8034
Views
Open Access Peer-Reviewed
Diagnóstico por imagem

Melanoma sobre nevo spilus

Bruna Ramos da Silva1; Flávia Thomé França1; Nathalia Fahl Cicotti2; Maria Paula Barbieri D’elia2; Jorge Logan Furtado Costa3

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201233680

Data de recebimento: 21/07/2020
Data de aprovação: 07/09/2020

Agradecimentos: Ao Dr. Vinicius de Souza pela descrição dermatoscópica, à fotógrafa Eliete Soares do Departamento de Dermatologia da Universidade Estadual Paulista e ao Dr. Hamilton Stolf pelo incentivo.
Suporte Financeiro: Nenhum.
Conflito de Interesses: Nenhum.

Trabalho realizado no Depto de Dermatologia da FM-Unesp.


Abstract

O nevo spilus (NS), também chamado de nevo lentiginoso mosqueado ou nevus sobre nevus, é representado por mancha acastanhada sobre a qual surgem pequenas máculas de tons mais escuros. É mais comum no tronco e em membros inferiores. A prevalência na população geral é de 0,2% a 2,3% e tem caráter benigno. O risco exato para transformação maligna ainda é desconhecido, por isso demanda seguimento clínico-dermatoscópico rotineiro. Apresentamos um caso de melanoma maligno sobre nevo spilus adquirido, no qual foi realizada exérese precoce, sem recidiva, ressaltando a importância do acompanhamento desses pacientes.


Keywords: Melanoma; Nevo; Nevos e melanomas


INTRODUÇÃO

O nevo spilus (NS), também conhecido como nevus sobre nevus, apresenta-se como pequenas máculas e/ou pápulas hipercrômicas sobre mácula maior levemente acastanhada. O NS geralmente localiza-se no tronco e em membros inferiores, é clinicamente caracterizado por lesão única ou múltipla, podendo adquirir aspecto zosteriforme sobre o dermátomo. Pode ser congênito ou adquirido, sendo mais comum o aparecimento na infância, porém há relatos do surgimento em qualquer idade, e não há predisposição por um tipo de pele.1 A prevalência na população geral é de 0,2 a 2,3% e tem caráter benigno. Embora a transformação maligna seja rara, o NS deve ser acompanhado. O objetivo do presente artigo é relatar um paciente de 84 anos com nevo spilus com transformação maligna para melanoma.

 

RELATO DO CASO

Paciente masculino, caucasiano, 84 anos, acompanhado no Ambulatório de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Botucatu devido ao tratamento de quatro carcinomas basocelulares na face. Em 2005, durante consulta, observou-se na região lateral do tronco uma mancha irregular medindo 15 x 10cm de extensão, hiperpigmentada, de coloração café com leite, e sobre ela múltiplas máculas lenticulares marrom-escuras. No centro da mancha, notou-se mácula castanho-escura, assimétrica, com bordas irregulares, medindo 15mm no maior diâmetro (Figuras 1 e 2). À dermatoscopia, notava-se área de pigmentação irregular, contendo rede pigmentar atípica com espessamento e pontos de terminação abrupta (Figura 3). Ao exame físico, ausência de linfonodos palpáveis.

Por se tratar de lesão suspeita de malignidade, foi realizada excisão cirúrgica. O exame anatomopatológico revelou melanoma maligno extensivo superficial com evidente infiltrado linfocitário, nível de Clark III e índice de Breslow 0,4mm, associado a nevo juncional (Figuras 4 e 5).

O paciente seguiu em acompanhamento clínico com exame físico, dermatoscopia e exames para estadiamento tumoral, os quais resultaram sem alterações. Durante sete anos de seguimento, não houve alteração do nevo remanescente e/ou indícios de recidiva local ou metástase a distância. O paciente perdeu acompanhamento na Dermatologia a partir de 2012 e, em 2016, veio a óbito aos 95 anos por pneumonia, insuficiência cardíaca descompensada e insuficiência renal crônica agudizada.

 

DISCUSSÃO

O nevo spilus (NS) é uma mancha hiperpigmentada, resultante de hiperplasia melanocítica lentiginosa, composta por máculas menores de 1 a 3mm de tons mais escuros, gerando um aspecto mosqueado. Não há predileção por gênero ou raça, pode ser congênita ou adquirida. No entanto, sua etiologia permanece desconhecida.5 O primeiro relato de melanoma em NS foi em 19572. Desde então, menos de 40 casos foram publicados.4 No Brasil, foram encontrados dois relatos de caso de melanoma maligno no nevo spilus.3,4 Alguns estudos acreditam que o risco de malignização pode variar de 0,13 a 0,2%.13,14 As manchas mais escuras refletem, à microscopia, ninhos de células de nevo juncional, composto e intradérmico, mais raramente nevo Spitz e nevo azul.6

No seguimento destes pacientes é importante detectar elementos clínicos que sugiram maior risco para o desenvolvimento de melanoma. Rhodes e Mihm presumiram que lesões clinicamente irregulares poderiam estar associadas a características histopatológicas atípicas, designando-as como nevo spilus “displásico” e, assim, diferenciando-as do nevo spilus “típico”.10 No presente paciente, o nevo spilus era do tipo adquirido e apresentava uma lesão suspeita, representada pela mácula assimétrica, enegrecida, com bordas irregulares sobre o nevo. À dermatoscopia, evidenciava rede pigmentar irregular, com espessamento e pontos de terminação abrupta na periferia da lesão. A hipótese de malignidade foi confirmada pelo exame histopatológico, evidenciando melanoma extensivo superficial na área que correspondia à mácula, com vários tons de negro, observada clinicamente.

Há uma probabilidade de que o nevo spilus tenha maior risco de desenvolvimento de melanoma.7,8,9 Um aumento do risco de malignização seria teoricamente possível, por ser o nevo spilus um subtipo de nevo melanocítico congênito (NMC), ou seja, uma proliferação hamartomatosa de melanócitos. Ainda não há evidências de que a presença de pelos predisponha ao melanoma.6

No entanto, o nevo spilus parece ter um risco notavelmente menor de transformação maligna do que outros NMCs clássicos do mesmo tamanho. Uma das explicações seria que as células névicas deste último são encontradas em camadas mais profundas da derme. Além disso, sabe-se que, quanto maior número de melanócitos, maior potencial de degeneração maligna.6

Ainda não há na literatura um protocolo para manejo ou seguimento de nevo spilus.4 No caso apresentado, não houve recidiva ou metástase ao longo do seguimento. Os ensinamentos do presente relato e os demais publicados reforçam a importância do acompanhamento clínico associado à dermatoscopia para detecção e tratamento precoce de lesões malignas. É aconselhável ao paciente portador do nevo spilus o autoexame, com atenção à mudança na coloração ou a elementos irregulares. A biópsia excisional em lesões suspeitas de malignidade sobre o nevo é importantíssima para diagnóstico precoce do melanoma.9,12,15

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Bruna Ramos da Silva | 0000-0002-2912-0474
Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Nathalia Fahl Cicotti | 0000-0001-9893-8184
Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Jorge Logan Furtado Costa | 0000-0003-4312-7506
Elaboração e redação do manuscrito.

Flávia Thomé França | 0000-0003-0830-7317
Revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Maria Paula Barbieri D’elia | 0000-0003-1524-721X
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Fernandez-Flores A. Eponyms, morphology, and pathogenesis of some less mentioned types of melanocytic nevi. Am J Dermatopathol; 2012;34(6):607-18.

2. Perkinson NG. Melanoma arising in a café au lait spot of neurofibromatosis. Am J Surg. 1957;93(6):1018-20.

3. Tavoloni Braga JC, Gomes E, MacEdo MP, Pinto C, Duprat J, Begnami MD, et al. Early detection of melanoma arising within nevus spilus. J Am Acad Dermatol. 2014;70(2):e31-2.

4. De Brito MHTS, Fernandes CMBM, Rosa MJM de PM da C, Dionísio CSN de M, Ferreira JCM, Garcia MMAP da S. Synchronous melanomas arising within nevus spilus. An Bras Dermatol. 2017;92(1):107-9.

5. Vaidya DC, Schwartz RA, Janniger CK. Nevus spilus. Cutis. 2007;80(6):465-8.

6. Gathings RM, Reddy R, Bhatia AC, Brodell RT. Nevus spilus: is the presence of hair associated with an increased risk for melanoma?. Cutis. 2016;98(3):171-4.

7. Schaffer JV, Orlow SJ, Lazova R. Nevo lentiginoso salpicado: dentro do espectro de nevos melanocíticos congênitos. Arch Dermatol. 2001;137:172-8.

8. Singh S., Jain N., Khanna N. Nevo peludo spilus: uma série de casos. Pediatr Dermatol . 2013;30:100-4.

9. Haenssle HA, Kaune KM, Buhl T. Melanoma surgindo no nevo spilus segmentar: detecção por dermatoscopia digital seqüencial. J Am Acad Dermatol . 2009;61:337-41.

10. Yoneyama K, Kamada N, Mizoguchi M, Utani A, Kobayashi T, Shinkai H. Malignant melanoma and acquired dermal melanocytosis on congenital nevus spilus. J Dermatol. 2005;32(6):454-8.

11. Karam SL, Jackson SM. Malignant melanoma arising within nevus spilus. Skinmed. 2012;10(2):100-2.

12. Meguerditchian AN, Cheney RT, Kane JM. Nevus Spilus with synchronous melanomas: case report and literature review. J Cutan Med Surg. 2009;13(2):96-101.

13. Corradin MT, Giulioni E, Fiorentino R, Santeufemia DA, Re GL, Vettorello A. In situ malignant melanoma on nevus spilus in an elderly patient. Acta Dermatovenerol Alp Pannonica Adriat. 2014;23(1):17-9.

14. Corradin MT, Zattra E, Fiorentino R, Alaibac M, Belloni-Fortina A. Nevus spilus and melanoma: case report and review of the literature. J Cutan Med Surg. 2010;14(2):85-9.

15. Piana S, Gelli MC, Grenzi L, Ricci C, Gardini S, Piana S. Multifocal melanoma arising on nevus spilus. Int J Dermatol. 2006;45(11):1380-1.


Licença Creative Commons All content the journal, except where identified, is under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International license - ISSN-e 1984-8773