Laís Lopes Almeida Gomes1; Raquel Nardelli de Araujo1; Vando Barbosa de Souza1; Solange Cardoso Maciel Costa Silva1; Igor Eli Balassiano2
Data de recebimento: 31/05/2019
Data de aprovação: 26/05/2020
Trabalho realizado na Universidade de Santo Amaro, São Paulo (SP), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.
Agradecimentos: Agradecemos o Serviço de Dermatologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
INTRODUÇÃO: O dermatofibrossarcoma protuberans (DFSP) é um sarcoma localmente agressivo que apresenta recidiva local em até 60% dos casos e raras metástases pulmonares.
MÉTODOS: Paciente masculino, de 41 anos, apresenta tumoração amolecida à palpação, localizada no hálux direito há dois anos. Histopatologia com células fusiformes em arranjo estoriforme. A imuno-histoquímica foi focalmente positiva para o CD34.
DISCUSSÃO: Algumas variantes clínicas são descritas. As principais são: lesões nodulares confluentes formando uma placa, muitas vezes com aspecto clínico semelhante ao de queloide; lesão tumoral; placa atrófica.
CONCLUSÃO: Casos de DFSP simulando cisto subcutâneo foram encontrados na literatura, porém trata-se de uma apresentação clínica inusitada de DFSP.
Keywords: Dermatofibrossarcoma; Procedimentos Cirúrgicos Menores; Sarcoma
Descrito inicialmente por Taylor em 1890, o dermatofibrossarcoma protuberans (DFSP) é um sarcoma localmente agressivo, que apresenta recidiva local em 60% dos casos, além de raras metástases, principalmente pulmonar, podendo ocorrer também para linfonodos.1,2,3
Trata-se de um tumor raro e infiltrativo do tecido conjuntivo que representa cerca de 1-2% de todos os sarcomas. Sua prevalência é de aproximadamente 0,8 - 5,0 casos a cada um milhão de pessoas ao ano.1 Ocorre principalmente em adultos na terceira e quinta décadas, embora possa acometer indivíduos de qualquer idade.3,4 Devido ao seu crescimento lento e assintomático, acredita-se que diversos casos diagnosticados na vida adulta apresentem início na infância, e cerca de 20% dos casos publicados até o momento ocorreram em crianças.4 Em um estudo de 2.885 casos de DFSP, observou-se que a incidência em pacientes negros é cerca de duas vezes maior em relação a pacientes brancos, enquanto a distribuição entre os sexos é igual.4,5
O tronco é o local mais acometido (50-60% dos casos), principalmente tórax e ombros, seguido pela região proximal dos membros (20-30%), sendo mais comum nos membros superiores em relação aos inferiores.4,6 Aproximadamente 10 a 15% dos casos surgem em cabeça e pescoço, principalmente no couro cabeludo e malar. Em crianças, foi descrita tendência à apresentação acral do tumor.7 Mãos e pés são acometidos em cerca de 1% dos casos.8,9
Cerca de 85-90% são lesões de baixo grau, cujo comportamento é de tumor indolente com cerca de 6,4 anos de evolução em média no momento de seu diagnóstico.1,3 Ocasionalmente, são encontradas áreas de diferenciação para um sarcoma de alto grau dentro do DFSP. Esses casos apresentam comportamento mais agressivo, uma maior taxa de recorrência local e metástases.3,10
Metástases são raras e ocorrem em apenas 2-5% dos casos. Dessa forma, tomografias e exames laboratoriais não são realizados rotineiramente. Sua disseminação mais comum ocorre por via hematogênica, geralmente em lesões mais avançadas ou lesões recorrentes, devendo-se solicitar radiografia de tórax para todos os pacientes e tomografia de tórax apenas para aqueles com suspeita de metástase pulmonar.4,8,9
O tamanho médio do DFSP varia de 2 a 5cm. Em casos com tratamento tardio, algumas lesões podem chegar a 20cm de diâmetro e apresentar múltiplos nódulos- satélite. Geralmente está restrito à pele. Entretanto, lesões recorrentes ou antigas podem invadir outras estruturas, como fáscia, músculo estriado, periósteo e ossos.4
Existem relatos do seu surgimento em associação com infecção pelo vírus do HIV, transplante renal e deficiência de anticorpos.11 História prévia de trauma é descrita em cerca de 10-20% de casos, sendo considerado um possível agente etiológico.9
Em 1993, foi descrita a imunorreatividade desse tumor para CD34 que hoje continua como seu principal marcador imuno-histoquímico, principalmente se associado à negatividade para fator XIIIa.12
Mesmo após extensas ressecções, pode haver recorrências locais devido à presença de margens inesperadamente positivas, secundárias ao padrão infiltrativo microscópico do crescimento tumoral. Nesses casos, nova excisão acompanhada de cuidadosa análise histopatológica é indicada.3,8,9 Defende-se que o tempo médio para recorrência é de cerca de 2-3 anos após a excisão.3,13,14
Relatamos o caso de um paciente com DFSP de localização incomum e apresentação clínica atípica.
Paciente masculino, 41 anos, apresentou tumoração amolecida no hálux direito com crescimento há dois anos (Figuras 1 e 2). Negou dor, dispneia ou outros sintomas. Radiografia de tórax sem alterações.
Solicitada tomografia do pé direito que revelou formação nodular com densidade de partes moles, captante do meio de contraste, de 1,8 x 1,5cm no subcutâneo junto à articulação interfalangeana do primeiro pododáctilo. Apresentava também discreta erosão da cortical óssea na epífise da falange proximal em contiguidade à lesão.
Paciente foi encaminhado à cirurgia dermatológica para exérese da lesão. Realizado garrote do hálux e incisão fusiforme acima da lesão (Figura 3), com retirada do tumor e aproximação das bordas por sutura simples com fio 4-0 (Figura 4).
Durante o ato cirúrgico, confirmou-se tratar de uma lesão amolecida, simulando lesões císticas. O aspecto histopatológico revelou células fusiformes em arranjo estoriforme que, ao infiltrar o subcutâneo, assume aspecto em favo de mel, e imuno-histoquímica focalmente positiva para o CD34 (Figura 5). Diante dos dados apresentados, confirmou-se o diagnóstico de DFSP com margens cirúrgicas positivas. Foi realizada ampliação das margens com congelação, e o paciente, encaminhado para a radioterapia.
A progressão do DFSP é lenta durante longo período até a entrada em uma fase de rápido crescimento.15 Inicialmente, apresenta-se como uma placa endurecida, violácea ou acastanhada, fixa à pele, porém não ao subcutâneo. Após um período que pode variar de anos até décadas, ocorre o crescimento de múltiplos nódulos na placa, justificando o nome protuberans. O DFSP também pode surgir como um único nódulo cutâneo, porém trata-se de uma apresentação clínica incomum, sendo este o exemplo do caso apresentado.4,8 Na progressão para a fase tumoral, ou quando o mesmo já surge nessa fase, alguns diagnósticos diferenciais devem ser lembrados, como cistos epidérmicos, lipomas ou dermatofibromas.4
Algumas variantes clínicas são descritas na literatura, sendo as principais: a) lesões nodulares confluentes formando uma placa, muitas vezes semelhante a queloide; b) lesão tumoral; c) placa atrófica. Além disso, casos simulando cisto subcutâneo foram encontrados na literatura, com características clínicas semelhantes àquelas apresentadas pelo paciente.7,16,17
A apresentação cística é inusitada.18,19 Gelli, Urso e Reali apresentaram série de 27 casos de DFSP císticos observados em centro hospitalar na Itália durante um período de 14 anos.18 Shvartsbeyn et al mostraram por métodos moleculares que a linhagem das células que formavam a parte pseudocística dos DFSPs era a mesma da linhagem principal do tumor, permitindo confirmar o diagnóstico e ressaltar que a região do cisto era de origem neoplásica e não representava uma proliferação reacional secundária.19
O pilar do tratamento é a remoção cirúrgica completa com margens livres à microscopia óptica. Margens de 2cm são sugeridas na literatura e margens de 5cm podem chegar a menos de 5% de recorrência. Contudo, a morbidade é proporcional ao tamanho tumoral, o que pode acarretar aumento das complicações decorrentes do procedimento, como sangramentos e infecções da ferida cirúrgica.4,8,20 Além disso, o procedimento cirúrgico pode requerer técnicas reconstrutivas complexas e causar perda funcional ou cosmética.
Após a cirurgia, os pacientes devem ser acompanhados a cada seis meses nos primeiros três anos e anualmente após esse período. Inspeção e palpação da cicatriz cirúrgica são fundamentais.21
Radioterapia adjuvante é indicada nos casos com margem positiva quando nova cirurgia não é possível. O imatinibe (inibidor do receptor PDGF) tem sido usado como a primeira droga segura e efetiva na terapia sistêmica do DFSP. Lesões avaliadas inicialmente como tumores irressecáveis, com metástase na apresentação inicial ou com indicação de cirurgias mutilantes, são exemplos em que o uso dessa droga auxilia na redução e posterior excisão do tumor.3
Sabe-se que o aspecto cístico é mais comum em tumores de maior dimensão. A causa dessa transformação cística é desconhecida e acredita-se que represente um fenômeno degenerativo ao invés de uma variante histopatológica.19 Contudo, no paciente apresentado, o tumor apresentava tamanho reduzido.
A apresentação cística é raramente observada nos sarcomas em geral e deve ser considerada como uma modificação pseudocística, pois sarcomas, por serem oriundos da linhagem mesenquimal, não teriam tecido epitelial verdadeiro para formar a parede de um cisto. Outros sarcomas que podem se apresentar com formação cística são o sarcoma endometrial estromal, sarcoma pleurossinovial pulmonar e sarcoma fibroblástico do intestino delgado.19
Em tumores de alto grau, pode-se relacionar a porção cística a um quadro de degeneração, devido a áreas de isquemia ou necrose. Contudo, no caso apresentado, o tumor não possuía essas características como justificativa de sua morfologia. Portanto, é importante ressaltar o reconhecimento dessa forma de DFSP para evitar sua interpretação errônea como uma lesão cística benigna.
Laís Lopes Almeida Gomes | 0000-0001-5396-4362
Elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Raquel Nardelli de Araujo | 0000-0003-1443-1621
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Igor Eli Balassiano | 0000-0001-6229-097X
Concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Vando Barbosa de Souza | 0000-0002-9067-5153
Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Solange Cardoso Maciel Costa Silva | 0000-0003-0812-908X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
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