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Bioestimuladores e seus mecanismos de ação

Marisa Gonzaga da Cunha; Marcela Engracia; Luciana Gasques de Souza; Carlos D’Apparecida Machado Filho

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20201221424

Data de recebimento: 16/11/2019
Data de aprovação: 10/05/2020

Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina do ABC, Santo André (SP), Brasil


Abstract

No envelhecimento da pele, as alterações intrínsecas, secundárias à perda da regeneração celular, e extrínsecas, causadas pela exposição à radiação ultravioleta, podem ser observadas e alteram a arquitetura tecidual e as propriedades fisiológicas da pele. Tratamentos que restauram a produção de colágeno e estimulam os fibroblastos a sintetizar e organizar a matriz extracelular são críticos para a morfogênese, angiogênese e cicatrização. Potencial utilização de produtos que estimulam a produção de colágeno, que desempenha papel fundamental na matriz extracelular, representa perspectiva promissora para a melhoria da qualidade da pele e das propriedades mecânicas, introduzindo um novo conceito de abordagem terapêutica no tratamento de alterações causadas pelo envelhecimento da pele.


Keywords: Colágeno; Hidroxiapatita; Rejuvenescimento


INTRODUÇÃO

A manutenção da arquitetura tecidual e das propriedades fisiológicas da pele é atribuída à matriz extracelular do tecido conectivo, que compreende um grande número de componentes incluindo fibras colágenas e elásticas, macromoléculas de proteoglicanos e glicosaminoglicanos e várias glicoproteínas não colágeno.1

No processo de envelhecimento cutâneo, ocorrem tanto alterações intrínsecas secundárias à perda da capacidade de regeneração celular pela ação cronológica, com a derme se tornando relativamente acelular e avascular na senescência, quanto alterações extrínsecas, causadas principalmente pela exposição crônica à radiação ultravioleta.1,2

No envelhecimento cronológico, há o afinamento da espessura dérmica, que ocorre por mudanças bioquímicas e estruturais das fibras colágenas, elásticas e da substância fundamental.3,4 Há redução da síntese de colágeno e aumento de sua degradação devido ao aumento dos níveis de colagenase. O conteúdo de colágeno reduz-se ao longo da vida adulta, e as fibras remanescentes aparecem desorganizadas, mais compactas e granulosas, com maior número de crosslinks. A taxa dos tipos de colágeno também se altera, com predomínio do colágeno tipo I no jovem e do tipo III no idoso. As fibras elásticas diminuem em número e diâmetro. A quantidade de mucopolissacarídeos da substância fundamental está diminuída, especialmente a do ácido hialurônico. Essas mudanças influenciam negativamente o turgor da pele e também impactam sobre a deposição, orientação e tamanho das fibras de colágeno.4,5

No envelhecimento extrínseco, as alterações ocasionadas principalmente pela radiação solar afetam os componentes celulares dérmicos e a matriz extracelular, com acúmulo de fibras elásticas desorganizadas, fragmentação das fibras colágenas e redução na proporção entre os colágenos tipo I e tipo III,6,7que ocorrem tanto por ação direta da radiação sobre as fibras de colágeno quanto pelo aumento das metaloproteinases (principalmente a colagenase). Há ainda interrupção na síntese de colágeno novo, ocasionada pela interação alterada do fibroblasto com a matriz extracelular, que exerce um mecanismo inibitório sobre a colagênese.6,7

A habilidade das células residentes, como os fibroblastos, de sintetizar e organizar a matriz extracelular são críticas para a morfogênese, angiogênese e cicatrização da pele. Um dos mais importantes moduladores da expressão gênica do tecido conjuntivo é o fator transformador de crescimento do tipo β (TGF-β), um membro da família dos fatores de crescimento liberado por macrófagos, que estimula a expressão de vários genes da matriz extracelular, incluindo os que codificam os colágenos I, III, IV e V, aparentemente por meio da transformação do TGF-β em fator de crescimento do tecido conectivo (CTGF) no fibroblasto. Esses fatores de crescimento têm seus níveis reduzidos no processo de envelhecimento.8 A liberação destes fatores pelos macrófagos seria o mecanismo proposto para a estimulação da produção de colágeno, tanto no processo cicatricial quanto após tratamentos com aplicação de bioestimuladores, que atuam por meio da indução de uma resposta inflamatória tecidual.5,9,10

Bioestimulação é a habilidade de um polímero gerar benefício celular ou resposta tecidual em uma aplicação clínica particular, por meio de uma resposta inflamatória controlada desejada, que leva à lenta degradação do material e culmina com a deposição de colágeno no tecido, condicionada pelas propriedades do biomaterial, as características do paciente e a técnica pela qual o polímero foi injetado no tecido.11 Os materiais utilizados como bioestimuladores terão biocompatibilidade diferente de acordo com uma variedade de fatores físico-químicos como a sua composição química, tamanho de partícula, forma física, ângulos de contato, estrutura, tensão de superfície e cargas superficiais. Por exemplo, partículas com poros ou superfície irregular são potencialmente mais reativas e podem iniciar uma resposta inflamatória, enquanto as lisas são encapsuladas por tecido fibroso na indução da resposta de corpo estranho regulada pelo Protease Activated Receptor 2 (PAR 2), uma proteína envolvida na proliferação celular e na regulação da resposta inflamatória aguda.12 Microesferas com diâmetros entre 0,5 e 20μ m são fagocitadas por uma variedade de células que resulta numa cascata de citoquinas caracterizadas pela produção de fator de necrose tumoral α (TNFα) e interleucinas IL-1 e IL, enquanto as partículas com diâmetros maiores não são fagocitadas e não induzem a produção de TNFα.13,14 O processo de degradação do polímero que constitui o implante também deve ser considerado, pois varia com sua massa molar, sua composição, estória térmica, estrutura cristalina e quantidade de polímero aplicada. Os monômeros correspondentes ou os produtos gerados a partir deles, num ambiente aquoso, também sofrem ação metabólica em organismos vivos e podem gerar uma resposta biológica.12-15 A degradação do biomaterial deverá resultar em moléculas não reativas, pois seus produtos de degradação não podem causar estimulação de células inflamatórias, especialmente macrófagos e células gigantes, ou interferir na sua biocompatibilidade.12 A pesquisa de substâncias para preenchedores de tecidos moles que não evoquem uma resposta inflamatória importante tem levado à utilização de uma variedade de biomateriais.

A formação de cápsula e infiltração celular inflamatória são características da reação de corpo estranho ao biomaterial e, dependendo de suas propriedades de superfície, proteínas extracelulares distintas podem ser anexadas.16,17 A combinação destas proteínas e suas concentrações determinam o comportamento celular.18 Proteínas do hospedeiro que são absorvidas pela superfície do biomaterial incluem albumina, fragmentos de complemento, fibrinogênio, fibronectina, imunoglobulina G e vitronectina.19,20 Fibrinogênio, complemento e vitronectina são reconhecidos pelos receptores de macrófagos e neutrófilos.21 Para estimular a migração celular inflamatória, os mastócitos liberam histamina.20,22 Monócitos e células Th2 helper infiltram o tecido. Monócitos se transformam em macrófagos liberando chemoattractants que atraem mais macrófagos em torno do biomaterial. Plaquetas e macrófagos produzem platelet-derived growth factor (PDGF) e transforming growth factor beta (TGFβ), que promovem a migração de fibroblastos.22 O TGFβ parece ser o mediador para a síntese de colágeno, assim como para a diferenciação dos fibroblastos a miofibroblastos, a alpha smooth muscleactin (aSMA)-rich, sua forma contráctil. O PDGF promove a proliferação de miofibroblastos.23 Macrófagos fundem-se sob a influência das IL-4 e IL-13 formando células gigantes de corpo estranho, caso o material não possa ser fagocitado. Numa condição alternativa, os macrófagos produzem fatores pró-fibróticos, como TGFβ1 e PDGF, que estimulam os fibroblastos a produzir colágeno, levando à formação de uma cápsula que envolve o material.23,24

Há inicialmente a deposição de fibras de colágeno tipo III em torno das microesferas do bioestimulador, com uma resposta tecidual fibroblástica e deposição de colágeno tipo I na periferia. Com o passar dos meses, há um processo de remodelação do colágeno do tipo III, que resulta no predomínio de colágeno tipo I no tecido neoformado.25,26 A fase de maturação começa com a reticulação do colágeno, que acarretará a sua contração e ajustamento da rede, com devolução da força tensora ao tecido.26

A fusão celular e a formação de células gigantes é uma adaptação às dificuldades na eliminação do corpo estranho. Na reação de corpo estranho esperada e fisiológica, o biomaterial é reconhecido pelo hospedeiro, com ativação dos monócitos circulantes. Uma vez ativados, estes se aderem firmemente ao substrato, liberando proteínas que iniciam um reconhecimento específico nos receptores da superfície celular, que determinam uma esperada resposta inflamatória. Porém, alguns fatores podem modificar esta resposta fisiológica, atraindo células de Langerhans e linfócitos, originando uma reação de corpo estranho patológica: composição química; tamanho e volume das partículas; morfologia do implante (partículas de formato irregular ativam mais prostaglandinas E2 e fator de necrose tumoral); área superficial; carga elétrica e local de implantação, incluindo aqui a resposta individual do hospedeiro.16

A potencial utilização de produtos que estimulem a produção de colágeno, componente fundamental para as propriedades da matriz extracelular, representa atualmente uma importante perspectiva de tratamento para a melhora da qualidade da pele e de suas propriedades mecânicas, abrindo um novo conceito para a abordagem terapêutica das mudanças ocasionadas pelo envelhecimento cutâneo. Dentre os biomateriais, o ácido poli-L-lático e a hidroxiapatita destacam-se devido a suas características de biocompatibilidade e biorreabsorção, além de terem mecanismos de ação mais estudados e conhecidos sendo, portanto, os produtos mais largamente utilizados.

Para implantes, de uma maneira geral, as características do hospedeiro também contribuem para as respostas variáveis na interação entre o biomaterial e a resposta do organismo13, que determinarão a quantidade de colágeno, variável de acordo com idade, sexo, saúde geral, doenças concomitantes, estilo de vida e status farmacológico do paciente.

 

OBJETIVO

Fazer uma revisão dos artigos disponíveis a respeito do ácido poli-L-lático (PLLA) e da hidroxiapatita de cálcio (CaHA), destacando seus diferentes mecanismos de ação e suas indicações terapêuticas.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizada uma busca de artigos publicados na língua inglesa no site PUBMED, com as palavras-chave: poly-l-lactic acid, calcium hydroxyapatite, bioestimulator, neocollagenesis e collagen.

 

RESULTADOS

Foram escolhidos 29 artigos que tratavam especificamente sobre os bioestimuladores, sendo que 10 artigos diziam respeito ao uso clínico do ácido poli-L-lático e nove, ao uso clínico da hidroxiapatita de cálcio. Apenas um artigo citava as indicações clínicas dos dois produtos conjuntamente, porém não de maneira comparativa. A respeito dos mecanismos de ação propriamente dito, foram publicados três artigos sobre o PLLA e cinco artigos sobre CaHA. Na introdução deste artigo, discutimos a resposta biológica aos bioestimuladores, numa revisão de 10 artigos pertinentes ao tema.

 

DISCUSSÃO

Ácido poli-L-lático

O PLLA injetável tem sido aplicado como um preenchedor cosmético desde 1999 para correção das perdas volumétricas faciais e cutâneas causadas pelo envelhecimento de maneira gradual, progressiva e prolongada, promovendo resultados naturais e harmoniosos, com baixos riscos de efeitos adversos.15,27

É um polímero de molécula pesada (140kD), da família dos ácidos α-hidróxidos, derivado do ácido láctico, com propriedade de auto-organização e formação de micelas coloidais em meio aquoso, apresentado na forma de partículas esféricas de superfície lisa, dispersas como pó liofilizado em frasco estéril, adicionado a 4,45% de carmelose sódica e 2,67% de manitol não pirogênico. Deve ser diluído em 8ml de água destilada de 24 a 72 horas antes da implantação. O veículo aquoso será absorvido em 24 a 48 horas.23,26

As microesferas de PLLA têm tamanhos mais uniformes, entre 40 a 63μm de diâmetro, e atuam como substrato que promoverá uma apropriada atividade celular, induzindo ou facilitando a sinalização molecular e/ou mecânica, no sentido de otimizar a regeneração tecidual sem causar qualquer resposta deletéria local ou sistêmica ao hospedeiro.

O PLLA é considerado de superior biocompatibilidade, pois embora possa ser afetado por enzimas teciduais e outras espécies químicas como superóxidos e radicais livres, sua via de degradação ocorre por hidrólise não enzimática, formando inicialmente monômeros e dímeros solúveis em água e fagocitados por macrófagos, metabolizados em CO2 (eliminado por via respiratória), H2O, ou incorporados à glucose. Sua meia-vida estimada é 31 dias e é totalmente eliminado do organismo após 18 meses.15,28 É considerado um material biorreabsorvível, pois sua degradação ocorre por meio da diminuição no tamanho da molécula, seus metabólitos são absorvidos in vivo e eliminados por rotas metabólicas de maneira completa.

Após a implantação de PLLA na derme reticular profunda ou na hipoderme superficial, a reação normal inicia-se com o ferimento da injeção, embora mínimo. A liberação de plaquetas na matriz extracelular libera fatores homeostáticos e quimiotáticos que atraem fibroblastos, além de neutrófilos e monócitos da circulação. Duas horas após a injeção, a fase inflamatória inicia-se. Neutrófilos ativados começam a fagocitar o corpo estranho e a secretar citoquinas e enzimas proteolíticas. Aparece o edema para facilitar a migração celular. Monócitos transformam-se em macrófagos para eliminar neutrófilos apoptóticos e partículas muito grandes para serem fagocitadas. Entre sete e 10 dias após a introdução do implante, o nível de fusão de macrófagos aumenta com a redução associada do número de células apoptóticas e ocorre uma leve resposta inflamatória inicial com reação de corpo estranho, em que os macrófagos se fundem em células gigantes para tentar fagocitar as partículas. Os macrófagos também secretam fatores de crescimento para iniciar a fase proliferativa de reconstrução.23,28

Os fibroblastos secretam componentes da matriz extracelular, inicialmente colágeno tipo I, a mais abundante proteína estrutural da matriz extracelular dérmica, que tem um papel primordial na tensão e resiliência da pele, acompanhada pela produção em menor grau de colágeno tipo III. Esta neocolagênese é seguida de marcada atividade e proliferação fibroblástica, com gradual deposição de mais fibras de colágeno e a formação de tecido fibroso vascularizado maduro, acompanhada pela degradação do PLLA, sem indicação de resposta inflamatória aguda.28

Desta maneira, os fibroblastos isolam o implante com uma cápsula colágena fibrosa, que gradualmente será substituída por fibrócitos, e cada partícula estranha será finalmente encapsulada independentemente das outras. À medida que o PLLA vai sendo degradado, a resposta do tecido conectivo em torno do implante resulta em um preenchimento gradual com novas fibras de colágeno no local que este ocupava originalmente. Essa fibroplasia produz o resultado cosmético desejado, com aumento de espessura da derme.23,28

O novo colágeno começa a se formar após um mês e continua a aumentar por período de nove meses a um ano. O aumento tecidual PLLA-induzido foi baseado na formação de cápsula, orquestrando macrófagos, mio e fibroblastos, e substancial deposição de colágeno tipo III próximo às partículas e colágeno tipo I na periferia do PLLA encapsulado. Há a expressão dos genes relacionados ao metabolismo do colágeno, com a presença de macrófagos CD68(+) próximos às partículas de PLLA, de fibroblastos CD 90(+) αSMApositivo, que indicam presença de miofibroblastos e neovascularização. A expressão do mRNA para transcrição de colágeno tipos I e III e fatores de crescimento TGFβ1 e TIMP1 estão significativamente elevados.23

No sexto mês, muitas partículas tornam-se porosas, pela degradação enzimática, e circundadas por macrófagos. Ao final desse período, devido ao processo de remodelação, há o predomínio de colágeno tipo I, e os fibroblastos αSMApositivo, assim como as partículas de PLLA, desaparecem.15,23 Quantitativamente, há um aumento estatisticamente significativo de colágeno tipo I, sem aumento significante de colágeno tipo III após o tratamento, e a resposta inflamatória após o tratamento está ausente ou com baixa intensidade após três e seis meses e ausente aos 12 meses.20 O efeito de neocolagênese continua muitos meses após a injeção do produto.18 A fase de maturação começa com a reticulação do colágeno, que acarretará a sua contração e ajustamento da rede, com devolução da força tensora ao tecido.28

Hidroxiapatita de cálcio

O implante de hidroxiapatita de cálcio (CaHA) como bioestimulador teve seu uso aprovado pela US Food and Drug Administration (FDA) em 2006 para correção de rugas e sulcos faciais e na reposição volumétrica em pacientes com lipodistrofia facial associada ao vírus do HIV.29 Em 2009, a FDA aprovou um protocolo que incluía lidocaína ao composto com CaHa para melhor conforto durante a aplicação. Desde 2016, o implante de CaHA já adicionado à lidocaína tornou-se uma formulação disponível para utilização na Europa.30

A CaHA é uma substância sintética composta por íons cálcio e fosfato, biodegradável, biocompatível, não mutagênica, sem evidência de toxicidade local e sistêmica. Sua composição química é similar à dos constituintes inorgânicos de ossos e dentes e se decompõe da mesma forma que debris ósseos após fraturas, o que garante sua biocompatibilidade e segurança.30,31

A CaHA corresponde a um grupo de compostos com fórmula química Ca10(PO4)6(OH)2, que variam significativamente na sua estrutura tridimensional e no seu comportamento biológico nos tecidos. As partículas de CaHA biologicamente ativas são geralmente subdivididas em macroporosas e microporosas. As moléculas macroporosas de CaHA sintéticas têm uma estrutura altamente organizada com tamanhos de poros que variam entre 10 e 500μm. Poros maiores podem ser osteocondutivos e permitem o crescimento fibrovascular dentro das partículas. Partículas de CaHA microporosas, por outro lado, têm poros menores que variam entre 2 e 5μm, que não permitem este crescimento fibrovascular.25

As partículas de CaHA com microporos, no composto utilizado comercialmente como bioestimulador, apresentam diâmetros entre 25 e 45μ m e correspondem a 30% da formulação. Estão suspensas em um gel carreador estéril, não pirogênico, composto por água altamente purificada, glicerina e carboximetil celulose sódica, que equivalem a 70% do volume final.26,31

O gel carreador é coesivo e possui alta viscosidade e elasticidade, propriedades que permitem uma alta integração aos tecidos e garantem fácil manipulação. O produto final constituído pelo gel e pelas partículas de CaHA tem demonstrado eficácia, segurança e boa tolerabilidade.25,26

Após a implantação do produto, a sua ação imediata é produzir um efeito preenchedor para volumização de partes moles, com uma taxa de correção do defeito de 1:1, o que evita sobrecorreções. Durante alguns meses após a aplicação (cerca de dois a quatro meses), as partículas da carboximetil celulose sofrem um colapso gradual até que a fagocitose promova sua reabsorção completa.26,30,31 O efeito volumizador imediato não é necessário para induzir a neocolagênese.

O volume inicial do gel será gradualmente substituído pelo colágeno neoformado31-32, uma vez que as pequenas microesferas de CaHA depositadas atuam como um alicerce, que ativa os fibroblastos por estiramento e sustenta o novo tecido em formação, com subsequente neoformação de colágeno.26,30,31 Este processo inicia-se em até quatro semanas e perdura por cerca de 12 meses. Porém, os efeitos clínicos da CaHA podem durar de um a três anos. 29,30

Além do mecanismo de estímulo da atividade macrofágica inicial, associada ao gel de carboximetil celulose sódica, que determina a formação da cápsula fibrosa em torno das microesferas individuais e parece ser de mínima intensidade, sem resposta inflamatória importante,34 são descritos mecanismos adicionais em resposta à implantação das microesferas de CaHA como: estiramento de fibroblastos, destruição tecidual local e aumento da produção de citocinas, tais como o TGFβ.29 As microesferas estabilizariam a estrutura tridimensional da matriz extracelular, facilitando a aderência dos fibroblastos às fibras dérmicas, tornando-a similar à da pele jovem. Dessa forma, restabelecer-se-iam a arquitetura e a disposição original do colágeno, que sustentam o crescimento de fibroblastos e a formação de colágeno novo sem calcificações, induzindo fisiologicamente a neocolagênese por um processo em que o colágeno tipo I gradualmente substituiria o colágeno tipo III.31

Foi demonstrada também a deposição de elastina após quatro e nove meses da aplicação do implante e houve um aumento significativo e progressivo do Ki-67 (um marcador de proliferação celular de células produtoras de colágeno com consequente remodelamento da matriz extracelular).26,28,29

Houve aumento na densidade de CD34 (marcador de angiogênese), o que sugere que a formação do novo tecido está acompanhada do aumento do fluxo sanguíneo e melhor delivery de nutrientes para a pele, vitais para o suprimento da derme em reparo e remodelamento e sem acentuar uma resposta inflamatória.28,30

Visualizamos, gradativamente, uma estrutura dérmica mais uniforme, com um arranjo mais denso e linear das fibras nas camadas superficial e profunda, que produz uma melhora na qualidade da pele, que se torna mais elástica e firme, além do aumento na espessura da derme. Como resultado, temos uma maior eficácia no tratamento de sulcos e rugas com maior durabilidade dos efeitos clínicos estéticos.26,29,30

Nesta fase, há pequena quantidade de colágeno tipo III e predomínio do colágeno tipo I devido à remodelação tecidual que, associado ao aumento das fibras elásticas, resulta numa maior força tensora tecidual e maior elasticidade.26,34

Além disso, durante o envelhecimento natural da pele, as fibras de colágeno se tornam irregulares e desorganizadas. Os fragmentos de colágeno acumulados aliados à falta de estrutura tridimensional dessas fibras interferem negativamente na sua aderência, afetando a função do fibroblasto.31 Clinicamente, isso pode ser visto pela acentuação de sulcos faciais e atrofia da pele.29 Após a aplicação da CaHA, as microesferas estabilizam a aderência do fibroblasto, tornando-a similar à da pele jovem. Dessa forma, restabelecem-se a arquitetura e disposição original do colágeno.

Em relação ao plano de aplicação da CaHA, em estudos histológicos comparativos realizados em animais, entre injeção intradérmica e subdérmica quanto à produção de colágeno resultante, foi constatado que as aplicações intradérmicas produzem maior quantidade de colágeno, embora ocorra também maior índice de nodulações do que em plano subdérmico.31 No entanto, ainda não existem evidências de que isso acarrete uma melhor eficácia clínica.

Em estudo realizado para avaliar a produção quantitativa de colágeno em relação às semanas 4, 16, 32, 52 e 78 após aplicação de CaHA, observou-se um aumento imediato na semana quatro, maior do que na semana 16, explicado pela formação de cicatriz inicial ou edema tecidual. Em seguida, ocorre aumento progressivo até a semana 78.31

Análises imuno-histoquímicas e histomorfológicas de biópsias de peles tratadas com CaHA com duas aplicações (na baseline e aos quatro meses) demonstraram aumento significante na expressão de colágeno I nas análises de quatro e sete meses após a primeira aplicação, comparadas com a baseline. Quanto ao colágeno tipo III, observou-se aumento em quatro meses com posterior diminuição em sua concentração aos sete meses, porém ainda acima da baseline.29

Esses achados estiveram associados à melhora da elasticidade e flexibilidade da pele mensurados através de cutometria, técnica que utiliza um instrumento de sucção não invasivo que mede a deformidade vertical da superfície da pele e quantifica sua extensibilidade, distensão retardada, deformidade e retração final.29

Imagens ao ultrassom demonstraram aumento na espessura da derme estatisticamente relevante, de 1462,3mm na baseline para 1642,8mm após quatro meses (p<0,01), com crescimento progressivo após segundo tratamento, chegando a valores de 1865,9mm aos sete meses.29

Por volta dos seis meses após a injeção do biomaterial, ao lado da deposição do novo colágeno em torno e eventualmente dentro das microesferas, a superfície das partículas se torna ligeiramente irregular. Com o passar do tempo, após o gel carreador ser totalmente metabolizado, as microesferas tornam-se particuladas e distribuídas tanto no espaço intra quanto extracelular. A CaHA é metabolizada por meio de um mecanismo homeostático normal que, naturalmente, ocorre no organismo via fagocitose por macrófagos, semelhante à degradação de pequenos fragmentos ósseos, resultando em íons cálcio e fosfato, que são eliminados por rotas metabólicas normais, e que levam ao desaparecimento total das partículas após cerca de 18 meses.

 

CONCLUSÃO

Implicações clínicas do mecanismo de ação dos bioestimuladores

O mecanismo de ação dos bioestimuladores tem importantes implicações práticas, incluindo a forma de aplicação, a otimização dos resultados e a minimização dos efeitos adversos do produto.35 Sua aplicação na pele permite a correção de flacidez cutânea e rugas pelo aumento gradual do volume tecidual.36,37 Cada tratamento levará à formação de colágeno, e a magnitude dependerá da concentração e do volume utilizados, que devem ser individualizados. As injeções subsequentes promovem a estimulação contínua da resposta tecidual, com deposição de mais matriz extracelular e resultante melhora da flacidez cutânea e do contorno facial.

Diferentemente do ácido poli-L-lático, a CaHA quando aplicada apresenta efeitos imediatos devido ao gel carreador.35 A glicerina presente no gel pode causar um edema pronunciado, porém temporário, de 24 a 72 horas.36 Como o gel carreador apresenta altas viscosidade, densidade e coesividade, torna-se um produto adequado para elevação dos tecidos e melhoria imediata do contorno facial. Também é considerado um agente ideal para aplicação supraperiosteal, podendo ser utilizado para repor volume em áreas de reabsorção óssea.36,37

Como os resultados da implantação do biomaterial podem não ser evidentes durante semanas, é importante esperar que a resposta biológica entre as aplicações aconteça. A aplicação de tratamentos adicionais deve ser feita em intervalos de pelo menos quatro semanas, para que não haja hipercorreção.35 O tempo de resposta e o grau de correção dependem basicamente das características de cada paciente, que variam de acordo com a idade, o sexo, a qualidade da pele, o fototipo e a alimentação.

Em relação ao plano de aplicação de ambos os produtos, estudos histológicos realizados em animais, comparando a produção de colágeno resultante após as injeções intradérmicas e subdérmicas dos bioestimuladores, demonstraram que as aplicações intradérmicas produzem maior quantidade de colágeno2, porém também determinam maior índice de ondulações e formação de nódulos por acúmulo de produto, geralmente palpáveis e não visíveis, que respondem bem ao tratamento conservador com massagem digital ou com infiltração de soro fisiológico ou lidocaína.37,38

Na comparação entre os dois produtos, o PLLA deve ser hidratado com antecedência de horas, enquanto a CaHA pode ser aplicada diretamente ou com a adição de lidocaína no momento da utilização. A CaHA apresenta um efeito volumizador imediato e mantido, porém pode apresentar um importante edema nas primeiras 24 a 48 horas, por reação à glicerina presente no gel carreador, enquanto no PLLA o efeito apresentado logo após a aplicação se deve ao volume do diluente e desaparece com a sua absorção em 24 a 48 horas. O seu efeito é tardio e gradual, só voltando a ser percebido quando se inicia o espessamento dérmico resultante da neocolagênese. Ambos os produtos apresentam bons resultados clínicos comprovados e mantidos por longos períodos, com a formação de colágeno tipo I e em menor quantidade de colágeno tipo III.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Marisa Gonzaga da Cunha | 0000-0002-4186-0643
Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.

Marcela Engracia | 0000-0001-5561-2969
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Luciana Gasques de Souza | 0000-0001-5160-7572
Revisão crítica do manuscrito.

Carlos D’Apparecida Machado Filho | 0000-0003-4362-1563
Aprovação da versão final do manuscrito.

 

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