6365
Views
Open Access Peer-Reviewed
Relato de caso

Dermatofibrossarcoma protuberante mimetizando queloide

Juliana Chaves Fabrini1; Michelle dos Santos Diniz1; Mônica Maria de Faria Pimenta1; Maria Silvia Laborne Alves de Sousa2; Ralph Brito Damaceno1; Cassio Ferreira Guimarães2;

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201241282

Data de recebimento: 11/11/2019
Data de aprovação: 25/02/2020

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Belo Horizonte (MG), Brasil.


Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
Agradecimentos: Agradeço a dedicação dos preceptores Michelle dos Santos Diniz, Maria Silvia Laborne e Cassio Ferreira Guimarães.


Abstract

O dermatofibrossarcoma protuberante é um sarcoma localmente agressivo, de malignidade intermediária, que predomina na faixa de adultos jovens à meia-idade. Lesões congênitas ou na infância são raras, mas foram relatadas. Nos estágios precoces, pode ser mal diagnosticado e ser incompletamente excisado, o que aumenta o risco de recorrências. Relata-se o caso de paciente do sexo masculino, de 24 anos, com história de mácula hipercrômica em região abdominal desde o nascimento que evoluiu para tumoração após duas abordagens cirúrgicas. Biópsia e imuno-histoquímica confirmaram o diagnóstico de dermatofibrossarcoma protuberante, e a lesão foi excisada com margem de 3cm.


Keywords: Dermatofibrossarcoma; Neoplasias de Tecido Fibroso; Sarcoma


INTRODUÇÃO

O dermatofibrossarcoma protuberante (DFSP) é um tumor fibro-histiocitário de malignidade intermediária que, apesar de ser raro, representa a maioria dos sarcomas cutâneos. Apresenta crescimento local agressivo, alta taxa de recorrência, mas baixo potencial metastático. É mais frequentemente relatado na faixa etária de 20 a 50 anos e apresenta ligeira predominância no sexo masculino.1,2,6

A localização mais frequente é o tronco (40-60%), seguido pelos membros (20-30%) e cabeça e pescoço (10-15%)3, sendo excepcionalmente descrito na parede abdominal, já que representa o tumor de tecidos moles menos frequente dessa região.4

Na sua fase inicial, pode-se apresentar como uma placa endurecida, assintomática, cor da pele, violácea, marrom-avermelhada ou levemente hipercrômica, semelhante a queloide. Eventualmente, desenvolve-se para nódulos violáceos a vermelho-acastanhados, com até vários centímetros de diâmetro. Na palpação, a lesão é sólida e aderida ao tecido subcutâneo. Existem relatos de lesões que se desenvolvem após trauma ou em cicatriz prévia de cirurgia.1,3,7

O exame histopatológico mostra uma coleção densa uniforme de células fusiformes em arranjo estoriforme (em turbilhão ou semelhante a uma esteira) característico, com pouco pleomorfismo nuclear e baixa atividade mitótica. O tumor pode infiltrar o subcutâneo distorcendo a arquitetura do tecido adiposo, com aspecto em favo de mel. Projeções profundas em direção a fáscia e músculo dificultam sua delimitação e consequente remoção cirúrgica.3,5,6

Na imuno-histoquímica, células fusiformes são positivas para CD34 e negativas para fator XIIIa, o que auxilia na diferenciação do dermatofibroma, principal diagnóstico diferencial histopatológico, no qual as células são negativas ao CD34 e positivas ao fator XIIIa.2,7,8

Excisão cirúrgica completa, incluindo a cirurgia micrográfica de Mohs, é o tratamento padrão para o DFSP. O mesilato de imatinibe foi experimentado em pacientes com DFSP irressecável, recorrente e/ou metastático.2

O objetivo do presente estudo é destacar a importância do diagnóstico precoce desse tumor, que, apesar de raro, pode simular clinicamente diversas lesões cutâneas como queloide, e observar que a primeira abordagem cirúrgica com margens amplas apresenta maior chance curativa, reduzindo as chances de recidivas locais e a alta morbidade.

 

RELATO DO CASO

Paciente do sexo masculino, 24 anos, procedente de Belo Horizonte, com relato de lesão na região epigástrica abdominal desde o nascimento, que se iniciou como mácula hipercrômica acompanhada de dor no local.

Realizou biópsia aos 12 anos de idade que foi sugestiva de queloide, segundo o paciente, que não apresentava o resultado anatomopatológico no momento da consulta. Foi submetido à abordagem cirúrgica aos 12 e 16 anos, com posterior recidiva e crescimento da lesão, que evoluiu para nódulos e placa normocrômica. Também não tinha os resultados histopatológicos dessas cirurgias.

Aos 24 anos, foi submetido à nova biópsia solicitada por dermatologista, que foi sugestiva de fibromixoma, sem sinais de malignidade. O paciente foi, então, encaminhado ao serviço de Dermatologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Ao exame físico, apresentava tumoração lobulada eritêmato-violácea de consistência fibrosa, de aproximadamente 8 x 6cm, na região epigástrica abdominal (Figuras 1 e 2).

Diante da apresentação clínica, a principal suspeita foi de dermatofibrossarcoma protuberante e, portanto, foi realizada revisão da lâmina do anatomopatológico. A revisão revelou células fusiformes em arranjo estoriforme (Figura 3), e o material foi submetido à avaliação imuno-histoquímica. Tal exame revelou positividade para o anticorpo CD34, sendo conclusiva de dermatofibrossarcoma protuberante, confirmando a principal hipótese clínica.

Além disso, o paciente foi submetido à ressonância nuclear magnética para avaliar extensão da lesão e invasão local. O exame mostrou lesão expansiva multilobulada em pele e subcutâneo e um nódulo hepático, podendo corresponder a acometimento neoplásico secundário. Porém, a propedêutica do nódulo não mostrou, até o presente momento, relação com a neoplasia cutânea.

A lesão foi excisada pela equipe de cirurgia plástica, com margem ampla de 3cm, com retirada da fáscia do músculo reto abdominal e fechamento da parede por abdominoplastia reversa, apresentando bom resultado estético (Figuras 4 e 5). Conforme discutido com patologista, o anatomopatológico da peça cirúrgica foi compatível com DFSP, com fragmentos da fáscia muscular livres de neoplasia, e foi afastada a possibilidade de transformação mais agressiva na peça analisada.

Nenhum tratamento adjuvante foi administrado. Até o presente momento, um ano após o procedimento cirúrgico, o paciente não apresenta indícios de recidivas locais ou à distância.

 

DISCUSSÃO

O dermatofibrossarcoma protuberante é uma neoplasia de células fusiformes com malignidade intermediária e baixo risco de metástases. No entanto, o comportamento indolente do tumor e suas características imprecisas frequentemente levam à demora em sua percepção pelos pacientes e médicos, ocasionando atraso no diagnóstico. Além disso, devido à maior prevalência de casos de carcinomas basocelulares, carcinomas espinocelulares e melanomas cutâneos, os dermatologistas estão mais familiarizados com o diagnóstico, prognóstico e tratamento dessas neoplasias.1,3

O estágio precoce, por se tratar de lesão inespecífica e assintomática, pode ser mal diagnosticado como tumor benigno e ser incompletamente excisado. O diagnóstico diferencial clínico inclui queloide, dermatofibroma, dermatomiofibroma e morfeia.2,7

A coleta adequada de material para realização de anatomopatológico (AP) é de suma importância, pois amostras superficiais de material para AP podem não produzir material diagnóstico.2

A primeira intervenção é de extrema importância, uma vez que a disseminação tumoral após a primeira ressecção inadequada pode levar a crescimento local descontrolado ou à metástase.1

As altas taxas de recidiva locais, acompanhadas da alta morbidade do DFSP, justificam o esforço no diagnóstico precoce e a necessidade de tratamento inicial, que possibilita maior taxa de cura.3,7,9

As lesões com múltiplas recidivas após o tratamento inicial parecem ter maior probabilidade de diferenciação em sarcomas de alto grau de malignidade com aumento do risco de metástases.3

Os principais fatores prognósticos são a remoção cirúrgica inadequada com margens comprometidas, tumores grandes, localização na cabeça e presença de áreas de fibrossarcoma na histologia.3

O tratamento com maiores chances curativas é a ressecção cirúrgica com excisão local ampla. A disseminação microscópica do tumor por projeções de células tumorais, semelhantes a tentáculos, sob a pele clinicamente normal, torna difícil a remoção cirúrgica completa da lesão. Quando possível de ser realizada, a cirurgia micrográfica de Mohs apresenta as maiores taxas de cura para esse tumor.1,3 No caso em questão, optou-se pela cirurgia convencional com amplas margens cirúrgicas feita pela cirurgia plástica devido à grande extensão da lesão.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES

Juliana Chaves Fabrini | 0000-0001-7182-0530
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Michelle dos Santos Diniz | 0000-0002-9259-0807
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Mônica Maria de Faria Pimenta | 0000-0002-9075-5903
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito.

Maria Silvia Laborne Alves de Sousa | 0000-0002-2441-2187
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Ralph Brito Damaceno | 0000-0002-2879-6552
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.

Cassio Ferreira Guimarães | 0000-0002-4328-8994
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Fleury LFF, Sanches JS. Sarcomas cutâneos primários. An Bras Dermatol. 2006;81(3):207-21.

2. Bolognia JL, Jorizzo JL, Rapini RP. Dermatology. 4th ed. Elsevier; 2018.

3. Diniz MS, Ramos DG, Nunes MB. Dermatofibrossarcomaprotuberans: localização não usual e a importância da cirurgia micrográfica de Mohs. Surg Cosmet Dermatol. 2013;5(2):173-6.

4. Stojadinovic A, Hoos A, Karpoff HM, Leung DH, Antonescu CR, Brennan MF, et al. Soft tissue tumors of the abdominal wall: analysis of disease patterns and treatment. Arch Surg. 2001;136(1):70-9.

5. Belda Junior W, Chiacchio Di N, Criado PR. Tratado de Dermatologia. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2014.

6. Rapini RP. Dermatopatologia Prática. 2nd ed. Elsevier; 2012.

7. Llombart B, Serra-Guillén C, Monteagudo C, López Guerrero, JA, Sanmartín O. Dermatofibrossarcoma protuberante: uma revisão abrangente e atualização sobre diagnóstico e manejo. Semin Diagnost Pathol. 2013;30(1):13-28.

8. Diwan AH, Skelton HG, Horenstein MG, Kelly DR, Barrett TL, Bussian AH, et al. Dermatofibrosarcoma protuberans and giant cell fibroblastoma exhibit CD99 positivity. J Cutan Pathol. 2008;35(7):647-50.

9. Cai H, Wang Y, Wu J, Shi Y. Dermatofibrosarcoma protuberans: clinical diagnoses and treatment results of 260 cases in China. J Surg Oncol, 2011;105(2):142-8.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773