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Artigo Original

Avaliação da qualidade de vida de pacientes com hidradenite supurativa em uso de adalimumabe: estudo-piloto

Bárbara Álvares Salum Ximenes; Luiz Fernando Froes Fleury Junior; Taiane Medeiros Terra; Ana Maria Quinteiro Ribeiro; Rafael Ferreira Junqueira; Alexandra Sousa Freire; Flávia Tandaya Grandi Miranda; Marina Dumont Palmerston Peres

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191131240

Data de recebimento: 25/03/2019
Data de aprovação: 20/06/2019


Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás – Goiânia (GO), Brasil
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

INTRODUÇÃO: A hidradenite supurativa (HS) é uma doença de pele crônica, cujo mecanismo ainda não está totalmente esclarecido. Exerce impacto direto na qualidade de vida dos pacientes acometidos, mas não há uma terapia bem estabelecida para seu tratamento.
OBJETIVO: Avaliar a qualidade de vida dos pacientes com diagnóstico de HS em uso de adalimumabe por meio do questionário Dermatology Life Quality Index (DLQI).
MÉTODOS: Foram coletadas informações de pacientes portadores de HS em uso de adalimumabe, e utilizados questionários- padrão do DLQI, aplicados antes do início do tratamento e no mínimo 12 semanas após.
RESULTADOS: Dos três pacientes inclusos, dois apresentaram diminuição do DLQI. Dos dois, um apresentou melhora importante após o tratamento com o adalimumabe. O terceiro paciente demonstrou piora desse índice.
CONCLUSÕES: O impacto da hidradenite supurativa na qualidade de vida dos pacientes acometidos é importante e está relacionado a outros fatores além da terapêutica adequada. Hábitos de vida, como tabagismo e etilismo, além da presença de outras comorbidades, provavelmente exercem impacto nesses índices. Os pacientes acometidos devem ser avaliados de forma global, a fim de se determinar o real impacto na qualidade de vida relacionado à doença em questão. Para isso, sugerimos novos estudos com um número maior de pacientes.


Keywords: Hidradenite supurativa; Qualidade de vida; Indicadores de qualidade de vida


INTRODUÇÃO

A hidradenite supurativa (HS), ou acne inversa, é uma doença de pele crônica, de caráter inflamatório, recorrente e debilitante, que acomete o folículo piloso. Na maioria das vezes, a doença se apresenta após a puberdade, com lesões dolorosas, profundas e inflamadas nas áreas com representatividade de glândulas apócrinas, principalmente axilas, região inguinal e anogenital.1,2

O mecanismo inflamatório preciso que leva às lesões de HS ainda não é totalmente conhecido. É considerado que o evento patogênico central é a oclusão das partes superiores do folículo piloso, levando a uma inflamação linfo-histiocítica perifolicular. O estímulo de células inflamatórias por produtos microbianos ativadores de TLR2 pode ser um fator desencadeante importante no processo inflamatório crônico. Conta-se, ainda, com o papel pró-inflamatório das citocinas IL-12, IL-23 e IL-17.1,2

Os critérios primários para o diagnóstico de HS incluem lesões recorrentes, dolorosas ou supuradas, mais de duas vezes em seis meses, caracterizadas por nódulos, sinus tracts, abscessos ou cicatrizes nas axilas, área genitofemoral, períneo, glúteos e região inframamária. Os critérios secundários incluem história familiar positiva e microbiota cutânea normal nas áreas acometidas.1,2

Não existe uma terapia bem estabelecida e universalmente aceita para o tratamento da HS. As opções terapêuticas atuais incluem antibióticos, retinoides, tratamento imunossupressor, cirurgia e, mais recentemente, agentes biológicos, como o adalimumabe e infliximabe.2

A determinação de resposta ao tratamento pode ser um desafio devido às limitações dos métodos atualmente disponíveis para avaliar a atividade da doença.3 Diversos critérios já foram propostos para classificar e avaliar a gravidade da HS. A classificação de Hurley separa os pacientes em três grupos com diferentes níveis de gravidade, porém faz uma classificação apenas qualitativa das lesões, não sendo adequada para avaliar eficácia das intervenções em ensaios clínicos. O escore de Sartorius, por sua vez, avalia a gravidade da HS de forma mais detalhada e dinâmica, porém pode ser falho nos casos graves em que lesões inicialmente separadas tornam-se confluentes. Além disso, inclui lesões que podem não ser sensíveis a tratamentos clínicos, não sendo ideal para avaliação da eficácia terapêutica. Já o Physician Global Assessment (PGA) divide a doença em seis estágios diferentes, e tem sido o critério usado com mais frequência para avaliar melhora em ensaios clínicos. A fim de resolver os problemas citados, desenvolveu-se o Hidradenitis Suppurativa Clinical Response (HiSCR), que leva em consideração melhorias na atividade da doença, simplifica o processo de pontuação e aumenta a sensibilidade para identificação de lesões específicas de HS.3

Por sua vez, a influência da HS na qualidade de vida dos pacientes acometidos pode ser bem avaliada por um parâmetro amplamente utilizado em diversas afecções da pele, o Dermatology Life Quality Index (DLQI). Este questionário visa medir quanto o acometimento cutâneo influenciou nas atividades diárias e relações interpessoais na última semana. Associado aos questionários já citados, pode ser uma ferramenta útil para o acompanhamento dos pacientes não só na prática clínica, mas também na avaliação dos pacientes em ensaios clínicos.4,5

 

MÉTODOS

Foram coletadas informações de pacientes portadores de HS em uso de adalimumabe acompanhados no Ambulatório de Dermatologia em um hospital de referência, entre 18 e 60 anos de idade, de ambos os sexos, classificados como Hurley II ou III, ou com lesões refratárias a três meses de antibioticoterapia ou à terapia com dose alvo de isotretinoína. Os pacientes que fizeram uso de isotretinoína não haviam conseguido liberação ou apresentavam contraindicações para o uso de acitretina. Foram utilizados questionários-padrão do DLQI, aplicados antes do início do tratamento com adalimumabe e pelo menos 12 semanas após o início do tratamento. Também foram avaliados peso, índice de massa corporal(IMC), presença de comorbidades e hábitos de vida (tabagismo, etilismo, sedentarismo).

Foram excluídos desse estudo-piloto indivíduos com idade inferior a 18 anos e superior a 60 anos de idade, mulheres gestantes ou com este desejo nos próximos quatro meses, pacientes em uso de adalimumabe em esquemas diferentes do descrito em bula para tratamento de HS: 160mg no D1, ou duas injeções de 40mg por dia durante dois dias consecutivos – D1 e D2, seguidas de 80mg em D15 e em D29, seguindo-se uma dose de 40mg por semana. Também foram excluídos pacientes que não concordaram em participar do estudo ou não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

 

RESULTADOS

Dentre os 14 pacientes com diagnóstico de HS em acompanhamento regular no Ambulatório de Dermatologia de um hospital de referência, quatro foram selecionados para o uso de adalimumabe. Um desses pacientes foi excluído do trabalho por não ter feito a dose de indução conforme proposto.

Após a exclusão, foram avaliados três pacientes em uso de adalimumabe para tratamento de HS. Dois pacientes eram estadiados como Hurley 3 e um como Hurley 2. Um paciente apresentava lesões inguinais e perineais, um apresentava lesões inguinais e axilares e o último apresentava lesões nas regiões inguinais, axilares e também na região retroauricular. Duas pacientes eram do sexo feminino e um paciente do sexo masculino, todos com idade entre 37 e 38 anos. Um paciente encontrava-se com peso adequado para a altura, um paciente com sobrepeso e um com obesidade grau I. Dois pacientes eram tabagistas e nenhum apresentava história de etilismo. Apenas um paciente apresentava outras comorbidades (osteoartrose). Todos apresentavam DLQI maior que 10 antes do início do tratamento, sendo que um apresentou queda de 16 pontos nesse índice após 20 semanas de tratamento, um apresentou queda de um ponto após 32 semanas de tratamento, e outro aumento de sete pontos após 48 semanas de tratamento (Tabela 1).

 

DISCUSSÃO

Nos pacientes avaliados, a HS exerceu impacto importante em todos os subdomínios do DLQI, mas chama a atenção o valor atribuído aos sintomas e sentimentos e à intervenção nas atividades diárias.5,6 Esse impacto parece ser mais importante do que aquele existente em pacientes com outras doenças cutâneas comumente relacionadas à piora na qualidade de vida, como urticária crônica, psoríase, dermatite atópica e neurofibromatose.6 Isso porque todos os pacientes apresentavam DLQI maior que 10, o que significa grande efeito da condição cutânea na qualidade de vida. Ainda em comparação com outras doenças cutâneas nas quais o uso de imunobiológicos pode levar até a remissão completa do quadro, elevando o nível de qualidade de vida dos pacientes a ponto de zerar o DLQI, esse nível de intervenção não é observado naqueles pacientes com HS em uso de adalimumabe, que mantiveram o índice maior que 10 durante todo o curso do tratamento, mesmo que com alguma melhora da qualidade de vida.

Observamos, ainda que não avaliado de forma objetiva, o sentimento de frustração naqueles pacientes que não apresentaram melhora significativa na qualidade de vida. O mesmo foi observado naqueles pacientes cuja resposta ao tratamento não correspondeu à expectativa criada inicialmente.

Outro ponto notado foi a dificuldade de entendimento do questionário aplicado. No caso em que o paciente não apresentou boa compreensão do que foi interrogado, utilizar o DLQI como um parâmetro de resposta pode não ter sido adequado, sendo um viés para considerar que realmente houve piora desse índice em um dos avaliados.

Como era esperado, o impacto da HS na qualidade de vida se correlacionou com a gravidade do acometimento cutâneo7,8, com piora no DLQI daquele paciente que apresentava lesões em regiões mais expostas e com a história de tabagismo, sendo a única paciente não fumante a que apresentou resposta mais importante após o uso do adalimumabe.

 

CONCLUSÕES

A pele desempenha um papel crucial nas relações interpessoais, na autoestima e na percepção da autoimagem e da imagem pública, uma vez que é a maior e mais visível parte do corpo humano.5,9 Portanto, devido ao caráter da doença, muitos pacientes com HS têm que lidar com depressão e constrangimento. Além disso, a dor, comumente relatada, a febre e a fadiga podem impedir que os indivíduos realizem tarefas comuns.1

A coleta de dados de linha de base com respeito ao impacto pessoal da hidradenite supurativa é um primeiro passo necessário para determinar até que ponto as intervenções adotadas melhoram a qualidade de vida dos pacientes com HS.4 Deve-se trabalhar a expectativa do paciente em relação ao tratamento.

A escolha do uso do adalimumabe para tratamento de lesões graves ou refratárias a outras terapêuticas deve levar em consideração os riscos e cuidados envolvidos no uso de um imunobiológico. Além disso, muitas vezes essa linha é vista pelos pacientes como uma última oportunidade de tratamento, o que pode aumentar a frustração e piorar a qualidade de vida em casos que não respondem como esperado, ou melhorar consideravelmente a qualidade de vida daqueles com boa resposta.

Dessa forma, as informações obtidas nesta pesquisa certamente contribuirão para ampliar o conhecimento sobre o assunto, permitindo estruturar melhor a abordagem, levando em conta um melhor atendimento aos portadores dessa doença, com impacto principalmente na inclusão social e melhora da qualidade de vida desses pacientes. Contamos que novos estudos, incluindo um número maior de pacientes, sejam feitos futuramente a fim de determinar a real influência do uso de adalimumabe na qualidade de vida dos pacientes portadores de HS.

Agradecimentos

Agradeço aos professores, colegas e pacientes que tornaram possível a realização desse trabalho.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Bárbara Álvares Salum Ximenes | 0000-0001-5111-1809
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Luiz Fernando Froes Fleury Junior | 0000-0002-1202-6211
Concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Taiane Medeiros Terra |0000-0002-6479-8686
Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Ana Maria Quinteiro Ribeiro | 0000-0001-9872-0476
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Rafael Ferreira Junqueira | 0000-0003-2693-0938
Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.

Alexandra Sousa Freire | 0000-0001-5092-7128
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Flávia Tandaya Grandi Miranda | 0000-0002-4323-2499
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Marina Dumont Palmerston Peres | 0000-0001-9961-5184
Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

 

REFERÊNCIAS

1. Guideline Subcommittee of the European Dermatology Forum. Guideline on Hidradenitis suppurativa. [Internet]. Berlin: European Dermatology Forum; 2015 [cited 2019 Feb 1]. Available from: http://derma.hu/upload/dermatologia/document/GuidelineOnHidradenitisSuppurativaS1.pdf?web_id=.

2. Zouboulis CC, Desai N, Emtestam L, Hunger RE, Ioannides D, Juhasz I, et al. European S1 guideline for the treatment of hidradenitis suppurativa/ acne inversa. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2015; 29(4):619-44.

3. Tzanetakou V, Kanni T, Merakou K, Barbouni A, Giamarellos-Bourboulis EJ. Estimating Quality of Life in Greek Patients with Hidradenitis Suppurativa. Primary Health Care. 2015;5(1):1000181.

4. Sundaram M, Lin P, Thomason D, Signorovitch J. How is the severity of hidradenitis suppurativa measured in clinical practice?. J Am Acad Dermatol. 2016; 74(5 Suppl1): AB6.

5. Gooderham M, Papp K. The psychosocial impact of hidradenitis supurativa. J Am Acad Dermatol. 2015; 73(5 Suppl 1):S19-22.

6. Wolkenstein P, Loundou A, Barrau K, Auquier P, Revuz J. Quality of life impairment in hidradenitis suppurativa: a study of 61 cases. J Am Acad Dermatol. 2007; 56(4): 621-23.

7. Hongbo Y, Thomas CL, Harrison MA, Salek MS, Finlay AY. Translating the science of quality of life into practice: What do dermatology life quality index scores mean? J Invest Dermatol. 2005; 125(4): 659-64.

8. Matusiak L, Bieniek A, Szepietowski JC. Hidradenitis suppurativa markedly decreases quality of life and professional activity. J Am Acad Dermatol. 2010; 62(4):706-8.

9. Matusiak L, Bieniek A, Szepietowski JC. Psychophysical aspects of hidradenitis suppurativa. Acta Derm Venereol. 2010; 90(3):264-68.


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