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Relato de casos

Lentigo maligno palpebral: o manejo com a interface Dermatologia-Oculoplástica: a propósito de um caso

Ana Carolina Krum dos Santos1; Renan Rangel Bonamigo1,2; Fernanda Poy Dondonis1; André da Silva Cartell3,4; Fernando Procianoy5,6

DOI: https://doi.org/10.5935/scd1984-8773.20191121257

Data de recebimento: 21/09/2018
Data de aprovação: 05/04/2019
Trabalho realizado nos Serviços de Dermatologia e Oftalmologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), Brasil.
Suporte Financeiro: Nenhum
Conflito de interesse: Nenhum


Abstract

Apresentou-se à consulta um paciente masculino de 74 anos, portador de uma mancha hiperpigmentada junto à borda palpebral inferior esquerda, com cores variadas, entre diferentes matizes de marrom; a biópsia confirmou o diagnóstico de lentigo maligno. A sua localização na borda palpebral é rara. Há alguma divergência na literatura quanto ao melhor método para seu tratamento. Opções terapêuticas não cirúrgicas, como o imiquimode, têm sido apresentadas bem como diferentes variantes no manejo cirúrgico e nas margens requeridas. No caso descrito, optou-se por manejo com margens conservadoras, preservando-se a funcionalidade da área.


Keywords: Melanoma; Lentigo; Neoplasias Palpebrais; Dermoscopia; Patologia Cirúrgica; Cirurgia Plástica


INTRODUÇÃO

O lentigo maligno melanoma, lesão in situ comumente encontrada na face e na região cervical, pode comprometer locais cujo tratamento é desafiador, como a região palpebral. O lentigo maligno nesta localização é raro (taxas inferiores a 1% entre os melanomas), representando até 1% de todas as malignidades palpebrais.1,2 As lesões com acometimento conjuntival caracteristicamente têm comportamento mais agressivo. O prognóstico em geral é bom, porém as recorrências são frequentes, na dependência do tratamento empregado. O manejo deste tipo de melanoma, considerando sua relativa baixa agressividade e a sua delicada topografia, persiste como motivo de debate; muitos autores advogam a utilização de terapêuticas não cirúrgicas, ainda que sejam considerados índices de recidivas potencialmente superiores.12 Descrevemos o caso de paciente cuja lesão acompanhava a borda palpebral inferior, com excelente resultado oncológico, funcional e estético após tratamento cirúrgico.

 

RELATO DO CASO

Um paciente masculino, de 74 anos, compareceu à consulta com queixa de lesão escurecida no bordo ciliar inferior esquerdo, há dois anos, com crescimento progressivo. Consultou previamente oftalmologista por entrópio bilateral, com prescrição de colírio de lágrimas artificiais e extração dos cílios, tendo sido encaminhado à Dermatologia para avaliação da lesão pigmentada. Possuía história prévia de exérese de lesões na face e antebraço esquerdo há 10 anos, com impressão clínica de câncer de pele, sem comprovação histopatológica. O paciente apresentava diagnósticos prévios de hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia e insônia. Fazia uso contínuo de captopril, omeprazol e clonazepam. Previamente, havia sido submetido à cirurgia de hérnia de disco. Negava alergias medicamentosas, tabagismo e etilismo atuais ou prévios. Relatava história de câncer ocular em um primo de primeiro grau e negava história familiar positiva para câncer de pele.

Ao exame clínico, apresentava mácula assimétrica hiperpigmentada, com tonalidades variadas de coloração amarronzada, variando do claro ao escuro, com bordas irregulares, acompanhando a rima palpebral inferior esquerda (Figura 1). À dermatoscopia, havia rede pigmentar espessa, com área de pigmentação excêntrica em “borrão”, não poupando as aberturas foliculares, e presença de glóbulos na periferia da lesão (Figura 2). A impressão dermatoscópica foi de melanoma cutâneo.

O paciente foi encaminhado ao setor de Oculoplástica do Serviço de Oftalmologia para intervenção cirúrgica diagnóstica. Como havia triquíase na região central da pálpebra inferior esquerda, optou-se por uma ressecção de espessura total em pentágono da região central da pálpebra inferior esquerda, com o intuito de remover a área de cílios mal posicionados e obter material para análise histológica da lesão. Com o diagnóstico anatomopatológico de lentigo maligno (Figura 3A), corroborado pela imuno-histoquímica positiva para Melan A (Figura 3B) e HMB-45, foi planejada a ampliação com margens de 5mm, que correspondeu à ressecção total da pálpebra inferior esquerda. Foi realizada reconstrução da pálpebra inferior com retalho de rotação de Mustardé. O resultado terapêutico foi excelente, considerando-se aspectos do tratamento cirúrgico da neoplasia, funcionalidade do aparelho ocular e estética facial (Figura 4).

 

DISCUSSÃO

Diferentemente do que ocorre em outras regiões, a ampliação de margens nas lesões melanocíticas perioculares é um tema desafiador, uma vez que pequenas quantidades de tecido ressecado podem levar a importante comprometimento funcional e estético. Muitas vezes, é necessário limitar a ampliação de margens ao que se considera cirurgicamente aceitável em termos de ressecção e reconstrução. No caso descrito, optou-se por uma ressecção palpebral de espessura total, devido ao acometimento da pele palpebral, até a junção mucocutânea, mesmo que não houvesse comprometimento da conjuntiva palpebral.

Interessantemente, não há um consenso quanto à necessidade e/ou extensão da ampliação de margens na face conjuntival, quando não há comprometimento além da junção mucocutânea.1,2 Embora a ressecção cirúrgica seja o método “padrão-ouro”, opções não cirúrgicas, como o uso do imiquimode, têm sido apresentadas, com resultados interessantes no tratamento de lesões in situ da região periocular.3,5

Não obstante, seguir o princípio do tratamento cirúrgico oncológico para o manejo de melanomas cutâneos primários nos parece conferir uma segurança primordial, com índices de cura ainda não ultrapassados. A observação dos princípios oncológicos deve estar associada à preocupação quanto à funcionalidade e à estética resultantes da intervenção.4

 

CONCLUSÃO

Para os melhores resultados de situações complexas, as equipes especializadas são importantes e devem unir esforços para uma interação produtiva.

 

AGRADECIMENTO:

À equipe do Serviço de Dermatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

 

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES:

Ana Carolina Krum dos Santos | ORCID 0000-0001-9863-1836

Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Renan Rangel Bonamigo | ORCID 0000-0003-4792-8466

Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Fernanda Poy Dondonis | ORCID 0000-0002-8307-2098

Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.

André da Silva Cartell | ORCID 0000-0003-1436-9418

Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.

Fernando Procianoy | ORCID 0000-0003-3365-8813

Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

 

REFERÊNCIAS

1. Vaziri M, Buffam FV, Martinka, M, Oryschak A, Dhaliwal H, White VA. Clinicopathologic Features and Behavior of Cutaneous Eyelid Melanoma. Ophthalmology. 1991;98(12):1867-73.

2. Chan FM, O'Donnell BA, Whitehead K, Ryman W, Sullivan TJ. Treatment and Outcomes of Malignant Melanoma of the Eyelid; A Review of 29 Cases in Australia. Ophthalmology. 2007;114(1):187-92.

3. Elia MD, Lally SE, Hanlon AM, Choi JN,Servat JJ, Shields JA et al. Periocular Melanoma In Situ Treated With Imiquimod. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2016;32(5):371-3.

4. Piazza CD, Sampaio SAP. Remission of extensive lentigo maligna after treatment with imiquimod*. An Bras Dermatol. 2009;84(1):82-4.

5. Mutlu OO, Egemen O, Dilber A, Üsçetin I. Aesthetic Unit-Based Reconstruction of Periorbital Defects. J Craniofac Surg. 2016;27(2):429-32.


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