendo que o CEC é o segundo subtipo mais comum. Enquanto a maioria apresenta bom prognóstico, parte dos casos pode ter desfechos piores.1 Dados epidemiológicos recentes têm mostrado aumento da sua incidência em todo o mundo, o que impacta na saúde pública.2 Assim, diagnóstico e tratamento precoces são fundamentais. Apresentamos um caso incomum de CEC moderadamente diferenciado, com uma evolução local rápida e exuberantemente agressiva em paciente sem evidências de imunossupressão.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 61 anos, agricultor aposentado, em acompanhamento por múltiplas neoplasias cutâneas não melanocíticas prévias e sem evidência de imunossupressão ou outras comorbidades, apresentava em consulta pápula eritematosa infiltrada com crosta central na região malar direita, sendo encaminhado para biópsia sob hipótese diagnóstica de ceratoacantoma ou CEC. A histopatologia demonstrou dano actínico e hiperplasia sebácea, não evidenciando células neoplásicas. O paciente retornou após três meses para acompanhamento, apresentando crescimento exacerbado da lesão, com tumor exulcerado, dor local e perda de visão ipsilateral (Figura 1). O novo exame histopatológico demonstrou carcinoma epidermoide moderadamente diferenciado. A tomografia computadorizada (TC) da face evidenciou volumosa lesão expansiva, infiltrativa, com envolvimento regional da pele e do subcutâneo, irregularidades e ulcerações superficiais, comprometimento da órbita, processo zigomático, assoalho da órbita e projeção ao seio maxilar. Evidenciava-se também proptose do globo ocular, envolto pela lesao (Figura 2). Não se observavam linfonodomegalias em região cervical. Estadiado como T4aN0M0, o paciente foi encaminhado com urgência ao Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da instituição e submetido com brevidade a procedimento cirúrgico. Realizada exenteração da órbita com maxilectomia total e parotidectomia parcial, com reconstrução com retalho microcirúrgico de reto abdominal, apresentando boa evolução pós-operatória (Figura 3) e anatomopatológico indicando margens livres de lesão.

 

DISCUSSÃO

O CEC origina-se da proliferação atípica de células da camada espinhosa da epiderme. Pode apresentar-se clinicamente como uma pápula, nódulo ou lesões em placa, podendo também apresentar hiperceratose e ulceração associadas. Como diagnóstico diferencial, deve-se considerar ceratoses actínicas, carcinomas basocelulares, tumores de anexo, melanomas amelanóticos e o ceratoacantoma, como no caso em questão.2 O CEC bem diferenciado pode assemelhar-se clínica e histopatologicamente ao ceratoacantoma e, portanto, é particularmente importante em contextos de rápido crescimento tumoral afastar essa possibilidade. No presente caso, a histopatologia e a invasividade a estruturas profundas confirmaram tratar-se de um CEC.

Epidemiologicamente, o CEC ocorre predominantemente em indivíduos do sexo masculino, com mais de 50 anos, fototipo baixo e com história de exposição solar. Em indivíduos transplantados, é o tumor mais frequente, sendo duas a três vezes mais comum que o carcinoma basocelular. A história natural dos carcinomas epidermoides varia de lenta a rápida, sendo observado crescimento acelerado mais frequentemente em pacientes imunossuprimidos. No contexto da imunossupressão, o CEC é frequentemente múltiplo e tende a ser mais agressivo.6

Dentre as causas mais comuns para imunossupressão sistêmica, além dos transplantes de órgãos (58%), há as doenças inflamatórias sistêmicas (16%).4 No caso dos pacientes transplantados renais, o tratamento com imunossupressor mais a radiação ultravioleta acarretam deficiência na resposta imune sistêmica e local. Estes pacientes apresentam diminuição numérica dos subtipos linfocitários (CD4 e CD8), de linfócitos que expressam o receptor interleucina-2 na pele e das células de Langerhans. Assim, há menor expressão de MHC-II, comprometendo a competência imunológica local e favorecendo o aparecimento de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.5

Assim como ocorre nos demais tipos de neoplasias malignas, as populações de leucócitos locais são protetoras contra o desenvolvimento do câncer e também desempenham um papel na “escultura” do tumor de alta intensidade, levando a muitas causas de imunogenicidade e progressão tumoral. A radiação UV e o transporte viral crônico podem representar fatores de risco únicos para o desenvolvimento do CEC, e o sistema imunológico local desempenha um papel fundamental na modulação da resposta a ambos.6

O estadiamento dos carcinomas espinocelulares leva em consideração o volume do tumor medido por diâmetro e a profundidade. Além disso, considera também metástases linfonodais e metástases à distância. Características de alto risco para CEC metastático incluem comprometimento maior que 2mm de espessura, nível de Clark maior ou igual a IV e invasão perineural, localização anatômica (orelha, lábios e mucosas apresentam maior risco), origem em cicatrizes, imunossupressão e grau de diferenciação (com pior prognóstico associado aos pouco diferenciados e não diferenciados).2 O presente caso apresenta paciente com estadiamento negativo para disseminação linfo-hematogênica, mas com extrema agressividade local, afetando completamente um dos aparelhos oculares.

O tratamento de primeira linha do CEC é a excisão cirúrgica completa com controle histopatológico das margens.3 A literatura preconiza margens de 4 a 10mm, a serem definidas de acordo com as características clínicas que sugiram alto risco de recidiva, embora não exista consenso. Em tumores de baixo risco, pode-se optar por curetagem com eletrocoagulação e criocirurgia. A radioterapia adjuvante é recomendada em pacientes com margens negativas após a cirurgia em caso de envolvimento perineural, e são poucos os fármacos usados com sucesso na adjuvância ou neoadjuvância para CEC metastático.3

A rapidez de crescimento, a agressividade e o volume tumoral do CEC moderadamente diferenciado apresentados por este paciente são incomuns, principalmente pela ausência de um fator que comprometesse seu estado imunitário sistêmico, destacando-se a provável imunomodulação local pela RUV.

O manejo cirúrgico mostrou-se complexo e seguiu o princípio da terapêutica da Oncodermatologia, com a ampla excisão da neoplasia.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Renan Rangel Bonamigo | 0000-0003-4792-8466
Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

Laura Luzzatto 0000-0002-4193-6943
Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Sindy Natália Balconi | 0000-0002-6369-5474
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Isadora da Luz Silva | 0000-0001-9084-8723
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Ana Cláudia Dal Magro | 0000-0001-5472-4539
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

 

REFERÊNCIAS

1. Kabir S, Schmults CD, Ruiz ES. A review of cutaneous squamous cell carcinoma epidemiology, diagnosis and management. Int J Cancer Manag. 2018;11(1):e60846.

2. Bolognia JL, Jorizzo JL, Schaffer JV. Dermatologia. 3th ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2015. p. 2816-2820.

3. NCCN Guidelines for patients. Squamous cell skin cancer. 2020. Available from: https://www.nccn.org/patients/guidelines/content/PDF/squamous_cell-patient.pdf

4. Gonzalez JL, Reddy ND, Cunningham K, Silverman R, Madan E, Nguyen BM. Multiple cutaneous squamous cell carcinoma in immunosuppressed vs immunocompetent patients. JAMA Dermatol. 2019;155(5):625-

5. Almeida APN, Almeida LM, Franco KP, Peçanha MAP. Lesões cutâneas malignas e pré-malignas pós transplante renal: relato de caso e revisão da literatura. Rev Cient FMC. 2014;9(1):30-4.

6. Bottomley MJ, Thomson J, Harwood C, Leigh I. The role of the immune system in cutaneous squamous cell carcinoma. Int J Mol Sci. 2019;20(8):2009.


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