Thiago da Silveira Manzione1; Sidney Roberto Nadal2; John Verrinder Veasey3
Data de recebimento: 29/10/2019
Data de aprovação: 12/11/2020
Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo, São Paulo (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
O tumor de Buschke-Lowenstein (TBL) é variante extremamente rara do condiloma acuminado que, apesar de manifestar-se clinicamente por lesões de grandes proporções, apresenta comportamento biológico e características histológicas benignas. Existem diversas abordagens terapêuticas disponíveis, muitas delas apoiando-se em abordagens cirúrgicas extensas e mutilantes. Apresentamos dois casos de pacientes com TBL tratados com podofilina tópica, cujas respostas terapêuticas foram extremamente favoráveis em ambos os casos.
Keywords: Podofilina; Condiloma Acuminado; Carcinoma Verrucoso; Terapêutica; Terapia Neoadjuvante
O tumor de Buschke-Lowenstein (TBL), também designado condiloma acuminado gigante, é variante rara do condiloma acuminado, compreendendo cerca de 0,1% dos casos.1 É causado pelo papilomavírus humano (HPV), dos tipos 6 e 112. Os fatores de risco descritos são imunossupressão, gravidez, consumo de álcool e tabaco, má higiene local e a infecção pelo vírus Herpes simplex.3
Clinicamente, a lesão atinge proporções volumosas, com características locais agressivas, invadindo e causando deformidade nos tecidos adjacentes, porém sem invasão linfática, vascular ou neuronal.4 O risco de degeneração para carcinoma espinocelular (CEC) varia entre 30 a 56%, enquanto o condiloma acuminado apresenta risco de apenas 2%.5 Histologicamente, o TBL distingue-se do condiloma acuminado pela proliferação e penetração profunda nos tecidos adjacentes e, do CEC, pela integridade da membrana basal e incapacidade de produzir metástases.3
Existem diversas abordagens terapêuticas para o TBL, como medicações tópicas, criocirurgia, excisão cirúrgica, imunoterapia, quimioterapia, radioterapia e eletrocoagulação. Não há consensos que orientem a decisão terapêutica, mas a escolha inicial em muitos serviços é a excisão cirúrgica.5
A cirurgia deve ser a ressecção local, mantendo as margens livres de doença residual. A remoção cirúrgica pode ocasionar feridas extensas, estenoses cicatriciais e incontinência fecal. A amputação abdominoperineal está indicada quando houver acometimento do aparelho esfincteriano.6 Entre os agentes tópicos mais usados estão a podofilina, que tem ação esfoliante, imunológica e antimitótica5,6, e o imiquimode, substância imunomoduladora capaz de potencializar a resposta imunológica ao HPV.5,6
Paciente do sexo masculino, 25 anos, com sorologia positiva para HIV há oito meses, em uso de terapia antirretroviral (TARV) com tenofovir, efavirenz e lamivudina desde seu diagnóstico, apresentando contagem de células CD4 de 253/µL e carga viral indetectada.
Queixa-se de tumor anal há nove meses, evoluindo no último mês com aumento da lesão, associado a odor fétido e dificuldade para higiene. Ao exame dermatológico, apresentava grande lesão tumoral de aspecto verrucoso, com 30cm de diâmetro, ocupando as nádegas, o períneo e o sulco interglúteo, impossibilitando identificar o ânus (Figura 1).
Realizada biópsia da lesão para descartar CEC, cujo laudo concluiu tratar-se de condiloma acuminado. Prescritos sulfametoxazol + trimetropima, devido à infecção secundária, e iniciado tratamento tópico com podofilina a 25% em vaselina sólida uma vez por semana, orientando-se o paciente a retirar a medicação, lavando-se após seis horas (Figura 1).
Após 23 aplicações durante seis meses, observou-se regressão quase completa da lesão (Figura 2). Indicada em seguida ressecção cirúrgica e cauterização das poucas lesões remanescentes. A avaliação histopatológica da peça ressecada não apresentava carcinoma, e a evolução clínica foi favorável, estando após quatro semanas as feridas cicatrizadas e sem sinais de recidiva.
Mulher de 42 anos, positiva para o HIV há seis anos, com queixa de tumor anal há 12 meses. Abandonou a TARV há seis meses, com aumento significativo da lesão. Apresentava linfócitos T CD4 de 124/µL e carga viral superior a 200.000/mL.
Foi orientada a retornar com a TARV e iniciado tratamento semanal com podofilina a 25% em vaselina sólida. Após a terceira aplicação, a lesão apresentou acentuada redução. Foram 12 aplicações durante quatro meses, quando o desaparecimento foi completo (Figura 3). A biópsia realizada na primeira consulta revelou condiloma acuminado, sem sinais de malignidade. A colposcopia anal e a citologia do canal anal estavam normais ao término do tratamento. Não houve recidiva.
O TBL envolvendo a região perianal é raro. Em meta-análise avaliando publicações do período de 1958 a 2000 foram encontrados apenas 51 casos, sendo mais frequente nos homens (2,7:1) com a idade média de 43,9 anos.7
Parece existir uma interação complexa entre o HIV, o HPV e os mecanismos imunológicos da mucosa local. O HIV aumenta a transcrição do HPV e este provoca diminuição do número de macrófagos, células de Langerhans e linfócitos T CD4 na mucosa, com consequente diminuição do controle imunológico local da infecção pelo HPV e aumento da proliferação deste vírus.8
Embora a ressecção seja a conduta mais realizada, o tratamento tópico foi instituído visando à redução do tamanho das lesões, facilitando assim a ressecção e o desconforto pós-operatório. Foi utilizada a podofilina a 25% em vaselina sólida pela facilidade de obtenção e baixo custo, uma vez que os autores trabalham em hospitais públicos, e têm experiência com essa medicação em condilomas acuminados anogenitais, inclusive em crianças.1,5,6 Esse procedimento ocasiona remissão das lesões, evitando-se operações ou facilitando o ato cirúrgico e a recuperação pós-operatória.
Os pacientes encontram-se em seguimento, sendo reavaliados periodicamente com exame dermatológico e proctológico. Caso não apresentem lesão clínica, a citologia e a colposcopia anal são realizadas. Essa estratégia de seguimento é necessária para vigilância das lesões malignas e detecção precoce das recidivas clínicas e subclínicas.7,9
O tratamento com substâncias tópicas pode ser instituído para casos de TBL, com possibilidade de redução das lesões, facilitando o tratamento operatório e evitando-se as complicações provocadas pela cicatrização.
Thiago da Silveira Manzione | 0000-0003-1914-0129
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Sidney Roberto Nadal | 0000-0002-8238-4559
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
John Verrinder Veasey | 0000-0002-4256-5734
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
1. Akhavizadegan H. Electrocautery resection, shaving with a scalpel, and podophyllin: a combination therapy for giant condyloma acuminatum. World J Mens Health. 2015;33(1):39-41.
2. Braga JC, Nadal SR, Stiepcich M, Framil VM, Muller H. Buschke Loewenstein tumor: identification of HPV type 6 and 11. An Bras Dermatol. 2012;87(1):131-4.
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