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Relato de casos

Retalho de Yu na reconstrução de defeitos labiais

Mariana Sousa Batista1; Luís Galante Santiago1; André Castro Pinho2; Ana Maria Carvalho Brinca2; Ricardo José David Costa Vieira2

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191121399

Data de recebimento: 12/05/2019
Data de aprovação: 06/06/2019
Trabalho realizado no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Coimbra, Portugal.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de Interesses: Nenhum


Abstract

A reconstrução de defeitos que envolvam até 2/3 da extensão dos lábios é desafiadora, levando-se em consideração a importância funcional e estética desta estrutura. Existem diversas técnicas cirúrgicas descritas para esta finalidade, salientando-se o retalho de Abbe- Estlander, o retalho de Karapandzic e o retalho de Bernard-Burrow-Webster. A escolha da melhor abordagem deve levar em conta a dimensão e localização do defeito e as comorbidades do doente. O retalho de Yu constitui uma alternativa a ser considerada em relação a outros métodos, permitindo obter geralmente excelentes resultados cosmético-funcionais.


Keywords: Lábio; Lábio; Reconstrução; Retalhos cirúrgicos


INTRODUÇÃO

Tendo em conta a importância funcional e estética dos lábios, muitas técnicas têm sido descritas para a reconstrução dos defeitos cirúrgicos labiais. Os fatores mais relevantes na escolha da abordagem reconstrutiva são a dimensão e a localização do defeito labial, devendo-se considerar limitações impostas pelo estado geral e pelas comorbidades do doente.

Yu et al descreveram em 19891 um retalho inovador para reconstruir defeitos cirúrgicos do lábio inferior. Este retalho pode ainda ser usado de forma invertida na reconstrução de defeitos do lábio superior.

 

MÉTODOS E RESULTADOS

O retalho de Yu resulta, na realidade, da combinação de três retalhos locais:

a) um primeiro retalho de deslizamento romboide que avança para o defeito labial desde a zona bucinadora — tem base superior quando o defeito é do lábio superior e base inferior quando o defeito é do lábio inferior;

b) um segundo retalho de deslizamento-rotação, com forma aproximadamente triangular, usado para cobrir a zona dadora do primeiro retalho;

c) um retalho da mucosa jugal para reconstruir o vermelhão.

A estratégia cirúrgica pode se resumir da seguinte forma2 (Figuras 1-3):

1. Incisão curvilínea ao longo do sulco nasolabial estendendo-se 1cm abaixo da comissura.

2. Incisão horizontal a partir da comissura labial até a incisão nasolabial previamente realizada. O comprimento desta incisão deve ser idêntico à largura do defeito cirúrgico quando o retalho de Yu é realizado de forma unilateral, devendo ser metade da largura do defeito quando o retalho de Yu é realizado bilateralmente.

3. O primeiro retalho é levantado em plano subcutâneo respeitando-se os limites das incisões anteriores e avançado para a linha média para cobrir o defeito cirúrgico. O segundo retalho é posteriormente dissecado consistindo em pele e tecido subcutâneo da região nasolabial que roda e avança para reconstruir o defeito remanescente da zona dadora do primeiro retalho. É realizada uma incisão de descarga perpendicular ao sulco nasolabial para permitir a rotação do retalho.

4. Um terceiro retalho da mucosa jugal de forma aproximadamente triangular é levantado num plano submu-coso para reconstruir o vermelhão.

O retalho de Yu constitui uma boa opção quando o defeito cirúrgico do lábio ocupa mais de 1/3 da extensão do mesmo. Assim, quando aplicado de forma unilateral pode cobrir defeitos de até 2/3 da extensão do lábio. Se realizado bilateralmente, pode reparar defeitos de 2/3 da extensão do lábio ou mesmo defeitos subtotais.2,3

Aplicamos esta técnica na reconstrução de três defeitos labiais extensos, todos eles obtidos após excisão radical de carci-noma espinocelular.

Caso 1: Mulher de 90 anos. Tumor com 2cm, de superfície erosivo-crostosa, localizado ao 1/3 inferior esquerdo do lábio inferior, evoluindo desde há sete meses. A ressecção tumoral originou um defeito cirúrgico que ocupava mais de 1/3 da extensão do lábio. Foi realizado um retalho de Yu unilateral sob bloqueio nervoso infraorbitário e mentoniano esquerdos (Figura 1).

Caso 2: Homem de 82 anos com carcinoma espinocelular com 3cm no maior eixo, ocupando o terço médio do lábio superior. A excisão radical do tumor originou um defeito de espessura total do lábio atingindo quase metade da sua extensão (Figura 2). Foi realizado um retalho de Yu unilateral invertido sob bloqueio nervoso infraorbitário bilateral.

Caso 3: Homem de 88 anos com recidiva de carcinoma espinocelular com cerca de 3cm no maior eixo, ocupando os 2/3 inferiores esquerdos do lábio inferior. A excisão originou um defeito de espessura total ocupando entre 1/2 e 2/3 da extensão do lábio inferior (Figura 3). Sob anestesia geral, o doente foi submetido a um retalho de Yu bilateral.

Não ocorreram complicações em nenhum dos casos. O resultado cosmético-funcional foi considerado favorável em todos eles, com preservação da continência oral e ausência de microstomia.

 

DISCUSSÃO

O método de Yu é vantajoso pela preservação funcional do lábio, ao manter a orientação das fibras do músculo orbicular e preservar a continência oral. Apesar de interessar a comissura labial, preserva a localização e a forma da mesma, mantendo a simetria com o lado oposto, mesmo quando realizado de forma unilateral. Esta particularidade é fundamental para a obtenção de um bom resultado estético. Por não implicar limitação para alimentação e fala, é um procedimento cirúrgico que permite celeridade no regresso à vida normal.

Comparativamente a outros retalhos para a mesma finalidade, nomeadamente Karapandzic4,5, Bernard-Burrow-Webster6,7 e Abbe-Estlander8, o retalho de Yu apresenta vantagens e resultado cosmético compensatório.

O retalho de Karapandzic associa-se a maiores taxas de microstomia com risco de distorção das comissuras labiais.9,10 O retalho de Bernard-Burrow-Webster, apesar de não produzir microstomia, resulta, habitualmente, em algum grau de incontinência do esfíncter oral, em particular nas comissuras, podendo igualmente condicionar uma retração do lábio em relação à posição esperada.10,11 O retalho de Abbe-Estlander apresenta como principal desvantagem a necessidade de dois tempos cirúrgicos, especialmente quando o defeito cirúrgico não envolve a comissura, bem como risco de microstomia.12

É importante ressalvar que, quando utilizado para reconstrução de defeitos subtotais e totais, o retalho de Yu também pode causar microstomia.13 Apesar de uma maior complexidade cirúrgica, este retalho comporta risco muito baixo de lesão de estruturas importantes. No entanto, é necessária a preservação das fibras do músculo orbicularis oris pelo risco de prejuízo da continência oral caso o mesmo seja destruído.

Ao preservar a competência oral e a abertura simétrica da boca, o retalho de Yu garante bons resultados estéticos num único tempo cirúrgico. Se tal for necessário, implica curta permanência hospitalar com rápido retorno do doente às suas atividades de vida diária.

 

CONCLUSÃO

O retalho de Yu constitui uma excelente alternativa para a reconstrução de defeitos labiais extensos, com resultado cosmético-funcional que pode ser considerado vantajoso em relação a outros procedimentos descritos para a mesma finalidade.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Mariana Sousa Batista | ORCID 0000-0003-3442-615X

Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Luís Galante Santiago | ORCID 0000-0003-2587-5535

Obtenção, análise e interpretação dos dados.

André Castro Pinho | ORCID 0000-0001-6433-311X

Revisão crítica do manuscrito.

Ana Maria Carvalho Brinca | ORCID 0000-0002-7539-9912

Revisão crítica do manuscrito.

Ricardo José David Costa Vieira | ORCID 0000-0002-5914-9171

Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. JM Y. A New Method for Reconstruction of the Lower Lip After Tumor Resection Eur J Plast Surg 1989;12:155-9.

2. Casanas Villalba N, Redondo Gonzalez LM, Peral Cagigal B, Perez Villar A. Yu's Technique: An Optimal Local Flap for Lower Lip Reconstruction. J Oral Maxillofac Surg. 2017;75(1):207-213.

3. Li ZN, Li RW, Tan XX, Xu ZF, Liu FY, Duan WY, et al. Yu's flap for lower lip and reverse Yu's flap for upper lip reconstruction: 20 years experience. Br J Oral Maxillofac Surg. 2013;51(8):767-72.

4. Karapandzic M. Reconstruction of lip defects by local arterial flaps. Br J Plast Surg. 1974;27(1):93-7. 7.

5. Ethunandan M, Macpherson DW, Santhanam V. Karapandzic flap for reconstruction of lip defects. J Oral Maxillofac Surg. 2007 Dec;65(12):2512-7.

6. Williams EF, 3rd, Setzen G, Mulvaney MJ. Modified Bernard-Burow cheek advancement and cross-lip flap for total lip reconstruction. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1996;122(11):1253-8.

7. C B. Cancer de la levre inferieure: restauratio a l'aide de lembeaux quadrilataires- lateraux querison. . Scalpel. 1852;5:162-4.

8. Kumar A, Shetty PM, Bhambar RS, Gattumeedhi SR, Kumar RM, Kumar H. Versatility of abbe-estlander flap in lip reconstruction - a prospective clinical study. J Clin Diagn Res. 2014;8(10):NC18-21.

9. Closmann JJ, Pogrel MA, Schmidt BL. Reconstruction of perioral defects following resection for oral squamous cell carcinoma. J Oral Maxillofac Surg. 2006;64(3):367-74.

10. Brinca A, Andrade P, Vieira R, Figueiredo A. Karapandzic flap and Bernard- Burrow-Webster flap for reconstruction of the lower lip. An Bras Dermatol. 2011;86(4 Suppl 1):S156-9

11. Konstantinovic VS. Refinement of the Fries and Webster modifications of the Bernard repair of the lower lip. Br J Plast Surg. 1996;49(7):462-5.

12. Krunic AL, Weitzul S, Taylor RS. Advanced reconstructive techniques for the lip and perioral area. Dermatol Clin. 2005;23(1):43-53, v-vi.

13. Bai S, Li RW, Xu ZF, Duan WY, Liu FY, Sun CF. Total and near-total lower lip reconstruction: 20 years experience. J Craniomaxillofac Surg. 2015;43(3):367-72.


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